Fevereiro 17, 2004
Ulcermin, ou a direita de 1986
Miguel Marujo
Freitas do Amaral deixou ontem escapar na SIC Notícias que a direita portuguesa está a ser pouco inteligente em relação à sua pessoa. E explicou: ele é de direita, recolhe simpatias ao centro e à esquerda, tem tido posições moderadas e de consenso. Perante isto, esperava Freitas, a direita portuguesa deveria olhar para ele e dizer: «Epá (a direita não diz epá, mas desta vez passa), o gajo até, se calar, consegue ganhar esta gaita das presidenciais, arruma-se ai o Santana e o Cavaco, que voltou ao tabu, que se lixe».
Esta é a ideia de Freitas. Uma ideia de quem evoluiu demais para a direita que existe hoje em Portugal. Dois exemplos para esta frase: quem despenalizou o aborto em França foi a direita, quem ainda ontem à noite falava que os esquerditas tinham dado cabo da economia a 11 de Março de '75 foi Paulo Portas, o jovem.
Freitas está assim condenado ao limbo. Ele lá tinha razão no nome do partido, Centro Democrático Social. Ele até defendia a ideia de Deus e da democracia cristã, adepto do Vaticano Segundo, da Rerum Novarum.
Mas estes senhores que pegaram agora na «direita» portuguesa estão ali porque a geração de Freitas fugiu a sete pés. E a geração de Freitas à esquerda ainda mexe.
O que o ex-candidato presidencial não percebe é porque não pode agora o CDS/PP tomar um Ulcermin, uns sais de fruto, como o PCP tomou, e engolir um candidato consensual. Freitas não é um pacóvio, é um consensualista, até pode ter participado no arrepio do «integralismo lusitano». Mas os seus escritos e a sua participação pública não chocam os mais atentos. Não se enreda. Evoluiu. Fez o que queria: Prá frente Freitas, já que Portugal não o quis em 1986.
Será que Santana ou Cavaco são melhores Presidentes que Freitas?
E, ao cingirmo-nos a esta questão, a resposta parece dramática. Não que Cavaco fosse um péssimo presidente. Mas falta-lhe um lado magnânime, um lado de charme político, uma certa credibilidade internacional e, julgo, uma inversão do radicalismo com que deixou a vida política - se bem se lembram a comer bolo-rei de boca aberta.
Mas a direita não vai sequer avaliar a hipótese do «Judas» do Amaral. A direita, uma vez conservadora, outra vez liberal, tornou-se hoje, um pouco por todo o lado, um nicho onde neo-liberalistas, neo-capitalistas e neo-empresários que vêem na liberalização dos despedimentos a saida para a crise se sentaram com o poder.
A democracia-cristã só enche a boca aos que, no poder, tentam a todo o custo safar-se dos rótulos impropéricos que o centro e o centro-esquerda lhes tenta colar. Quase que apetece dizer que, 30 anos depois, enquanto a nossa esquerda acaba a adolescência, do outro lado começa o «complexo de direita».
Freitas não se encaixa em lado nenhum. À esquerda, BE e PCP não o podem apoiar (antes o Boaventura Sousa Santos ou mesmo a Lurdes Pintasilgo). Mas pode existir um pauzinho na engrenagem: Mário Soares.
Será que o «bochechas», vendo o drama Guterres-Constâncio, não irá obrigar o seu PS a tomar sais de fruto e apoiar Freitas? Será que a ironia final da vida de Soares e do PS de Soares vai ser derrotar a direita com a bomba atómica direitista de 1986?
Afinal, quantos anos se passaram?
Esta é a ideia de Freitas. Uma ideia de quem evoluiu demais para a direita que existe hoje em Portugal. Dois exemplos para esta frase: quem despenalizou o aborto em França foi a direita, quem ainda ontem à noite falava que os esquerditas tinham dado cabo da economia a 11 de Março de '75 foi Paulo Portas, o jovem.
Freitas está assim condenado ao limbo. Ele lá tinha razão no nome do partido, Centro Democrático Social. Ele até defendia a ideia de Deus e da democracia cristã, adepto do Vaticano Segundo, da Rerum Novarum.
Mas estes senhores que pegaram agora na «direita» portuguesa estão ali porque a geração de Freitas fugiu a sete pés. E a geração de Freitas à esquerda ainda mexe.
O que o ex-candidato presidencial não percebe é porque não pode agora o CDS/PP tomar um Ulcermin, uns sais de fruto, como o PCP tomou, e engolir um candidato consensual. Freitas não é um pacóvio, é um consensualista, até pode ter participado no arrepio do «integralismo lusitano». Mas os seus escritos e a sua participação pública não chocam os mais atentos. Não se enreda. Evoluiu. Fez o que queria: Prá frente Freitas, já que Portugal não o quis em 1986.
Será que Santana ou Cavaco são melhores Presidentes que Freitas?
E, ao cingirmo-nos a esta questão, a resposta parece dramática. Não que Cavaco fosse um péssimo presidente. Mas falta-lhe um lado magnânime, um lado de charme político, uma certa credibilidade internacional e, julgo, uma inversão do radicalismo com que deixou a vida política - se bem se lembram a comer bolo-rei de boca aberta.
Mas a direita não vai sequer avaliar a hipótese do «Judas» do Amaral. A direita, uma vez conservadora, outra vez liberal, tornou-se hoje, um pouco por todo o lado, um nicho onde neo-liberalistas, neo-capitalistas e neo-empresários que vêem na liberalização dos despedimentos a saida para a crise se sentaram com o poder.
A democracia-cristã só enche a boca aos que, no poder, tentam a todo o custo safar-se dos rótulos impropéricos que o centro e o centro-esquerda lhes tenta colar. Quase que apetece dizer que, 30 anos depois, enquanto a nossa esquerda acaba a adolescência, do outro lado começa o «complexo de direita».
Freitas não se encaixa em lado nenhum. À esquerda, BE e PCP não o podem apoiar (antes o Boaventura Sousa Santos ou mesmo a Lurdes Pintasilgo). Mas pode existir um pauzinho na engrenagem: Mário Soares.
Será que o «bochechas», vendo o drama Guterres-Constâncio, não irá obrigar o seu PS a tomar sais de fruto e apoiar Freitas? Será que a ironia final da vida de Soares e do PS de Soares vai ser derrotar a direita com a bomba atómica direitista de 1986?
Afinal, quantos anos se passaram?