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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Janeiro 26, 2024

Vichyssoise a mais

Miguel Marujo

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Há pouco mais de um ano, Marcelo virou as agulhas todas contra (é a palavra) o Governo, depois do país inteiro lhe ter caído em cima com a frase demasiado infeliz e ligeira sobre os abusos sexuais na Igreja. A partir daí, insistiu — com uma regularidade conveniente e conivente — num tema alimentado apenas pela direita e por alguns setores socioeconómicos interessados: uma eventual dissolução do Parlamento, como se o Governo não tivesse a legitimidade de uma maioria eleitoral nas urnas.

O Presidente insistia que tinha de avaliar a maioria. E quem avaliaria o Presidente? A sua legitimidade tem a mesma origem da do Governo: uma eleição direta. E a maioria de um é tão legítima como a do outro. Marcelo foi eleito nas presidenciais com 2,5 milhões de votos; o Governo do PS recolheu 2,3 milhões de votos — duas ordens de grandeza muito próximas, que não podem ser postas em causa por sondagens que ouvem umas centenas de pessoas.

Um ano depois, depois de um novo e enorme deslize, agora sobre a guerra entre Israel e a Palestina com uma tirada infantil sobre quem “começou” a guerra, e as suspeitas de uma cunha inaceitável, levaram o Presidente para níveis históricos de impopularidade (medidos por sondagens, que não podem pôr em causa o seu mandato). A fuga em frente manteve-se na oposição ao Governo, com vetos políticos, até em matérias em que o Tribunal Constitucional lhe retirou razão em toda a linha, procurando ser o alimento opositor à falta de líder da oposição.

Valeu-lhe o parágrafo salvífico da procuradora-geral da República, grave no conteúdo, péssimo na forma. A oposição cavalgou uma inadmissível intromissão e ingerência na separação de poderes, com o Ministério Público a ser ligeiro na investigação e pernicioso na política. Exulta a extrema-direita que só sobrevive nos escombros dos regimes.

Agora, com a sua atuação na Madeira, desdiz o que estabeleceu como alegada jurisprudência do seu mandato, desfazendo-se em contorcionismos e alegadas exigências de pureza, numa região governada sempre pelo mesmo partido.

Quando daqui a dois anos o país for chamado de novo a votos, por causa da instabilidade provocada por uma precipitada convocação de eleições, Marcelo ficará definitivamente para a História como o Presidente da instabilidade, e da interferência numa maioria que era e é tão legítima quanto a que o elegeu. Por mais trapalhadas que se apontem, Marcelo tem sido pouco Presidente e demasiada vichyssoise.

 

[foto: GBC Kitchen]

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