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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Outubro 31, 2021

Obsidian, o país a que nunca fui mas por onde viajo muito

Miguel Marujo

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No solstício do verão de 2016, no dia mais longo do ano, fui literalmente guiado pela Islândia: um carro equipado com uma câmara deu a volta à ilha pela route one, uma estrada da circunvalação pelo país todo. A viagem de 1332 km foi transmitida em direto durante 24 horas, numa emissão para a televisão islandesa e no youtube, com uma banda sonora criada a partir de um software que gerava música a partir do tema óveður dos Sigur Rós, reinventando indefinidamente sons para criar novas e imprevisíveis direções musicais em tempo real. 

Nunca fui à Islândia, e gostava muito (talvez um dia). Mas tenho viajado muito pelo país, seja por aquela emissão de slow TV daquele dia de solstício, seja por culpa de Björk, Múm ou Ólafur Arnalds, entre outros nomes que me levaram tantas vezes pelas paisagens quentes e gélidas da Islândia. 

Agora é Jónsi que nos convida para mais uma viagem. O também vocalista dos Sigur Rós trouxe-nos um disco novo, lançado de surpresa este sábado, dia 30, e — com a chuva e o vento lá fora — mergulhamos neste território frio, despido, cru e rugoso que a terra moldou no meio do Atlântico Norte. Em nome próprio, Jónsi não se afasta por completo do som dos discos do grupo que o revelou ao mundo, até porque o seu registo vocal o torna facilmente identificável, no entanto, há uma viagem sonora que nos agarra a outra terra, mais funda e ambiental, menos pop, por vezes quase industrial, mais feita de água e fogo.

O título do álbum, Obsidian, remete para o “vidro vulcânico natural formado quando a lava expelida de um vulcão arrefece rapidamente com um crescimento mínimo de cristais” — ou seja, trata-se de uma rocha ígnea, palavra de wikipedia. E é para essa atmosfera que nos leva o longo vídeo que Jónsi revelou neste mesmo sábado para acompanhar a audição do disco na íntegra, feito de formas etéreas, poeiras que dançam, partículas que se soltam, pedras que saltitam ou fragmentos que vão caindo, num espesso ecrã a preto e negro. 

Este é no entanto um disco incandescente, com uma voz que tanto nos sussurra como plana sobre o calor gélido de sons que se desprendem das rochas de lava, de géiseres feéricos, de lagos que fervem, de montes que se despenham no mar, de uma estrada monótona que volteia a ilha — onde nunca fui, mas por onde continuo a viajar, também neste Obsidian. Lá fora, o vento faz bailar a chuva.

Outubro 30, 2021

Mulheres, aborto, gays. Há um 'Tea Party' no CDS e Cristas não fala dele

Miguel Marujo

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Um artigo de opinião que defende que as mulheres gostam de ganhar menos que os homens e de casar bem lançou um aceso debate e deixou a pergunta: o que é a TEM, um grupo dentro do CDS que afrontou Assunção Cristas e que a direção do partido preferiu então ignorar publicamente? Pistas de um texto de 2019 para entender o debate fratricida no partido por estes dias.

 

Estão contra o aborto, a eutanásia, a adoção de crianças por casais homossexuais e recusam as quotas para as mulheres. Dizem-se democratas-cristãos mas "não confessionais", criticam um suposto "marxismo cultural" e acham que as mulheres estão a ser obrigadas a ter uma carreira, a sair de casa, a não ter filhos e agora "até querem" obrigá-las ir para a política.

São militantes do CDS e organizaram-se numa corrente de opinião interna, a Tendência Esperança em Movimento (TEM). Entre os críticos, também nos centristas, há quem os compare ao tea party americano — eles garantem que "não são preconceituosos" e deixam reparos à liderança de Assunção Cristas.

Para Abel Matos Santos, porta-voz da TEM e membro da Comissão Executiva da corrente, "vivemos num tempo em que as coisas nos são impostas, ditas e transpostas como sendo verdades absolutas e irrefutáveis".

Eles, garantem, estão cá para denunciar essas verdades que consideram absolutas e irrefutáveis. Foi um artigo controverso publicado no jornal Observador e assinado pela médica e membro da TEM/CDS, Joana Bento Rodrigues, sobre o papel da mulher, o feminismo e a lei da paridade, que espoletou uma discussão nas redes sociais e fez com que se questionasse que grupo é este dentro do CDS, que tem uma página ilustrada com a fachada da sede do partido em Lisboa e o logotipo do partido bem visível. O artigo já conta com mais de 22 mil partilhas e 320 comentários, só no site do jornal.

Entre as causas por que esta "corrente de opinião" centrista "se bate" e "acredita" — e pelas quais "entende ser seu dever envolver-se ativamente" — está a "ideologia de género". No site da TEM, o texto de Joana Bento Rodrigues está incluído nesta "causa".

No artigo, a mulher "dita feminista" é descrita assim: "A que integra as 'tribos', a que se deslumbra com as capas de revistas, a que se diz emancipada, a que não precisa de relações estáveis, a que não quer engravidar para não deformar o corpo nem perder oportunidades profissionais, a que frequentemente foge da elegância no vestir e no estar — optou por se objectificar, pretendendo ser apenas fonte de desejo em relações casuais, rejeitando todo o seu potencial feminino, matrimonial e maternal."

Para Joana Bento Rodrigues, "a mulher gosta de se sentir útil, de ser a retaguarda e de criar a estabilidade familiar, para que o marido possa ser profissionalmente bem sucedido. Esse sucesso é também o seu sucesso! Por norma, não se incomoda em ter menos rendimentos que o marido, até pelo contrário. Gosta, sim, que seja este a obtê-los, sendo para si um motivo de orgulho. Porquê? Porque lhe confere a sensação de protecção e de segurança. Demonstra-lhe que, apesar poder ter uma carreira mais condicionada, pelo facto de assumir o papel de esposa e mãe, a mulher conta com esse suporte e apoio do marido, para que nada falte. Por outro lado, aprecia a ideia de 'ter casado bem', como se fosse este também um ponto de honra."

