Maio 18, 2004
Benvindo
Miguel Marujo
Não é personagem de que se goste este senhor. Anda por aí, a levantar-se ainda noite, arrasta-se nas filas madrugadoras para o autocarro, empurra-se para dentro do comboio e "enlata-se" no primeiro metro que passa apesar do seguinte vir, eventualmente, mais vazio. Chega ao trabalho, pega no capacete que incomoda e trepa até ao outdoor para o arranjar. Olha para o cartaz, com o seu nome: «Benvindo». Agradece comovido o acolhimento que lhe faz a autarquia. À noite, no fim da jornada de 11 horas, que os tempos e os patrões não estão para meiguices, espreita os noticiários que falam do seu país estranho. E ouve o presidente da mesma autarquia que o homenageou a falar dele, como o culpado: «Afirmando que existem "muitos brasileiros, africanos e ucranianos" a trabalhar em Portugal que não dominam bem a língua portuguesa, Santana Lopes assegurou, em jeito de brincadeira, que o responsável pelo erro "apanhará um açoite".» Benvindo, nascido na Amadora, 27 anos, de origem angolana, dorme inquieto. «Que fiz eu naquele cartaz?»