Agosto 04, 2017
Pet Shop Boys: licença para dançar
Miguel Marujo
É uma festa para os corpos esta que se anuncia por estes dias de verão e os rapazes da loja de animais de estimação não fazem a coisa por menos: os Pet Shop Boys revisitam toda a sua obra, o catálogo completo dos álbuns de estúdio de 1985 a 2012, editados pela Parlophone, para uma releitura que promete muitos inéditos e bastantes remisturas. Desde ontem [28/7/17] estão à venda os três álbuns — Nightlife (1999), Release (2002) e Fundamental (2006) — que abrem este programa de reedições muito especiais, anunciadas pelo duo em junho passado, sob o nome de Catalogue: 1985-2012, sempre acompanhados de material extra, reunido sob o nome comum de Further Listening. Para baralhar, o projeto começa num ano em que não se festeja uma data redonda: foi em agosto de 1981 que Neil Tennant e Chris Lowe se conheceram, passam 33 anos do primeiro single (e primeiro êxito, diga-se), West End Girls, o primeiro álbum Please é de março de 1986 — e este catálogo arranca com a edição dos sétimo, oitavo e nono álbuns dos Pet Shop Boys.
Neil e Chris focam-se num período criativo que percorre 11 anos de produção: de 1996 a 2007 — onde também houve tempo para um musical, Closer to Heaven (2001), uma coletânea de sucessos, PopArt (2003), ou uma obra instrumental composta para acompanhar o clássico do cinema mudo soviético, Battleship Potemkin (2005).
Lowe confessou agora ao The Times que estes três álbuns são os seus três preferidos dos Pet Shop Boys. Tennant também se disse "sempre surpreendido" sobre o "quão bons eles são". Talvez seja exagero promocional. Afinal, Release é ainda hoje o álbum com mais fragilidades de uma obra já extensa de três décadas, apesar da presença do ex-Smiths Johnny Marr, nas guitarras (ou se calhar por causa disso...). E apesar de Nightlife e Fundamental arrumarem nas suas versões originais alguns dos melhores exemplos da pop apelativamente dançante e também socialmente comprometida dos Pet Shop Boys.
No libreto que acompanha esta edição prolixa, Neil explica abundantemente o lifting aplicado no som dos britânicos com este Release. "Nós decidimos a determinada altura que o álbum anterior [Nightlife] era o fim dos velhos Pet Shop Boys e que íamos fazer uma coisa radicalmente diferente. Era uma coisa muito do Chris, isto." Queriam fazer canções simples e com guitarras, para evitar o som previsível dos Pet Shop Boys, atreve-se a explicar Tennant. O mais velho dos rapazes, hoje com 63 anos, acaba por desvalorizar o som mais despido que o álbum ganhou com as guitarras. "As pessoas falam muito do 'solo de guitarra' em Love Is a Catastrophe, mas foi tocado no órgão", apontou Neil.
Voltemos atrás, a Nightlife — o sucessor de Bilingual, a experiência luxuriante em que os britânicos flirtam com a música da América Latina —, que acompanha a composição das canções para Closer to Heaven, peça estreada no londrino Arts Theatre em 2001.
O álbum do fim do milénio antecipa alguns dos temas dessa peça, mas não se resume a uma banda sonora exclusiva do musical de Jonathan Harvey. É antes uma saudação ao século XXI, que já ali espreitava, que nos trouxe como cartões-de-visita dois dos singles essenciais desta história de 30 anos, que são I Don't Know What You Want But I Can't Give It Any More ou New York City Boy, por entre as orquestrações negras de Craig Armstrong, os sons das pistas que Rollo e David Morales conheciam como a palma da mão (são eles os três produtores de Nightlife) ou a colaboração vocal de Kylie Minogue em In Denial.
Os dois álbuns extra de Further Listening que acompanham a edição de Nightlife ajudam a descobrir mais temas do musical, alguns cantados até aí apenas pelo casting da peça, e a vontade sempre presente de experimentar, esticar, reler, remisturar e rever canções próprias e de outros. Por isso, ouvimos um divertimento como Paris City Boy, pastiche delicioso de New York City Boy, em que se substitui a Sétima Avenida pelos Campos Elísios, mesmo que num francês macarrónico que muitos não entenderiam e que "foi uma pura perda de tempo", mas "divertido". Ou a colaboração com Elton John emBelieve/Song for Guy - o mesmo Sir Elton John que os volta a acompanhar em In Private e Alone Again, Naturally nos dois volumes de Further Listening que se juntam a Release.
Fundamental esteve para se chamar Fundamentally e para ser fundamentalmente eletrónico, mais uma rutura com o som de Release, com catchy pop songs, que soassem muito eletropop, com sintetizadores gordos e sujos, nada como o som limpinho dos Kraftwerk, sem house ou sentimentos humanos.
Acabou por ser uma obra feita de orquestrações, na qual o produtor Trevor Horn, que se foi impondo ao longo das gravações, ficando como responsável pelo som cheio do álbum. "Nós estávamos sempre a dizer ao Trevor: "Nós somos um duo eletrónico"", recorda Neil. Ao contrário de Nightlife — na qual a música clássica irrompia, por exemplo, em Happiness Is an Option —, neste Fundamental, Neil e Chris não queriam uma cantora de ópera, como desejava Horn. "Este álbum não era sobre uma cantora de ópera. Mas depois, obviamente, o Trevor punha uma orquestra em tudo."
Estes três discos são obras que também se leem. Os libretos que os acompanham são longas conversas sobre cada um dos álbuns e nos quais Tennant e Lowe se demoram a explicar as canções, as histórias à volta de cada uma delas. Como a de We're the Pet Shop Boys, com a letra de um fã, que atravessa alguns dos títulos do duo e coloca um casal a olhar para os anos 1980, quando os dois gostavam dos Pet Shop Boys. "I close my eyes and see you/ better than before/ then I feel you touch me/ and it's 1984." Estes rapazes prometem continuar a tocar(-nos) por mais uns anos. E sempre com mais para ouvir.
[publicado no DN de 29/7/17]