Matos Santos está satisfeito com o debate gerado por estes dias que partiu das afirmações da sua companheira de partido: "Isto anda animado, parece que se criou a semana da mulher, sem quotas, só pelo mérito dos textos e das ações. Assim vale a pena!", exultou na sua página do Facebook. Ao DN, explica-se: "Quando coisificamos as mulheres, criamos quotas para as mulheres, criamos exceções para as mulheres, com a desculpa de que não são capazes, não têm acesso, não têm possibilidade, que são mais frágeis, mais fracas, nós estamos a diminuir a própria mulher."

Anos e anos de luta pelos direitos das mulheres têm uma interpretação bem distinta para o porta-voz da tendência do CDS. "Temos de criar condições para uma sociedade positiva e saudável onde as mulheres possam escolher livremente — e aqui é que é o ponto, a pedra-de-toque —, onde possam escolher livremente o estilo de vida que querem ter."

A realidade é, nas palavras de Abel Matos Santos, uma só: "As mulheres hoje são empurradas pelo politicamente correto para o carreirismo, para estarem fora de casa, para terem uma carreira profissional, senão não valem nada." E os homens, perguntou o DN. "Os homens não são empurrados para estas coisas, os homens sempre se sentiram, naturalmente, impelidos para isso." E insiste: "A questão aqui é que há mulheres que não querem ter carreirismo, que querem ser mães, que querem estar em casa, que querem trabalhar e cuidar dos filhos, há mulheres que querem cuidar da família e isso não pode ser menosprezado."

A Tendência ​​​​​​​Esperança em Movimento não põe em causa a opção de quem trabalha, como a presidente do CDS, Assunção Cristas. Também Joana Bento Rodrigues, recorda o porta-voz da TEM, "é uma mulher de sucesso, é mãe". E Matos Santos elabora mais: "Uma mulher que está em casa por opção própria não é uma prisão, não é uma imposição, há muitas mulheres que querem isso, que querem isso para si."

Puxa de uma comparação improvável, a dos "países mais evoluídos no norte da Europa", onde "as mulheres têm os filhos e ficam em casa dois anos e o Estado apoia-as nisso". Também apoia os homens, aponta o DN. "Não, não, é diferente, porque sabe que o papel da mulher junto dos filhos é diferente do do homem", contrapõe Abel Matos Santos.

Não é assim, na verdade: a Suécia, por exemplo, permite aos progenitores dividirem 480 dias de licença subsidiada para cuidar das crianças, obtendo um bónus de acordo como essa licença é dividida.

Para o porta-voz da TEM, o que importa é "discutir estas coisas", atacando depois o que diz ser o "feminismo exacerbado", como Joana Bento Rodrigues acusou o "marxismo cultural". "Temos de discutir sem preconceitos o papel da mulher na sociedade e valorizar as mulheres que optam por uma coisa que é diferente daquilo que o feminismo exacerbado defende que é a mulher que aborta, a mulher carreirista, a mulher que não tem de estar em casa, a mulher que se sobrepõe ao marido, como se o marido e a mulher não fossem iguais numa relação de amor, em constituir uma família, onde não há um melhor do que o outro, há uma complementaridade."

Tudo se resume à liberdade das mulheres, garante. "Tem de haver é liberdade e o grito que temos de dar é o da liberdade. As pessoas têm de ter a liberdade de poder escolher e as mulheres não podem ser menorizadas por quererem ficar em casa ou por quererem não ter uma carreira. Hoje em dia, a sociedade e os movimentos feministas e o marxismo cultural castigam as mulheres, diminuem as mulheres que optam por isto."

O que é a Tendência Esperança em Movimento? Direção do partido não fala

De acordo com a Declaração de Princípios da TEM, disponível no site, "a principal razão para a criação da Tendência Esperança em Movimento é a evidência — que já não é possível ignorar — de que é mesmo preciso defender os nossos valores e afirmar a nossa identidade. Com efeito, esses valores — não só os do nosso partido mas também os da própria democracia constitucional de tipo ocidental — estão a ser atacados." E acrescenta-se que estes valores estão a ser "assaltados pela agenda progressista de pendor relativista e niilista, pelo laicismo radical, pelo fundamentalismo islâmico e pela ilusão multicultural, pelo liberalismo sem limites, pela contínua erosão da soberania nacional, garantia primeira da liberdade do povo português, entre outros fatores".

Sublinhe-se o "mesmo" na frase em que, para estes militantes centristas, "é mesmo preciso" defender os valores do partido e da sociedade, como se a atual liderança do CDS falhasse. "Nós não somos preconceituosos", argumenta o porta-voz da TEM. "Põem-nos o estigma, ou que somos contra os homossexuais, ou que somos xenófobos, nós não somos nada disso, rejeitamos isso."

O alvo do texto de Joana Bento Rodrigues sobre a lei da paridade era também Assunção Cristas, que votou a favor das quotas na política e, para mal dos seus opositores internos, se anunciou uma "acérrima defensora das quotas", esperando que "no futuro não sejam necessárias quotas", mas registando o seu "desagrado profundo" à forma como "o processo foi conduzido".

O membro do Conselho Nacional centrista, Francisco Mendes da Silva, apontou o dedo à tendência no CDS que dispõe de "um cantinho que se podia chamar 'tiro à Cristas', pela forma como deixa claro quão detesta aquilo que Assunção é e representa", referindo-se ao espaço de opinião de vários militantes da TEM no jornal Observador, que tem "um peso inversamente proporcional ao que tem no partido". "Está aí tudo nesse tal artigo", aponta Mendes da Silva, que chegou a ser deputado no início desta legislatura.

 

Para Matos Santos, o texto não representa um ataque à líder do partido. "Tem direito à sua opinião", mas não deixa de fazer contas: só Assunção Cristas e uma outra deputada do CDS, Isabel Galriça Neto, votaram a favor da lei da paridade; e outros quatro deputados, incluindo o líder parlamentar, Nuno Magalhães, abstiveram-se. "O resto é tudo contra", sentencia o porta-voz da corrente. É a líder que está (quase) isolada nesta matéria, lê-se nas entrelinhas.

