Maio 21, 2020
rãs, chuva, trovoada — por entre as ruínas
Miguel Marujo
Gosto de álbuns onde os sons dos dias e das noites entram de rompante, uma porta que bate, passos que se ouvem, aves que se metem à janela, animais que se fazem notar, a chuva que cai, um sino a repique, miúdos que brincam, pessoas que falam, e podia continuar à medida que salto dos Pink Floyd de Ummagumma, para Virginia Astley, sobretudo em From Gardens Where We Feel Secure, ou a Sétima Legião em A Um Deus Desconhecido, até Nuno Canavarro de Plux Quba — Música para 70 serpentes.
Já estou a divagar. Gosto de álbuns que também nos metem a vida dentro. E Ruins é um desses discos. À época, estávamos em 2014, Vítor Belanciano escreveu no Ípsilon um texto admirável que me fez ir ouvir a obra de Grouper, imaginada e composta na costa de Aljezur, e na primeira audição (de muitas, que se repetiram) descobri as vozes que Liz Harris, que dá pelo nome de Grouper, respigou da natureza na sua residência artística na Costa Vicentina, com rãs, chuva a cair, o restolho do campo e da praia, e aquela trovoada que se imagina de chumbo.
Nestes tempos fechados sobre nós próprios, como Liz e o seu piano, voltei de novo a Ruins, para melhor perceber como podemos construir esta nossa casa. "I hear you calling and I wanna go/ Run straight into the valleys of your arms", ouve-se na voz tímida. A vida toda aqui dentro.
[foto de Tanja Engelberts]