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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Agosto 03, 2021

Tratou da saúde a três Presidentes da República. Com o quarto, "o desafio é ser médico"

Miguel Marujo

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Daniel de Matos entrou em Belém pela mão de Mário Soares. Os chefes do Estado foram passando e ele tem ficado. Agora zela pela saúde de um antigo colega de liceu, Marcelo Rebelo de Sousa. Um perfil publicado em março de 2016, que ajuda a explicar voluntarismos atuais.

Marcelo Rebelo de Sousa realizou a sua primeira deslocação oficial para o estrangeiro com uma comitiva mínima, deixando em Lisboa o médico pessoal do Presidente da República. Daniel de Matos até agradece ter sido poupado a estas viagens: afinal, o médico, nascido a 6 de maio de 1948, está no seu sétimo mandato em Belém - está na Presidência desde a eleição de Mário Soares - é o decano do palácio presidencial.

São 30 anos de serviço, com milhares de quilómetros em centenas de deslocações ao estrangeiro e em território nacional. "Eu entro e saio com cada um deles", notou Daniel de Matos ao DN: Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva. "Entro e saio nos dias 9 de março", a data em que os chefes do Estado Português tomam posse. E entrou e saiu porque mereceu a confiança de cada um deles. "Os dois primeiros eram meus pacientes, o professor Cavaco Silva convidou-me para estas funções", explicou. Fonte oficial de Belém avançou ao DN que "o Presidente da República decidiu manter no cargo" quem já lá estava. "Não se trata de uma escolha pessoal, é manter o que já existia", acrescentou Belém. É mais do que isso: ele será médico de um velho conhecido. Marcelo e Daniel foram colegas de liceu, no Pedro Nunes, em Lisboa, conhecem-se desde os 11 anos.

António Mega Ferreira foi colega dos dois, "nos cinco primeiros anos de liceu". Mesmo que o curso da vida tenha afastado (uns seguiram para humanidades, como Marcelo e António, já Daniel optou pela ciência), o antigo administrador do Centro Cultural de Belém recordou que "era muito amigável, muito bom o relacionamento" entre os adolescentes Marcelo e Daniel. O agora Presidente "tinha um bom relacionamento com toda a gente", notou ao DN.

"Éramos um grupo de uns quatro, eu, o Marcelo, o João Seabra, que agora é padre, o João Amaral, que está na APEL, e o José Manuel Faria", vai desfiando o escritor e jornalista. Daniel era da turma, dava-se com eles, mas não fazia parte deste pequeno grupo que ia "alegadamente estudar para casa de Marcelo", ali na Rua de São Bernardo, um pouco abaixo do Liceu Pedro Nunes. "Íamos era lanchar, discutir este mundo e o outro", contou.

"Não comete erros básicos"

Daniel de Matos sabe bem ao que vai agora: o recém-empossado Presidente da República é um hipocondríaco assumido. "É um hipocondríaco confessado e erudito", completa Daniel de Matos ao DN. Que tenta definir melhor essa hipocondria e essa erudição: "É erudito médico-farmacologicamente, a sua hipocondria será mais nesse sentido." Assim, concede o médico, "dá alguma segurança, não comete erros básicos". Também por isso Rebelo de Sousa "acaba ele próprio por resolver 95%" dos problemas que tem. "O grande desafio é eu ser médico", diz, entre gargalhadas.

Marcelo, antes de ser eleito, confirmou esta sua curiosidade. "Eu vou às farmácias e porque conheço os medicamentos que saem, porque conheço as várias terapias, sou capaz de explicar como foram tratadas as úlceras desde o momento em que comecei a tratá-las." Que teve uma revelação com uma cientista, como confessou numa entrevista à revista Cristina. "Um dos momentos áureos da minha vida foi ter conhecido uma cientista de Leste, que foi para a Suécia, e inventou o medicamento que mais dinheiro deu a uma farmacêutica sueca na proteção do tecido do estômago e do duodeno atingido por úlceras", recordou. "Conhecer aquela cientista, que me explicou como é que tinha inventado aquele medicamento foi..." - e simula um espanto de cair para o lado. "Outra coisa que adoro: ir a congressos de médicos. Sinto-me bem de saúde. Se me acontecer, está lá tudo", atirou. Os portugueses também o viram, na campanha, a entrar numa farmácia e a perguntar por "novidades".

Talvez seja por isto que Daniel de Matos antecipou um "caldeirão". "Vamos ver como corre. É uma experiência que aceito correr", afirmou ao DN. Com um objetivo simples, admitiu: "Só tentarei dar saúde ao Presidente da República." E corrigiu-se logo. "Cuidar da excelente saúde que tem."

Um acaso no início

O médico chega a Belém em 1986 por um episódio que teve lugar uns seis anos antes, como revelou ao Expresso, numa entrevista em 2013. Em 1980, Daniel Joaquim de Sousa Azevedo de Matos estava de urgência com o amigo Eduardo Barroso, sobrinho de Mário Soares, quando o fundador do PS adoeceu. Como estava sem médico, Eduardo e Daniel foram a casa de Soares, e Azevedo de Matos acabou por ser "chamado quando havia qualquer coisa". Seria Daniel quem Mário Soares chamaria também, em 1986, para ser seu médico pessoal na Presidência. Jorge Sampaio repetiria o convite, Cavaco Silva também.

Ao longo dos anos, Daniel de Matos estendeu a sua atividade ao pessoal da Presidência. A consulta organizada tem lugar três dias por semana, mas Daniel de Matos vai passando e estando por lá. "Não quer dizer que noutros dias não veja pessoas."

Se tem sido assim no palácio, nas viagens o médico também foi chamado muitas vezes a acudir a quem precisava. "Pessoas que adoeciam em sítios difíceis", recordou. Ou coisas simples, como amigdalites. Colecionou quilómetros e histórias. Dos primeiros disse que foi "uma loucura" até agora, tem "tudo guardado" para um dia poder contabilizar. E das segundas recordou que tem muitas para contar, "quase todas com muita graça". "Não escrevi isso, tenho alguma pena, mas tenho de memória."

Agora, no sétimo mandato, este bisneto, neto e filho de médicos vai poder somar mais linhas ao caderno das suas memórias. Também pode tomar notas das novidades farmacêuticas, se o Presidente Marcelo tiver disponibilidade para ir visitando farmácias. Tem ali pelo menos um quase colega.

[artigo originalmente publicado no DN, a 20 de março de 2016; foto de Miguel A. Lopes, segundo o Google Images, identificada como "Presidência", no DN]