Esta lei da paridade é, no entendimento da TEM, "inconstitucional" e impraticável. "Não sei se amanhã, com a obrigação dos 40% [de pessoas de um dos sexos nas listas], não sei se elas [mulheres] estarão lá porque são capazes e competentes ou simplesmente por ser uma lei sexista", atira.

Matos Santos recupera um argumento de Filipe Lobo d'Ávila, de que as mulheres não serão suficientes para os partidos comporem as listas. O porta-voz da TEM deixa um "exemplo prático: há freguesias e concelhos no país onde não há mulheres suficientes para integrar as listas."

Abel Matos Santos rejeita qualquer menor representatividade da Tendência. "Nós valemos tanto no CDS hoje como o CDS vale no país", argumentou ao DN. O porta-voz da TEM compara o partido ao país para melhor argumentar — e deixar um recado a Assunção Cristas. "Quem nos acusa de falta de representatividade, então está a acusar o CDS de falta de representatividade no país. Nós valemos 10% no congresso e a alternativa à atual liderança vale 30% no congresso. Não é para ignorar, não é falta de representatividade, é o que é. Uma líder inteligente e que agrega tem de ter em conta estas diferentes sensibilidades e tem de tentar conciliar, ouvir, escutar. E isso é o que pedimos desde o princípio, e mesmo quando não nos querem escutar, nós falamos e dizemos. Alguma coisa há de ficar."

A direção do CDS não mostrou disponibilidade para falar neste momento ao DN sobre a Esperança em Movimento.

A estrutura da Tendência, que é composta por uma comissão executiva e outra consultiva, tem 11 pessoas — apenas uma mulher. E, dos dez membros da TEM representados nos órgãos do CDS, também só há uma mulher, curiosamente a mesma: Sara Sepúlveda da Fonseca, que nesta terça-feira integrou um grupo que entregou em Belém um manifesto assinado por 102 mulheres contra as alterações à lei da paridade nas listas eleitorais.

Na órbita desta corrente de opinião, há um nome que sobressai, o do antigo líder José Ribeiro e Castro, que não está em nenhum dos órgãos da TEM, mas já participou numa conferência da organização, juntamente com outros dois ex-presidentes, Adriano Moreira e Manuel Monteiro. A corrente defende o regresso deste antigo líder, que deixou há anos o CDS, então em rutura com Paulo Portas, e já o teve em dois encontros como um dos principais oradores.

Num desses encontros, o Congresso da TEM, participaram a líder centrista, Assunção Cristas, mas também o presidente da Juventude Popular, Francisco Rodrigues dos Santos, que também já tinha estado num ciclo de debates sobre as autárquicas.

"Isto é o debate normal", diz Abel Matos Santos, sobre as propostas que a Tendência tem apresentado. "Em determinada altura, se a divergência for muito grande, exige-se clarificação, e para isso é que há congressos, eleições nas distritais e concelhias, os militantes terão liberdade de escolher um caminho ou outro."

Para o porta-voz da TEM, o posicionamento desta corrente de opinião sobre a homossexualidade ou a família não belisca o que pensam sobre dirigentes do partido, como Adolfo Mesquita Nunes, que já assumiu ser homossexual, ou outros que são divorciados. "De modo nenhum", garante ao DN. "As pessoas são livres de fazer o que entenderem com a sua vida. Não tenho nada que ver com as opções sexuais, de vida, das pessoas. Era o que mais faltava. Nem a Tendência se mete nisso."

Desde que as políticas não se afastem de uma certa linha. "Outra coisa é o modelo de sociedade que nós defendemos. Eu não tenho nada contra que dois homens ou duas mulheres vivam juntas, se amem e façam a sua vida. Agora, tenho contra quando lhe chamam casamento, o casamento não é isso, chamem-lhe outra coisa, uma união civil registada. Se lhe chamassem outra coisa, não vinha mal ao mundo." E vem mal ao mundo chamar-se casamento? "Mas não é. O casamento, se googlar, nunca foi entre duas pessoas [do mesmo sexo], é entre um homem e uma mulher. Agora é que passou a ser de outra maneira."

De acordo com Matos Santos, neste caso, "o que interessa são as políticas, não são as pessoas". Alguém como Mesquita Nunes podia ser líder do partido, questiona-se o próprio, para logo responder em que condições. "Nada contra, desde que a visão do país, da sociedade, da política, da democracia cristã se coadune com aquilo que nós entendemos, nada contra."

A TEM não é confessional, assegura. Tudo se resume a "uma questão política, de termos os melhores ao serviço do país e da sociedade. Temos pessoas na Tendência que são divorciadas e que são homossexuais, para nós é irrelevante."

[artigo originalmente publicado no Diário de Notícias de 27 de fevereiro de 2019]

Outubro 28, 2021

Até a morte os separa. Como o Parlamento recusa unanimidades nos votos de pesar

Miguel Marujo

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Na hora da morte, as convicções políticas de cada partido acabam por decidir a forma como acompanham o voto de pesar de personalidades evocadas pelos deputados. Não há uma única bancada que não o faça. [E de como se demonstra que, afinal, fazer uma mera soma de votos de uns com outros é enganador.]


Carlos Justino Cordeiro, antigo deputado do PS e autarca em Alenquer, e Sidónio Manuel Vieira Fernandes, ex-presidente do Instituto de Emprego da Madeira, contaram ontem [11 de maio de 2019] com um voto de pesar aprovado por unanimidade dos deputados na Assembleia da República. No momento da morte, a unanimidade é por norma o resultado dos votos de pesar dos diferentes partidos. Mas nem sempre é assim.

À ideia feita de que no passamento de alguém se elogia sempre a sua personalidade, os partidos parlamentares respondem com votos contra e abstenções. Não é preciso pesquisar muito para trás: no dia 26 de abril, um voto de pesar apresentado pelo CDS pela morte do toureiro Ricardo Chibanga teve um voto contra do PAN e as abstenções do BE, dos Verdes e do deputado não inscrito Paulo Trigo Pereira.

