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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Maio 10, 2023

Escrever a guerra assim

Miguel Marujo

AP Photo Evgeniy Maloletka.jpg
AP Photo/Evgeniy Maloletka

 

A guerra escreve-se de muitas maneiras. O jornalismo na sua arte maior pinta-se de imagens e palavras que nos transportam numa fração de segundos e numa frase única para aquele instante. É ver as 11 reportagens que valeram o prémio Pulitzer em Serviço Público a quatro jornalistas da Associated Press, e percorrer cada uma delas, nos seus textos, fotografias e vídeos, realizadas durante o cerco de Mariupol, cidade ucraniana, medievalmente atacada pelo exército russo de Putin.

De muitas fotos, tropecei nesta, da reportagem com o título 'Why? Why? Why?' Ukraine's Mariupol descends into despair, na qual dois jovens pais choram a morte do filho de 18 meses, num bombardeamento a um hospital (quem pode ainda justificar a invasão de um país e uma guerra, sempre imoral e violenta?). Ao longo destas reportagens, descobrimos muitas outras imagens, de uma guerra óbvia, brutais, violentas, dolorosas (como se pode ainda justificar a invasão de um país e uma guerra, sempre imoral e violenta?): há estilhaços, escombros, mortos, cobertores e sangue, há tanques e armas e ferimentos. E há sempre gente.

Esta reportagem até começa com uma descrição chocante (à falta de melhor palavra): "The bodies of the children all lie here, dumped into this narrow trench hastily dug into the frozen earth of Mariupol to the constant drumbeat of shelling." Mas esta fotografia, em concreto, desvela em todo o seu pudor (a porta entreaberta, o abraço de mãos dadas) a violência da guerra. A legenda aparenta uma fria factualidade, e no entanto sobressalta-nos tanto: "Marina Yatsko and her boyfriend Fedor comfort each other after her 18-month-old son Kirill was killed by shelling in a hospital in Mariupol, Ukraine, Friday, March 4, 2022. (AP Photo/Evgeniy Maloletka)"

Não sabemos mais sobre Marina e Fedor, mas nesta quase pietá moderna, há uma marca indelével: Kirill foi vítima de uma guerra injusta e injustificada. Como todas as guerras. Sabemos que a guerra escreve-se de muitas maneiras: aqui, em forma de espanto e pudor, pela câmara de Evgeniy Maloletka.

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