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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Setembro 17, 2018

Eles dizem que são a melhor banda de rock’n’roll do norte de Dublin

Miguel Marujo

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Eles chegaram esta noite. Como gostaram sempre de fazer: de guitarra, baixo, bateria e voz. E uma energia desmedida, com truques de algibeira, um jogo cénico que joga com o espaço de uma forma deslumbrante — seja revisitando McPhisto, a personagem diabólica que encarna os fascismos e populismos da Europa, seja o desfiar das memórias de infância, no número 10 de Cedarwood Road, em Dublin, onde agora regressam num dia de chuva. 

Eles chegaram esta noite a um pavilhão sedento de canções (vivemos de novo o tempo das canções, avisou Bono), pedindo desculpa por terem demorado quase oito anos a voltar e agradecendo a paciência dos portugueses que esperaram por eles e retribuíram cantando em coro muitas das canções que já não ouvíamos há muito — e as que acabámos de conhecer nos últimos anos.

Eles, os U2, que é deles que falamos esta noite, convidaram-nos para a sua casa, percorrendo a sala em diferentes pontos, contando histórias de como experimentaram, ousaram, sonharam, namoraram e construíram, desfraldando bandeiras, a da Europa e a de cada um dos 28 países da União Europeia, cantando o Hino da Alegria, abençoando Portugal, Lisboa, Eusébio, Cristiano Ronaldo e António Guterres, denunciando fascistas, racistas, mentirosos, ditadores, dizendo que o que nos une é a Europa, este mesmo céu azul e de estrelas amarelas e que a droga que hoje queremos é o Espírito Santo. Sim, o Espírito Santo (já sabíamos que os rapazes têm fé).

Os U2 mostraram-nos o álbum de família, os vídeos de Iris, a mãe de Paul, o rapaz que hoje se chama Bono, que também fez de conta que telefonou a Ali, para lhe cantar o seu amor, You're the Best Thing About Me. E Summer of Love, que parece ser uma história de amor e afinal mete-nos nos barcos de refugiados que todos os dias atravessam o Mediterrâneo, esse mar plano, vindos da costa ocidental que é a Síria. Também houve Sunday Bloody Sunday, uma canção que nos recorda os troubles de uma Irlanda dividida em duas partes e as paredes de ódio e de quem quer paz. 

Os U2 mostraram-nos que o aparato cénico deve contar-nos as histórias e cantar-nos os sonhos que eles têm, de erradicar a pobreza, de esmagar os ditadores, metendo-nos a guerra dentro, como se estivéssemos em casa a ver um telejornal com imagens de Berlim em 1945 e da Síria nestes últimos anos, de Lisboa em 1926 ou Manchester ou Copenhaga ou Dublin na II Guerra Mundial, e os fascistas e extremistas que têm nome na Suécia de Democratas Suecos e muitos nomes na Itália ou na Polónia ou na Hungria.

Os U2 pegam em canções que porventura já não gostamos tanto (ah, antes é que era, dizem sempre alguns) e ensinam-nos que elas sabem-nos a hinos como os hinos de sempre: The Blackout como I Will Follow, Cedarwood Road como Until The End of World13 como One.

Os U2 sabem que podem ajudar um bocadinho a fazer a diferença. E não se cansam de o lembrar a quem os vê e ouve. E também o dizem com humor e auto-ironia. “Somos a melhor banda de rock’n’roll do norte de Dublin”, diz Bono. Não são nada. São mesmo a melhor banda de rock’n’roll do mundo. 

(foto da Cláudia, esta noite na Altice Arena)