Outubro 17, 2023
Virginia Astley convida-nos para um passeio no campo. E deixa-nos uma promessa
Miguel Marujo
O convite chegou por email – Virginia Astley anunciava (para o último domingo, dia 15) uma Listening Party do seu novo disco, apresentado na véspera de surpresa, na sua página no Bandcamp. The Singing Places é o título para um conjunto de composições que encontra fortes ecos na sonoridade encantatória de From Gardens Where We Feel Secure, obra-prima absoluta de 1983.
Quarenta anos depois, os jardins dão lugar a singing places, um termo que a compositora e música britânica usa “para lugares que têm uma ressonância particular — seja emocional ou acústica, ou ambas!”
Esta foi uma das breves explicações de Virginia Astley às perguntas que lhe foram sendo colocadas, ao longo da audição do (curto) disco de 26’30”, por fãs visivelmente entusiasmados – com o trabalho atual e, sobretudo, com as memórias de obras antigas. Havia aqueles que diziam estar a preparar-se para dormir, havia quem fizesse o jantar, quem escrevesse de Nápoles, em Itália, ou algures no americano Milwaukee, numa tarde em que a chuva tinha parado momentos antes.
As palavras eram sobretudo de alegria pelo novo trabalho – e a quem perguntou por uma eventual edição física, Virginia Astley prometeu: “Estou a planear lançar The Singing Places em CD e vinil.” A audição conjunta foi uma forma de perceber como reagiam os ouvintes ao novo trabalho, confessou a própria.
Virginia deixou ainda outra promessa, quando questionada por mim sobre se pensa gravar um disco de canções, como o notável Hope In a Darkened Heart (1986), no qual participaram David Sylvian e Ryuichi Sakamoto: “Eu gostaria muito de fazer novamente um álbum de músicas!”
Na sua serenidade deliciosa, The Singing Places percorre os melancólicos caminhos familiares de From Gardens… Há pássaros que voam, os sinos da abadia de Dorchester, as águas de um rio, a chuva provavelmente gravada em Lechlade – quase se adivinha um outono de folhas caídas, naquelas margens. “As gravações de campo foram feitas em primeiro lugar”, explicou Astley. “A música é então escrita em torno delas.” A primeira gravação no terreno foi realizada em Moulsford, Oxfordshire. O campo impregna-se, por entre a trompa barítono, a harpa da filha Florence ou harmónios. Quando se ouvem pássaros, é Virginia que se entusiasma, explicando aos seus ouvintes: “Os abibes que estão a chegar são de Shifford.”
É também Astley que enquadra a imagem da capa: “A capa do álbum é Kelmscott – foi aqui que [o poeta e romancista inglês] William Morris viveu, o seu paraíso na terra.” Se há um qualquer paraíso na terra, o trabalho de Virginia Astley vai escrevendo parte da sua banda sonora. E o outono mora aqui.
Artigo originalmente publicado no Sete Margens, em 16 de outubro de 2023. Foto: “A capa do álbum é Kelmscott – foi aqui que [o poeta e romancista inglês] William Morris viveu, o seu paraíso na terra”, explicou Virginia Astley.