Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Março 15, 2022

a gosto [in memoriam Jorge Silva Melo]

Miguel Marujo

jsm.jpg

algures num verão de Lisboa, apaixonei-me por estas histórias de agosto, na Arrábida, filmadas por Jorge Silva Melo, a quem cheguei por causa do Olímpio, sempre ele, nestas coisas — o teatro, os filmes, os livros, os textos nos jornais... na morte abrupta do Olímpio, Jorge Silva Melo escreveu um belíssimo texto sobre este nosso grande amigo, e (como bem recordou, na noite de ontem, a Mariana Pinto Dos Santos) terminava dizendo "não seremos jamais órfãos, sempre seremos herdeiros"... sorte a nossa, esta de sermos herdeiros de Jorge Silva Melo.

 

 

 

 

Março 06, 2022

Não há mais sublime sedução

Miguel Marujo

 

MaNuitChezMaud.jpg

 
Não há mais sublime sedução do que saber esperar alguém.
Compor o corpo, os objectos em sua função, sejam eles
A boca, os olhos, ou os lábios. Treinar-se a respirar
Florescentemente. Sorrir pelo ângulo da malícia.
Aspergir de solução libidinal os corredores e a porta.
Velar as janelas com um suspiro próprio. Conceder
Às cortinas o dom de sombrear. Pegar então num
Objecto contundente e amaciá-lo com a cor. Rasgar
Num livro uma página estrategicamente aberta.
Entregar-se a espaços vacilantes. Ficar na dureza
Firme. Conter. Arrancar ao meu sexo de ler a palavra
Que te quer. Soprá-la para dentro de ti
até que a dor alegre recomece.
 
Maria Gabriela Llansol (24 de novembro de 1931 - 3 de março de 2008), O começo de um livro é precioso
(imagem do filme Ma Nuit chez Maud, de Éric Rohmer)

Março 04, 2022

Da profunda falta de empatia

Miguel Marujo

Yelena.jpg

 

O que mais me espanta e choca na posição de muitos (amigos ou conhecidos, sem nomear a afiliação) é a profunda falta de empatia. Nos primeiros dias, justificaram tudo, desde 2014 ou o que fosse, depois, perante a óbvia invasão (e não "intervenção militar"), começaram a criticar erros e falhas de jornalistas no terreno, acrescentaram queixas sobre a censura de canais ditos de informação, e agora criticam votos parlamentares a favor da NATO, ignorando o motivo principal, ou apontam para a frente, mas alinhando (sim, alinhando) compreensão por uma ocupação de facto e argumentos para a manter.

Dizia, falta-lhes empatia. Falta olharem para esta mulher, Yelena, e terem empatia. Não, preferem gozar com o facto de ser apresentada como "sobrevivente de Leninegrado", preferem antes duvidar da idade (quando salta à vista que é bem mais velha que, ó inclemência, um erro!, os 76/77 anos que lhe deram), do que terem empatia por alguém que viu demasiado ao longo da vida e pede o fim da guerra provocada pelo seu país.

Preferem gozar, questionar, ou chacotear, com tudo, menos ter empatia... Escrevem muito, contra coisas que as democracias europeias fazem, protestam muito, com decisões tomadas pelas democracias europeias, mas nunca, nunca, com empatia com a velha que protestou e foi presa, ou com os bebés metidos em caves de hospitais, ou com as mulheres e homens que fogem para o estrangeiro, ou que ficam, escondidos ou a lutar. A falta dessa empatia é quase racista: afinal, aquilo é tudo uma cambada de nazis, que merece ser apagada da face da Terra. Só que não. Nestes tempos, podemos pensar a cores mas há que decidir a preto e branco (como bem apontou Pacheco Pereira). A liberdade está ameaçada por Putin e sequazes, não pelas democracias europeias. Por isso, a minha empatia é para quem foi invadido, e protesta e luta contra a invasão.