Em março de 2018, quando do pesar ao coronel João Varela Gomes, opositor à ditadura e ao fascismo, o CDS votou contra, com quatro abstenções (Ana Rita Bessa, Assunção Cristas, Filipe Anacoreta Correia e Telmo Correia).

Também em maio do ano passado, o Parlamento aprovou um voto de pesar ao capitão de Abril Álvaro Henriques Fernandes, com a abstenção do PSD e do CDS, e outro do antigo deputado centrista Rosado Fernandes (fundador da CAP) que contou com a abstenção do PCP.

Outras votações sem consenso foram mais notadas. Os comunistas votaram contra o voto de pesar ao empresário Belmiro de Azevedo, em novembro de 2017, enquanto BE e PEV se abstiveram.

Um ano antes, também em novembro, era Fidel Castro a dividir o Parlamento. Para começar, havia dois textos para votar na morte do antigo presidente de Cuba. O texto do PCP passou com os votos do proponente, do PEV e do BE; PAN, PS e PSD abstiveram-se e o CDS votou contra (com deputados destas três últimas bancadas a votar de modo diferente). Já o do PS passou com os votos a favor de toda a esquerda, a abstenção do PSD e do PAN e votos contra do CDS.

Em 2013, na anterior legislatura, por exemplo, foi o major-general Jaime Neves, uma das figuras centrais do 25 de Novembro, quem dividiu a câmaraAs bancadas do PCP, do BE e do PEV votaram contra o pesar apresentado por PSD, PS e CDS. Sem se preocupar com a falta de consenso, um pequeno grupo de antigos comandos, que se reconheciam pelas suas boinas, lançaram o grito de guerra Mama Sume (que significa "prontos para o sacrifício").

Os critérios para evocação

Questionados os partidos sobre os critérios usados para as pessoas que evocam e o que pode levar à decisão de se abster ou votar contra, o [à época] líder parlamentar do CDS, Nuno Magalhães, explicou ao DN que "segue o critério da relevância política, académica, económica, social, desportiva da pessoa a evocar, bem como o impacto que o seu percurso teve em Portugal ou no mundo". E acrescenta a "tradição" de apresentar votos de pesar a pessoas que tenham exercido funções como deputados ou dirigentes do partido.

O PCP argumentou que "é muito comedido quanto à apresentação de votos de pesar", notando que "a banalização de iniciativas dessa natureza arrisca-se a desvalorizar a sua apresentação". E defendeu a homenagem de "personalidades cuja notoriedade seja reconhecida".

Na hora de votar contra

A bancada comunista é taxativa na hora de se manifestar contra: "O PCP só se abstém ou vota contra em situações em que considere que a vida e obra da personalidade em causa merecem um juízo de tal modo negativo que impeça o PCP de, em coerência, se associar à sua homenagem."

Os comunistas disseram que votam a favor na morte "de personalidades com quem manteve profundas divergências, mas já seria incoerente votar a favor de votos de pesar pelo falecimento de personalidades cuja intervenção o PCP considere de tal modo negativa que não mereça ser homenageada".

Já o CDS disse que "tem como critério de partida o voto favorável em todos". "Assim foi em 99% das vezes e independentemente das opiniões, percurso ou convicções da pessoa a evocar", explicou Nuno Magalhães. "Só em casos extremos, no nosso entender, é que o CDS não pode votar a favor", exemplificando "no presente milénio" com Yasser Arafat e Fidel de Castro.

Para o PEV "faz sentido" ter "liberdade de votar contra, uma vez que os considerandos que dão corpo ao voto muitas vezes são relevantes para a decisão" desse voto.

Já André Silva garantiu que o PAN não vota contra "por convicções políticas e ideológicas mas admite não votar favoravelmente se o voto de pesar enaltecer ações ou valores que promovam a violência ou tenham atentado contra liberdades e direitos fundamentais".

Os outros partidos (PSD, PS e BE) não responderam ao DN.

[artigo originalmente publicado no Diário de Notícias de 12 de maio de 2019; foto de Fidel Castro, o antigo presidente de Cuba, do Arquivo DN]

Outubro 28, 2021

As estranhas geringonças na hora de votar no Parlamento

Miguel Marujo

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À geringonça que foi garantindo os votos necessários para que o executivo socialista sobrevivesse a uma legislatura que muitos vaticinavam curta, com os votos de PS, BE, PCP e PEV, somaram-se todas as semanas outras geringonças de geometria variável, em que, por exemplo, comunistas se juntaram a PSD e a CDS para fazer passar ou travar uma proposta. Um artigo de abril de 2019.

Em breve [depois de abril de 2019], há uma matéria que pode gerar uma solução que pode passar com os votos de PS, CDS e PCP. Trata-se de uma proposta de alteração centrista ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, para que o salário dos juízes tenha como teto máximo o do Presidente da República, que foi acolhida pelos socialistas, que tinham proposto eliminar o teto máximo do salário do primeiro-ministro para o vencimento dos juízes. Os comunistas também acompanharão este sentido de voto. Mas falta ainda o trabalho de discussão na especialidade, até à proposta chegar a votos.

Estas geringonças estranhas, ou porventura inesperadas, acontecem de forma bem mais frequente do que se acha, apesar de só serem mais notadas com propostas e projetos mais relevantes. [Eis alguns exemplos.]

Os votos decisivos do PCP no chumbo da eutanásia

Foi uma das últimas questões fraturantes levadas ao Parlamento e os quatro projetos acabaram chumbados com os votos dos deputados comunistas. O PCP foi decisivo: os seus 15 deputados somaram-se aos 19 do CDS e mais de 80 do PSD (seis sociais-democratas votaram a favor, mas não em todos ao mesmo tempo, evitando também assim a sua aprovação). No futuro, para que uma proposta possa vingar (os bloquistas prometeram que voltariam ao tema na próxima legislatura), será necessária uma maioria de esquerda que consiga dispensar os votos do PCP, que disse que não mudaria de opinião. Para que o "sim" à despenalização da eutanásia vingue será preciso que os deputados de PS, BE, PEV e PAN, somados aos do PSD que estão a favor (Rui Rio é um deles), formem essa maioria.

