Abril 05, 2022
Viagens à Lua? Isso é tudo falso, dizem eles
Miguel Marujo
O filme de 1902, Viagem à Lua, inspirou muitos na primeira vez que o homem foi à Lua.
Contudo, cerca de 6 por cento dos americanos acreditam que é uma mentira.
Ainda há quem não acredite que "aquele pequeno passo para a humanidade" tenha sido mesmo dado. E nos EUA, o país que pôs um homem na Lua, há mesmo quem se dedique a tentar desmontar a façanha. Há teorias da conspiração para todos os gostos.
Num mundo que elegeu Donald Trump e Jair Bolsonaro, que tantas vezes põem em causa as mais óbvias e sensatas evidências científicas, não admira que, meio século depois, ainda persistam teses conspirativas de que o homem nunca chegou na Lua. É um dos feitos maiores da humanidade, mas para alguns o pequeno passo de Neil Armstrong foi um "gigantesco salto de falsidade".
Nos EUA, de onde partiu a missão, há homens que se empenham em desmontar o que dizem ser o filme mais caro de sempre, montado pela NASA, para enganar todo o mundo. Literalmente: o mundo todo.
Em 1957, a União Soviética colocou no espaço com êxito o primeiro satélite. Num tempo em que se vivia a Guerra Fria, com a ameaça do nuclear bem presente, os russos eram inimigos, e o lançamento do Sputnik 1 abriu porta aos maiores receios. É neste contexto que os EUA se lançam também na corrida espacial. Quem chegará primeiro à Lua passa a ser um desafio não só tecnológico como também político.
É neste caldo que emergem também os céticos, como Bill Kaysing. Este analista e engenheiro de Rocketdyne, a companhia que projetou os foguetes Apollo, surge num programa de televisão de 2001, transmitido pela Fox, assertivamente chamado Teoria da Conspiracão: Nós Pousámos mesmo na Lua?, convencido "de que nunca enviámos homens à Lua".
"Acho que foi uma intuição", "aquilo tudo pareceu-me falso", explicou-se no referido programa. Kaysing "ficou chocado com inconsistências", porque "não havia estrelas no céu lunar", a bandeira americana tremulou, "sabendo que não existe ar na Lua", e "não havia nenhuma cratera debaixo do módulo, que deveria ser provocada pelo forte motor" no momento em que a nave pousou.
Bart Sibrel é outro profeta das mirabolantes teses que garante, com os pés bem assentes na Terra, que o homem não chegou à Lua. Diz que faz "jornalismo de investigação", tem um site no qual pede ao visitante que "apoie a verdade" e dedica-se a apregoar o engodo que terá sido a viagem ao satélite.
Os ingredientes estão todos servidos: num filme de série B, escrito pelos piores argumentistas de Hollywood, Kaysing e Sibrel alinham meia dúzia de dúvidas retóricas com base em "suponhamos", sem qualquer rigor científico. E está lançada a teoria de conspiração.
Como foi então montada a farsa? "O lançamento do foguete Saturno 5 com a Apollo foi real", diz Kaysing no documentário. Mas não levou astronautas para a Lua. Eles ficaram oito dias em órbita "e ao oitavo dia a cápsula separou-se e voltou à Terra".
Os EUA têm o local ideal para alimentar a mais tosca imaginação: a Área 51, uma base supersecreta na extensa região desértica do Nevada, onde tudo pode acontecer.
Para ajudar, os EUA têm o local ideal para alimentar a mais tosca imaginação: a Área 51, uma base supersecreta na extensa região desértica do Nevada, onde tudo pode acontecer. Para os autores do programa, foi nesta zona restrita — com uma superfície quase lunar — que se filmaram os passos dos astronautas que pisaram a Lua e as pegadas de Armstrong. E foi onde cravaram a bandeira dos EUA, a tal que esvoaçou. "Significa que existia vento na Área 51 quando filmaram", descrevem os descrentes. Ou os "crentes em falsidades", como lhes chamam cientistas e astronautas que responderam com minúcia ao programa de TV de 2001.
Nada foi deixado ao acaso nesta "teoria da conspiração": Mitch Pileggi, que conhecemos como o diretor do FBI, Walter Skinner, em Ficheiros Secretos, é o narrador deste documentário. E todos nos lembramos do lema desta série de ficção: "Não confie em ninguém."
"Teorias grotescas"
Tudo é dito e mostrado para instalar a dúvida no mais empedernido fiel da chegada à Lua, decompondo em 50 minutos aquilo que um porta-voz da NASA, Brian Welch, classifica de "teorias grotescas". Às teorias juntam-se dados falsos: "20% dos americanos acreditam que nunca se foi à Lua", diz o narrador. Serão 6%, nas sondagens feitas. E juntam-se vozes supostamente credíveis para dar gás a teses que não têm (elas sim) qualquer evidência. Brian O'Leary é um ex-astronauta e cientista consultor das missões Apollo. Diz ele no programa que "não pode garantir que estes homens tenham andado na Lua".
E ao bom estilo americano não faltam mortes. O astronauta Gus Grissom, da missão Apollo 1, morreu num acidente da nave. A família acredita que não foi acidente porque ele terá dito que alguém iria morrer. "Foram silenciados porque sabiam demasiado?", pergunta o narrador.
Também Thomas Ronald Baron, inspetor de segurança da Apollo 1, testemunhou no Congresso que o programa tinha tantos problemas que os americanos nunca chegariam à Lua. Uma semana depois, Baron morre num acidente quando o carro é colhido por um comboio. "Foi assassinado", sentencia Kaysing. "Entre 1964 e 1967, dez astronautas morreram em acidentes estranhos", diz-nos o narrador. Nunca lhes ocorreu que o treino e as viagens espaciais não eram propriamente um passeio no parque.
O porta-voz da NASA responde com números: o programa Apollo envolveu diretamente 250 mil pessoas e indiretamente outras 500 mil. Era muita gente. Mas os profetas da conspiração não deixam que a verdade lhes estrague uma boa história, como afirma Sibrel: "Era tudo dividido, não sabiam deste engodo." E só acreditarão como São Tomé: "Se a NASA pousou mesmo na Lua, os restos das seis missões estão lá." Trump, o homem que gosta de teorias da conspiração, já pediu à NASA para voltar à Lua.
[texto originalmente publicado na revista 1864 do DN, em 13 de julho de 2019 e replicado no site do jornal a 15 de julho de 2019]