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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Fevereiro 26, 2022

Na guerra, a escolha é só uma: contra o agressor

Miguel Marujo

Raiva Sérgio Tréfaut 02.jpeg

 

Dizer não à guerra, não significa aceitar uma invasão ou, numa forma mais contida, encontrar uma justificação para essa invasão.

Questionar a (pertença à) NATO, como acho que se deve fazer, não significa colocar no mesmo patamar esta organização e um autocrata-agressor-invasor.

Entender que os EUA têm um comportamento demasiadas vezes questionável e criticável, como foi na guerra do Iraque (e na falácia montada das armas de destruição massiva), não nos pode levar a aceitar que uma democracia — a quem exigimos sempre mais — seja moralmente equiparada a uma autocracia e ditadura. 

Querer a paz, não é a mesma coisa que aceitar que a culpa da invasão não é do agressor. 

 

Encontrei no Twitter uma reflexão extensa (thread) de alguém que assina bonjour tristesse, e com a qual concordo em muitos pontos. É de alguém de esquerda, e que valia a pena ser lido por muitos nessa esquerda, PS, PCP, BE et all. Deixo-a para memória futura:

 

Não tenho nada de interessante a dizer sobre o conflito. De qualquer maneira ninguém quereria ler um hot take sobre geopolítica de uma conta que é 75% shitposting, autocarros e Eurovisão. Mas tenho alguma coisa a dizer sobre o PCP, até para ver se paro de falar no assunto:

Tenho nesta rede alguns mutuals que são apoiantes/militantes do PCP, que gosto sempre de ler, e que não faço ideia se me leem (liam?) ou deixarão de seguir. Para mim, ler posições de alguém da mesma área política com quem não se concorda é fundamental para informar a perspetiva.

As discussões sobre o PCP são sempre, inevitavelmente, contaminadas por anticomunismo, o que é trágico. Temos aliás assistido ao aumento deste problema com o surgimento do partido-religião libertário/neoliberal, de inspiração americana.

Votei várias vezes na CDU, duvido que o volte a fazer no futuro (veremos). Já dei, com orgulho, centenas de euros ao partido. Participei em várias ações do PCP e da CGTP. Não é exatamente uma relação próxima, mas é mais do que simpatia, é identificação.

No ano passado, a propósito do centenário, todo o país decente prestou homenagem ao partido pelo seu papel histórico. E assistimos também a um pico de anticomunismo imbecil, o que até me deu oportunidade para um longo shitpost que muito me divertiu.

E aqui chegados, em 2022, eis-nos perante a irreversível evanescência do partido (OPINIÃO™). O PCP não é nem nunca foi um partido conservador, aliás esse é um dos maiores equívocos ao discutir algumas das suas posições políticas.

E no entanto, é albergue de políticos preconceituosos e desinformados. O partido escolhe regularmente colocar-se de fora de lutas de emancipação de minorias ou de evolução de direitos humanos.

Todos os partidos de esquerda são filhos da análise marxista. Nenhum partido de esquerda, nem sequer o PS, rejeita que as contingências de modelo económico e consequente organização social são a dimensão principal de uma sociedade. E, contudo, não são as únicas.

O PCP, ao não integrar outras dimensões, alheia-se da realidade do século XXI. Não tem nada a oferecer (OPINIÃO™) em política ambiental, como aliás foi claríssimo durante as autárquicas. E depois...a política internacional 🙄.

Em fevereiro de 2022 era fácil, óbvio e obrigatório para qualquer partido decente (principalmente de esquerda) colocar-se ao lado do oprimido. Sem "mas", sem "e o contexto?". Porra, empatia. É apenas o básico de comunicação política (...).

Isto não é negar a complexidade das interações que são produtoras de história. Isso é válido para qualquer conflito seja o agressor a Rússia, Israel ou os EUA. O problema é que para o partido *tudo* é contingente em blocos como era na Guerra Fria. Isto é uma prisão argumentativa.

Por exemplo, até eu sou a favor da dissolução da NATO, mas porque sou eurofederalista e acho que a desamericanização europeia é a única forma de termos futuro. Mas isso é uma conversa para agora? Não -- ainda não.

De facto a escola de quem se politizou durante a guerra fria era a dos blocos e da escolha de lados, e esta condicionou mentalmente até hoje quem passou pelo PCP, daí a compreensão russófila que até há pouco tempo víamos em pessoas como o @danielolivalx (OPINIÃO™).

Com um mundo multipolar/pulverizado, insistir neste género de comunicação é absurdo porque não diz nada a quem nasceu sem gerra fria. A agenda da empatia devia ser óbvia. Infelizmente o pecado mortal (pun intended) do PCP é a do "inimigo do meu inimigo é meu amigo" - idiota útil.

O Brexit não foi um triunfo contra o neoliberalismo da UE (que existe e é grave). Pelo contrário, é um triunfo do conservadorismo. E no entanto, vimo-lo celebrado por comunistas. A visão de estratégias contingentes é a negação da utopia — ou seja, uma traição ao Comunismo.

Os exercícios de hermenêutica militante que os apoiantes do PCP têm feito nesta rede sobre a posição pouco clara do partido (que oferece uma falsa equivalência do agressor com outros atores) — com algumas exceções interessantes — são de uma desesperança atroz.

Pode ser que isto seja tudo equívoco meu e que o PCP na verdade tenha uma adesão popular que não imagino. Infelizmente os dados que temos não apoiam essa ideia.

Espero que após a ruína do PCP o seu eleitorado adira a quem não faz concessões estratégicas a autocracias. O @LIVREpt parece ser o único partido suficientemente descomplexado para já. Oxalá outros surjam ou evoluam. Mas o fim do PCP, por escolha própria, dói muito.

Aqui fica a análise política low-cost deste sábado. Não há bibliografia anexa. Desculpem a poluição da vossa timeline. Os tuítes sobre grafitos em paredes ou veículos com e sem motor voltam dentro de momentos." [fim.]

 
[imagem do filme Raiva, de Sérgio Tréfaut]