O momento em que a geringonça podia ter caído

A geringonça teve um momento em que "esteve em risco" de não chegar ao fim desta legislatura, revelou em novembro passado a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, quando falava no encerramento da convenção do partido. Dizia Catarina Martins então: "Só houve um momento em que a legislatura esteve em risco." Para logo depois situar esse momento quando o governo socialista procurou "compensar os patrões" pela subida do salário mínimo nacional com a descida da taxa social única (TSU), no final de 2016. Depois de aprovada em concertação social, como a tal contrapartida à subida do salário mínimo, a descida da TSU para os patrões acabaria chumbada na Assembleia da República em janeiro de 2017, pelo voto conjunto de BE, PCP e PEV e... PSD. Esse chumbo obrigou o governo a ter de encontrar uma alternativa, que passou então pela redução do pagamento especial por conta.

Combustíveis: só à segunda a esquerda deu a mão ao PS

Em junho de 2018, o CDS levou a votos uma proposta para eliminação do adicional ao imposto sobre produtos petrolíferos (ISP), que mereceu a aprovação na generalidade, com os votos favoráveis de PSD, CDS e PAN, valendo a abstenção de PCP, BE e PEV. O PS ficou sozinho a votar contra a medida. Quinze dias depois, na especialidade, a proposta acabou chumbada por BE e PCP. Em causa estava um pormenor importante, para bloquistas e comunistas: a eventual inconstitucionalidade da medida, por ter impacto orçamental. A solução seria colocar no articulado que a lei só entraria em vigor a 1 de janeiro de 2019, mas o CDS não o fez.

A reforma florestal que ficou sem o banco de terras

O Parlamento aprovou em julho de 2017, com os votos da esquerda, três propostas do pacote para a reforma florestal. Pelo caminho ficou a criação de um banco de terras, chumbada por PSD, CDS e PCP.

Os muitos pequenos exemplos do dia-a-dia

É um exemplo entre muitos: ontem, nas votações regimentais, o PCP juntou-se ao PSD e ao CDS para viabilizar um projeto de resolução social-democrata que "recomenda medidas urgentes de valorização dos cemitérios dos nossos heróis". Estes projetos, que se limitam a recomendações para o governo, são exemplos que se multiplicam no dia-a-dia de geometrias - e geringonças - muito particulares na hora das votações.

[artigo originalmente publicado no Diário de Notícias de 27 de abril de 2019; foto © Reinaldo Rodrigues/Global Imagens]

Outubro 26, 2021

Scott já tinha ouvido Rodrigo sem saber que um dia lhe ia dar voz

Miguel Marujo

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Life Is Long é o álbum que Rodrigo Leão e Scott Matthew escreveram por e-mail. Australiano colabora com português desde 2011 e ouviu-o aos 17 anos nos Madredeus. Agora que Rodrigo regressa com novo disco, Estranha Beleza da Vida, onde se ouvem outras colaborações, recuperamos dois artigos de 2016, uma entrevista e a crónica de um concerto.


Era um rapaz nos seus 17 anos, vivia no meio do campo, num sítio onde era muito difícil ter acesso a música, mas chegou-lhe às mãos uma cassete na qual descobriu uma canção que o encantou. "Talvez durante um bom ano" ouviu O Pastor, assim se chamava essa canção dos Madredeus (do álbum Existir, de 1992).

"Fiquei completamente marcado por essa canção e devo tê-la ouvido, talvez durante um bom ano, a toda a hora, era uma das minhas experiências favoritas de sempre", recorda Scott Matthew, o jovem que muitos anos depois, em 2011, seria desafiado pelo músico e compositor Rodrigo Leão a emprestar a sua voz e palavras a uma canção. "Quando me convidou para fazer alguma coisa com ele, fiquei encantado...", confessa Scott, à conversa com o DN, com Rodrigo ao seu lado. "No início não fiz logo a associação", entre o compositor português e a canção que ouviu à exaustão na adolescência. "Mas cinco minutos no Google e, de repente, "oh, wow", é ele..." - e os dois riem-se.

Foi assim que se iniciou a viagem que agora se concretiza com Life Is Long, o disco a quatro mãos que é hoje lançado. A cumplicidade de Rodrigo e Scott salta à vista: sentados na esplanada da Casa Independente, ao Intendente, em Lisboa, os dois músicos explicam que o seu processo de criação é "natural".

Fizeram "tudo por e-mail". "Pode parecer estranho para as outras pessoas, mas para nós foi bastante natural. Quero dizer: nós os dois vivemos em diferentes partes do mundo", o australiano em Nova Iorque, o português em Lisboa, "mas não sentimos uma forte necessidade de comunicar sobre o que estávamos a fazer ou sobre o que estávamos a tentar alcançar. Foi mais uma resposta emocional a uma peça musical. Eu tive uma resposta emocional a isso, escrevia e enviava-lhe de volta. Não foi nada stressante, de todo", explica-se Matthew.

Rodrigo completa: "Nós não conversámos muito acerca de... Foi só comunicar através da música." Scott acrescenta que foi um processo "mais intuitivo" e o português acrescenta. "Quando começámos a falar em fazer um álbum completo, em conjunto, pensei que talvez devêssemos falar sobre o que iríamos fazer, mas depois acabámos por não o fazer..." - e riem-se de novo. "Continuámos a fazer da mesma maneira que tínhamos começado a fazer."

O processo foi "longo": o álbum foi gravado em junho de 2014 e misturado em janeiro deste ano. "Penso que, por causa disso, foi um processo agradável porque não tínhamos a pressão do tempo, não tínhamos uma data-limite autoimposta ou imposta pela editora. Tivemos muito tempo para escrever as canções. Foi agradável", descreve Scott.

Sem quase mexer no que registaram. "Não mudámos muito entre as gravações e as misturas", recorda Rodrigo. "Pensei, algures, que podíamos mudar mais do que aquilo que acabámos por mudar. Nós queríamos algo simples, nada de demasiado trabalhado, com muitos arranjos. Mas temos o apoio das cordas, três sopros, a bateria, os baixos, as guitarras..."

