Novembro 02, 2017
music brings hope for a better tomorrow
Miguel Marujo
[ainda ao meu Pai]
Queimaram-se ontem as velas derradeiras do dia de todos os santos, que o feriado e a tradição popular fazem de memória, celebração e comemoração dos mortos. Afinal, o dia dos finados de hoje transplanta-se para o dia em que se glorificam santos e santas. Os mortos, homens e mulheres, todos e todas, são assim santificados, por calendário, numa subversão eventualmente inconsciente — de vitória da vida sobre a morte. Uma ressurreição da festa. E os vivos que julgam apenas cuidar dos mortos, acabam por cuidar da celebração da sua vida. Na memória dos amigos e familiares mortos lembramos sempre os momentos de alegria, raramente nos recordamos da tristeza, dificilmente se festejam as angústias. Por isso, toda a alegria deve ser festejada — não condenada.
Da aparelhagem ouviram-se os sons da terra que deus sonhou: Johnny Cash canta o repertório de hinos religiosos de um livro da sua mãe (é o disco 4 da absolutamente imperdível caixa "Unearthed"). Cash gravou estes temas já marcado por um cancro, que à medida que avançava lhe debilitava a voz e engrandecia a vida. E é de vida, que esta voz à beira da morte, canta. É de vida que se sonha, com estes temas. Afinal, a mãe sempre lhe ensinou que a música é uma coisa festiva. «I'll just sing 'em, me and my guitar, simple, no adornment, knowing that God loves music and that music brings hope for a better tomorrow», escreve Cash. A música deste tempo pode ser também um Requiem — mas lembrando que a festa da vida celebra-se sobre a morte. Assim os vivos santificam os finados.
[escrito a 1 de novembro de 2005, brevemente atualizado em 2012, revisto, ilustrado e cantado agora]