Agosto 26, 2003
Regresso ao Iraque
Miguel Marujo
Para que não pareça que o Miguel levou a Cibertúlia de férias, cá vai uma posta para dar início às hostilidades da semana.
Devo confessar publicamente o meu espanto pela quantidade de elogios que fui ouvindo e lendo, a propósito da minha posta sobre a morte de Sérgio Vieira de Mello e o atentado que esteve na sua origem (se eu soubesse fazer links, fazia agora um que levasse os mais interessados directamente a esse texto... como não sei, os interessados terão de fazer scroll down...).
Confesso também que tais elogios me deixam muito feliz, mas a verdade é que não tenho a certeza absoluta de que a posta seja deles merecedora... não me parece uma posta assim tão boa. Afastada a hipótese da modéstia (que é coisa que, infelizmente, nunca tive), sobra-me continuar a tentar ser merecedor de tão prezados elogios.
E, por isso, regresso hoje ao Iraque.
Como a Baghdad regressou Carlos Fino, vou, desta vez, até Najaf, capital do islamismo shiita iraquiano.
E vou até Najaf para vos contar e lançar uns bitaites sobre a disputa violenta que se vive actualmente entre os clérigos shiitas. Esta disputa tem no seu centro o futuro do Iraque e, de cada um do seus lados, os ayatollahs mais velhos e estabelecidos (que defendem que há que ter paciência em relação à ocupação norte-americana) e os ayatollahs mais novos e mais militantes (que defendem a fundação imediata de um Estado Islâmico).
Os mais militantes são supeitos de terem levado a cabo uma série de ataques, que têm por objectivo eliminar (ou pelo menos abalar) o clero mais instalado. O mais recente destes atentados teve lugar no passado fim-de-semana (uma bomba explodiu junto à residência de um ayatollah conservador, matando três pessoas), mas o banho de sangue começou em Abril, com o assassinato de um jovem e proeminente clérigo (Abdel Majid al-Khoei), no interior do santuário mais sagrado da cidade. Este é um assunto tão inflamável que a polícia e os tribunais apenas ontem confirmaram a detenção de 12 suspeitos.
Esta situação de perclitante e tenso equilíbrio está a transformar os becos e ruelas desta cidade sagrada num campo de batalha pela liderança da comunidade shiita do Iraque, que corresponde a cerca de 60% do total de 25 milhões de iraquianos.
Num dos cantos deste ringue improvisado, sentam-se os ayatollahs mais velhos, concentrados em torno do Grande Ayatollah Ali al-Sistani, que apostam que se trata apenas de uma questão de tempo até que os Estados Unidos deixem como herança um estado democrático que, mais tarde, os shiitas poderão dominar pelo seu número.
Os seus adversários são opositores activos da ocupação liderada pelos norte-americanos. O seu líder, Moktada al-Sadr, defende que os shiitas devem lutar (literalmente) pela implementação de um Estado Islâmico à imagem e semelhança do reime clerical do Irão.
Não se pense, no entanto, que esta disputa se pode resumir a um qualquer generation gap. Na verdade, ela corresponde a duas linhas históricas distintas do pensamento shiita: há os que crêem que se deve recorrer à jihad em tempos de opressão e os que dizem que se deve esperar calmamente o regresso do Mahdi.
Apesar de não defenderem uma guerra santa no imediato, os jovens clérigos insinuam essa possibilidade. Ninguém aponta o dedo directamente a al-Sadr, que é descendente de uma longa linhagem de ilustres clérigos, mas a polícia, os tribunais e os ocupantes americanos atribuem ao seu grupo a origem da violência.
Na sombra desta disputa pela liderança dos shiitas encontra-se o Irão. Oficialmente, o regime iraniano diz querer um Iraque estável e democrático, acreditando que este processo levará ao domínio shiita. Mas há quem ache que ao Irão interessa manter os Estados Unidos ocupados com um Iraque instável, evitando, dessa forma, que os polícias do mundo olhem com mais atenção para a vizinha República Islâmica. Os defensores desta tese acham que, por isso, o Irão apoia al-Sadr ou mesmo o Ansar al-Islam, de quem também já vos falei.
Já aqui levantei a hipótese de o resultado final da intervenção dos EUA no Iraque ser a criação de um terreno propício ao terrorismo islâmico (não era ele o inimigo que o mundo ficou a conhecer no dia 11 de Setembro de 2001?!). Hoje levanto uma nova hipótese: a criação de uma República Islâmica.
Era bom de ver que os EUA iam ganhar a guerra.
Infelizmente também parecem confirmar-se as previsões de que os EUA não seriam capazes de ganhar a paz...