As letras apareceram sempre depois da primeira ideia da canção, conta o português. "Por vezes pensei, quando estava a tentar compor, na voz de Scott, claro... mas noutras canções só estava a tentar fazer alguns coros... Estava a tentar fazer algo para ser cantado", argumenta o compositor, que tem uma vasta obra instrumental. Neste disco, "só há dois pequenos instrumentais. É um álbum de canções com voz".

A voz masculina que acompanha Rodrigo é melancólica, como são as suas letras. O australiano prefere não falar em "tristeza". "Não gosto da palavra, porque me parece muito forte para aquilo que fazemos. Gosto de "melancolia" - e penso que há muita beleza na melancolia", responde. "A minha história de escrita de canções lida - há muito tempo já - com a melancolia, a perda e o abandono e tudo isso sobre amor e perda." Como a música de Rodrigo, que "tem essa atmosfera".

Scott sacode qualquer "depressão". "Nós ouvimos as canções, antes de iniciar estas entrevistas, e fiquei surpreendido com a quantidade de canções que têm uma mensagem positiva." Como a primeira canção, The Child, que lhe parece uma lullaby. "Eu inspiro-me naquilo que a música me diz, naquilo que deve ser, e em particular nessa soou-me exatamente como uma canção de embalar", diz.

Desligado o gravador, fechada a entrevista, com o calor de Lisboa a apertar, o australiano começa a cantarolar O Pastor...

 

É a vida. A melancolia em palco

Português e australiano apresentaram o seu Life Is Long no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, no âmbito do Misty Fest.

 

Scott Matthew chega-se ao microfone e diz aquilo que todos já ouviram: "Não sou conhecido por fazer canções muito felizes." Mas logo atalha que vai cantar uma canção de amor, algo "positivo", e ainda estamos quase no início deste domingo à noite, no Coliseu dos Recreios, onde o australiano e o português Rodrigo Leão - mais o quinteto que os acompanham - se apresentam com Life Is Long, o álbum que os dois lançaram no final de setembro.

Quando Scott fica sozinho em palco, já mais a meio, para interpretar duas canções, vai ao seu álbum de versões buscar Smile, de Charlie Chaplin, o palhaço triste que cantou "Smile, what's the use of crying?" - e o australiano fá-lo sem artíficios, a voz e a guitarra dedilhada. E logo depois, sozinho com a mesma guitarra, convida o público a acompanhar os coros de I Wanna Dance with Somebody, o hit de Whitney Houston, mais uma nota de humor que se solta. Como também quando reinterpreta o original com um "don't you want to dance with me boy... girl... someone... I don't care", e provoca risos ao público e ao próprio.

Quando se ouve Life Is Long, sabemos porque se explica Scott. Já ao DN, em entrevista, o australiano tinha recusado dizer que escrevia letras tristes, preferindo a palavra "melancolia". Mas é uma melancolia que transporta esperança, com espaço para resgatar, pelos arranjos vivos do violoncelista Carlos Tony Gomes, uma pitada mais do som que Rodrigo Leão há muito tece, entre a síntese da Sétima Legião e dos Madredeus, que fundou nos anos 1980, e o classicismo cinéfilo que pontua a sua carreira a solo. A banda que o acompanha traduz este caldeirão: há uma guitarra e baixo, um trompete e uma bateria, sintetizador e órgão, mas também o violoncelo e o violino.

O público sabe ao que vai: rendido à voz de Scott, familiarizado com os instrumentais que Rodrigo recupera de Cinema, aplaudindo os agradecimentos de um e outro para a família que está na plateia. Percebe-se melhor que é uma imensa família, um grande grupo de amigos. Life Is Long, a fechar antes do encore, que Scott apresenta como a canção de que mais gosta do álbum, é de facto a chave para esta saudade que se desprende de cada palavra e de cada tom.

No regresso ao palco, repete-se That's Life. "Grateful, no need for you explain/ no need for this to spell pain/this may not be a failure/this lose can be a gain." É a vida. E sabe bem ouvi-la interpretada assim neste palco.

[entrevista originalmente publicada no DN de 30 de setembro de 2016; e crónica do concerto publicada em 7 de novembro de 2016]

 

Outubro 18, 2021

Salazar e Aristides. Da repressão à liberdade em apenas 22 km

Miguel Marujo

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Esta terça-feira, 19 de outubro de 2021, o Estado português faz (um bocadinho mais de) justiça a Aristides de Sousa Mendes, conferindo-lhe honras de Panteão Nacional. Em agosto de 2019, há dois anos, andei por estradas da Beira por conta do debate que um "museu Salazar" lançara, quando 22 kms ao lado, a casa que foi do cônsul aguardava por obras. Então, no Vimieiro e em Cabanas de Viriato avançavam projetos para a construção de um "centro interpretativo" e de uma casa-museu para recuperar a memória de António Oliveira Salazar e de Aristides de Sousa Mendes. Mundos opostos que se cruzam, da repressão do ditador à liberdade escrita pela vida do cônsul.


"Eis o mus" e só se adivinham as outras duas letras, "eu", muito apagadas, com uma seta a apontar para a porta verde da casa branca, um piso térreo com a marca do tempo, uma janela partida, a caliça caída, que só a placa escura resgata do esquecimento - para curiosos e devotos. "Aqui nasceu em 28-4-1889 Dr. Oliveira Salazar um Senhor que governou e nada roubou" e a bandeira portuguesa inscrita. Há ideias feitas que perduram. Como a ideia de um museu, que não será museualimentando a polémica há semanas e cujo projeto será apresentado na próxima quarta-feira, 4 de setembro [de 2019].

"A polémica só acontece porque vivemos em democracia", atira em jeito de saudação Rui Oliveira, 66 anos, presidente da Junta de Freguesia de Óvoa e Vimieiro. "A controvérsia é saudável, se vivêssemos em ditadura seria diferente." Nesse tempo, no tempo de quem ali nasceu, naquele lugar de Vimieiro, concelho de Santa Comba Dão, "quem estivesse contra ia para o Tarrafal", recorda, referindo-se ao campo de concentração em Cabo Verde para opositores políticos à ditadura do Estado Novo.

