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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Novembro 26, 2022

Urnas, mortos e mau cheiro. "É altura de acabar com isso", avisou a Censura

Miguel Marujo

Cheias 1967 Arquivo DN.jpeg

Por telegrama, a Censura avisava as redações: "É conveniente ir atenuando a história. Urnas e coisas semelhantes não adianta nada e é chocante" © Arquivo DN

 

Há 55 anos, na noite de 25 para 26 de novembro, ocorreu uma das maiores tragédias no país, com cheias a provocarem uns 700 mortos, segundo estimativas — os números oficiais foram sempre bem menores. O Portugal de 1967 era uma ditadura onde coronéis riscavam títulos, textos e fotografias dos jornais. A Censura queria limitar a dimensão de uma tragédia de que nunca se conheceu a verdadeira realidade. No terreno, os jornalistas também recebiam instruções sobre o que escrever. "Evita coisas macabras, que o coronel já telefonou." Os textos eram ditados ao telefone, as fotos iam de moto.

 

A mensagem é curta e chega por telegrama: "Não falar no mau cheiro dos cadáveres." A 29 de novembro de 1967, as páginas dos jornais ainda se enchem de reportagens e notícias sobre as "chuvas diluvianas" da noite de 25 para 26 em Lisboa e nos arredores e a Censura aplica outras instruções aos jornais. "Inundações: os títulos não podem exceder a largura de 1/2 página e vão à CENSURA." O "Dr. Ornelas", capataz do lápis azul, avisa ainda a redação do Jornal de Notícias no mesmo telegrama: "Actividades beneméritas de estudantes - CORTAR." As maiúsculas gritam a ordem.

No Portugal cinzento da ditadura de Salazar, a tragédia tinha de ser limitada e amaciada. "É conveniente ir atenuando a história. Urnas e coisas semelhantes não adianta nada e é chocante. É altura de acabar com isso. É altura de pôr os títulos mais pequenos", escreve o "Tenente Teixeira", logo a 27 de novembro.