O mundo está cada vez mais perigoso e Bin Laden não parece ser o único culpado.
Devo confessar publicamente o meu espanto pela quantidade de elogios que fui ouvindo e lendo, a propósito da minha posta sobre a morte de Sérgio Vieira de Mello e o atentado que esteve na sua origem (se eu soubesse fazer links, fazia agora um que levasse os mais interessados directamente a esse texto... como não sei, os interessados terão de fazer scroll down...).
Confesso também que tais elogios me deixam muito feliz, mas a verdade é que não tenho a certeza absoluta de que a posta seja deles merecedora... não me parece uma posta assim tão boa. Afastada a hipótese da modéstia (que é coisa que, infelizmente, nunca tive), sobra-me continuar a tentar ser merecedor de tão prezados elogios.
E, por isso, regresso hoje ao Iraque.
Como a Baghdad regressou Carlos Fino, vou, desta vez, até Najaf, capital do islamismo shiita iraquiano.
E vou até Najaf para vos contar e lançar uns bitaites sobre a disputa violenta que se vive actualmente entre os clérigos shiitas. Esta disputa tem no seu centro o futuro do Iraque e, de cada um do seus lados, os ayatollahs mais velhos e estabelecidos (que defendem que há que ter paciência em relação à ocupação norte-americana) e os ayatollahs mais novos e mais militantes (que defendem a fundação imediata de um Estado Islâmico).
Os mais militantes são supeitos de terem levado a cabo uma série de ataques, que têm por objectivo eliminar (ou pelo menos abalar) o clero mais instalado. O mais recente destes atentados teve lugar no passado fim-de-semana (uma bomba explodiu junto à residência de um ayatollah conservador, matando três pessoas), mas o banho de sangue começou em Abril, com o assassinato de um jovem e proeminente clérigo (Abdel Majid al-Khoei), no interior do santuário mais sagrado da cidade. Este é um assunto tão inflamável que a polícia e os tribunais apenas ontem confirmaram a detenção de 12 suspeitos.
Esta situação de perclitante e tenso equilíbrio está a transformar os becos e ruelas desta cidade sagrada num campo de batalha pela liderança da comunidade shiita do Iraque, que corresponde a cerca de 60% do total de 25 milhões de iraquianos.
Num dos cantos deste ringue improvisado, sentam-se os ayatollahs mais velhos, concentrados em torno do Grande Ayatollah Ali al-Sistani, que apostam que se trata apenas de uma questão de tempo até que os Estados Unidos deixem como herança um estado democrático que, mais tarde, os shiitas poderão dominar pelo seu número.
Os seus adversários são opositores activos da ocupação liderada pelos norte-americanos. O seu líder, Moktada al-Sadr, defende que os shiitas devem lutar (literalmente) pela implementação de um Estado Islâmico à imagem e semelhança do reime clerical do Irão.
Não se pense, no entanto, que esta disputa se pode resumir a um qualquer generation gap. Na verdade, ela corresponde a duas linhas históricas distintas do pensamento shiita: há os que crêem que se deve recorrer à jihad em tempos de opressão e os que dizem que se deve esperar calmamente o regresso do Mahdi.
Apesar de não defenderem uma guerra santa no imediato, os jovens clérigos insinuam essa possibilidade. Ninguém aponta o dedo directamente a al-Sadr, que é descendente de uma longa linhagem de ilustres clérigos, mas a polícia, os tribunais e os ocupantes americanos atribuem ao seu grupo a origem da violência.
Na sombra desta disputa pela liderança dos shiitas encontra-se o Irão. Oficialmente, o regime iraniano diz querer um Iraque estável e democrático, acreditando que este processo levará ao domínio shiita. Mas há quem ache que ao Irão interessa manter os Estados Unidos ocupados com um Iraque instável, evitando, dessa forma, que os polícias do mundo olhem com mais atenção para a vizinha República Islâmica. Os defensores desta tese acham que, por isso, o Irão apoia al-Sadr ou mesmo o Ansar al-Islam, de quem também já vos falei.
Já aqui levantei a hipótese de o resultado final da intervenção dos EUA no Iraque ser a criação de um terreno propício ao terrorismo islâmico (não era ele o inimigo que o mundo ficou a conhecer no dia 11 de Setembro de 2001?!). Hoje levanto uma nova hipótese: a criação de uma República Islâmica.
Era bom de ver que os EUA iam ganhar a guerra.
Infelizmente também parecem confirmar-se as previsões de que os EUA não seriam capazes de ganhar a paz...
O mundo está cada vez mais perigoso e Bin Laden não parece ser o único culpado.