A democracia tem esta virtude: as opiniões diferentes são acolhidas, ninguém é preso nem morre por as defender. Para Rui Oliveira, o futuro Centro Interpretativo do Estado Novo, que a Câmara Municipal de Santa Comba Dão quer instalar na antiga Escola-Cantina Salazar no Vimieiro, "devia ter à entrada uma foto de Salazar ou de uma das suas obras e ao lado a foto de Humberto Delgado a dizer que foi morto por Salazar". "O homem não era um santo", completa o autarca socialista sobre o antigo presidente do Conselho, enterrado no cemitério da aldeia, para defender que "um homem só não faz um regime, toda a máquina funcionava". Mas, garante Rui Oliveira, esse centro "nunca será um oratório de Salazar".

Nem lhe chamem museu. O presidente da câmara, Leonel Gouveia, ausente de Santa Comba Dão, não quer falar mais, com a funcionária da autarquia que atende o DN a remeter para o comunicado emitido a 24 de agosto sobre o assunto e a corrigir o jornalista quando se fala em "museu".

No comunicado, Leonel Gouveia, também socialista, sublinhou que "conscientes das notícias, muitas delas descontextualizadas, que recentemente davam como certa a criação, em Santa Comba Dão, de um museu dedicado a António de Oliveira Salazar, vem a Câmara Municipal de Santa Comba Dão, em nome da verdade, informar o seguinte: jamais esta autarquia teve intenção de promover a criação do denominado "Museu Salazar"".

Na avenida com nome de ditador, Rui Oliveira conduz o DN até à escola que será o futuro centro interpretativo, registando que os "saudosistas" que ali vêm "são minorias insignificantes". E recorda um evento recente em que estiveram "não mais de 40 pessoas saudosistas".

O cemitério como romaria

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Os saudosistas não precisam de mais um local de romaria, já têm o cemitério do Vimieiro.

 

Estes não precisam de mais um local de romaria: o cemitério, no alto da aldeia, junto ao Santuário de Santa Cruz, já é esse sítio. "Mantenha a porta fechada" - e indiferentes à caveira no cimo, vão entrando curiosos e devotos, cumprindo o pedido do aviso. Logo à esquerda, uns metros à frente, lá estão as lápides que veneram o ditador, mostrando o que quase estava escondido: a sepultura rasa, com as iniciais AOS e o ano 1970, num dos lados, era pouco. Por isso, os veneradores salpicaram a parede de palavras e flores - já secas ou de plástico. "O homem mais poderoso de Portugal do século XX e modesto sem igual. Nasceu humilde e humilde cresceu, viveu humilde e humilde morreu." As loas são as habituais, a azia de quem escreveu pela democracia instalada também: "Medíocre é o povo que com ele nada aprendeu."

São essas palavras que Manuel Abrantes, 26 anos, bebe para justificar a sua presença ali. "Podia ler palavra a palavra o que ali está, eu não diria melhor." É de Lisboa, está na região e veio de propósito com dois amigos para visitar a sepultura de Salazar. "Viemos rezar pela sua alma", completa Margarida Paccetti, 31 anos. Não é figura de estilo: os três inclinam a cabeça enquanto leem no telemóvel uma oração pelos fiéis defuntos. "Dai-lhe, Senhor, o eterno descanso." E rezam o pai-nosso, antes de completarem: "Acolhei com bondade o vosso servo António."

Adeptos de um museu para Salazar, os três jovens defendem o projeto. "Não percebo porque é que não foi feito antes", atira Manuel Abrantes, com a concordância de Margarida Paccetti e Manuel Tovar, de 22 anos. "Depende é de qual é o partido" a fazer o espaço, aponta Margarida. "É difícil que seja isento. O problema é esse."

A casa de Aristides que será museu

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A Casa do Passal, onde viveu Aristides e a família.

 

Agosto, o sol bate os 28 graus, não se vê quase ninguém nas ruas do Vimieiro, o Dão ali ao lado a rasgar uma fronteira com Santa Comba. Quem passa, passa de carro. Como em Cabanas de Viriato, 22 quilómetros a norte, já no concelho de Carregal do Sal. Ali também há projetos para um museu, na Casa do Passal, onde viveu Aristides de Sousa Mendes, um grande solar que acomodava a família do diplomata com 14 filhos e os empregados. A casa tinha capela e biblioteca - hoje, o seu interior é uma ruína, de paredes e soalhos escorados à espera da intervenção que permita a reabilitação para a instalação de um museu.

Nuno Seabra, 45 anos, presidente da Junta de Freguesia de Cabanas de Viriato, lamenta que ainda não haja porta aberta na Casa do Passal. "Está ainda na fase de projeto e candidaturas", depois da recuperação de fachada e telhado. "Nós sentimos muito, em Cabanas e no concelho, a não finalização das obras. Recebemos dezenas de pessoas por dia e chegam e não veem ainda a casa completamente requalificada."

Há uma corrente que mantém o portão fechado. Passa um carro com um casal, os dois observam de dentro da viatura e depois seguem. "Não têm mais para ver", aponta ao DN Pedro Matos, funcionário da junta.

Falta algo mais, lamenta-se Nuno Seabra, que faça as pessoas parar mais. Por isso, enquanto não há casa-museu, o autarca, independente eleito pelo PS, quer criar uma sala de visitas no edifício da junta, mesmo em frente ao palacete, "para poder receber essas pessoas". Como aquelas que chegaram num autocarro, com turistas franceses e ingleses. Isso e construir um memorial de homenagem, que está há anos numa gaveta da junta. É uma das metas que tem para 2020, quando passam 80 anos do "ato de consciência" do diplomata que fez frente a Salazar.

"Antes com Deus contra os homens"

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Interior da Casa do Passal (2019). "Era uma casa em que não faltava nada. Depois é que foi o diabo!" 

 

Com a II Guerra Mundial a alastrar pela Europa e as tropas nazis a entrarem por França dentro, a cidade de Bordéus encheu-se de refugiados, sobretudo judeus, desesperados por um visto para fugir ao terror do Holocausto. O cônsul português na cidade, Sousa Mendes, resolve ignorar a instrução que Salazar tinha dado, através da Circular n.º 14 para todos os diplomatas, determinando a proibição da concessão de vistos a refugiados judeus, exilados políticos e cidadãos do Leste Europeu.

Na manhã de 17 de junho de 1940, o cônsul decide passar vistos sem olhar a quem. "Antes com Deus contra os homens do que com os homens contra Deus", exclama, antes de iniciar uma maratona de três dias e três noites a assinar vistos, salvo-condutos para a liberdade. Salazar não gostou e aplicou-lhe um processo disciplinar, que resultou na suspensão da sua atividade por um ano e na aposentação forçada. Aristides também foi proibido de exercer advocacia. A sua condição económica degradou-se, conseguiu que alguns filhos partissem para os Estados Unidos e morreu pobre, em Lisboa, em 3 de abril de 1954. Só a democracia reabilitaria a título póstumo o cônsul. O que ainda não fez na totalidade para a sua casa, que também se foi degradando e acabou vendida em hasta pública. A casa foi aviário, serviu para um simulacro de bombeiros, foi ruína.

"Era uma casa em que não faltava nada. Depois é que foi o diabo!", descreve Olímpio Dias Tavares, de 90 anos e quatro meses, como faz questão de se apresentar ao DN, que convive de perto com filhos mais novos de Aristides, o João Paulo e o Luís Filipe, com quem anda na escola, no edifício que hoje é a junta.

As memórias desses tempos, dele e da vila, começou a registá-las num caderno A4 preto, onde se fala também de César de Sousa Mendes, o irmão gémeo de Aristides, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar e intercedeu junto do ditador pelo irmão sem sucesso. "Eu bem tenho dito cá na terra que também temos de recordar o irmão, César", explica Olímpio, numa torrente de histórias nunca atraiçoadas pela memória.

Lembra-se de nomes, recorda episódios, recupera datas, do casamento da D. Clotilde, uma das filhas de Aristides, "com pompa", em que a filarmónica foi convidada para um concerto, da carrinha Ford, grande, para levar a família toda e os empregados, uns 28/30 lugares, e lá vinha o cônsul "com rebuçados para todos os miúdos". "Tratavam muito bem toda esta gentinha", diz, genuinamente, de Aristides e Angelina, a prima com quem o diplomata se casou.

O bom samaritano de tantos judeus

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Não há quem reze no jazigo da família de Sousa Mendes, no cemitério de Cabanas.

 

O cônsul acolhe na sua casa refugiados judeus e os seus gestos motivam o epíteto de "justo entre as nações", título atribuído pelo Yad Vaschem, um centro israelita para lembrar as vítimas judaicas do Holocausto e aqueles que salvaram judeus. O católico que trouxe de Antuérpia em três peças, porque eram muito grandes e pesadas, um Cristo-Rei, que encima a colina onde está a Casa do Passal, e que no canto do jardim fronteiro do palacete tem um crucifixo enorme, foi o bom samaritano de tantos judeus - e a quem Salazar não perdoou o incumprimento de uma circular burocrática.

Nos 22 quilómetros que separam as duas localidades, sonha-se com a construção de dois museus. À entrada de Cabanas, atrás do balcão da Pastelaria Viriato, Filomena Carvalho nota que "vêm pessoas de todo o lado, até de camioneta". Com a casa-museu "ajudava a melhorar" , diz. Estão paradas as obras, está parada a tarde de negócio. Pelas 17.00, entra o distribuidor de bebidas, quase não há movimento nas ruas.

O presidente da Junta de Cabanas, Nuno Seabra, concorda que o museu "iria transformar a nossa freguesia e concelho num polo de atração turística". Podia ser este também um centro interpretativo do Estado Novo? Nuno Seabra prefere sublinhar o homem que foi Aristides. "O que mais me encanta é a simplicidade com que lidava com as pessoas", diz, sublinhando "o grande homem que foi". "Era realmente o sonho dele, salvar aquelas pessoas."

Não há quem reze no jazigo da família no cemitério de Cabanas de Viriato. Há uma fita e uma placa que assinalam a memória de Aristides, de homenagens antigas. No cemitério do Vimieiro, Salazar merece a visita quase contínua de pessoas que ali vão. Como aquele santa-combense que levou ali uns primos e pede para não ser identificado. "Passámos no cemitério de Santa Comba e eles achavam que era ali que estava o Salazar e trouxe-os aqui para verem." A curiosidade alimenta ainda mais a romaria do que a devoção.

"É um tema pacífico em Santa Comba"

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O autarca espreita para uma das casas de Salazar. Ali dificilmente alguém falará mal do ditador.

 

Na sede de concelho, num restaurante onde há um busto do ditador e uma foto antiga da estátua de Salazar que foi rebentada em 1978, uma pequena pagela assinala que se trata de "o melhor governante nos 900 anos de história de Portugal".

Rui Oliveira, o autarca do Vimieiro, diz que dificilmente se encontrará alguém que fale mal de Salazar por ali. "É um tema pacífico em Santa Comba Dão, por bairrismo, não por política. Defendem-no como conterrâneo", esclarece. "Pensar o Salazar é passado, é história", argumenta. "Queremos é pensar o presente e o futuro, isso é que é importante", atira a despedir-se.

O homem de 70 anos que passa junto à casa faz notar ao DN "a vergonha que aqui está". A sua indignação é outra e ouvem-se, em som de fundo, cães que ladram. Não é metáfora nenhuma: há ali, no quintal da correnteza de casas que eram de Salazar, um canil de uma associação de proteção de animais. "Meteram aqui um canil!", diz, repetindo que ele "deixou barras de ouro no banco". "Era um grande homem, só os ordenados eram baixos." A ladainha choca com a realidade: a uns 20 quilómetros, Aristides é mais uma prova do que foi o regime do Estado Novo. Repressivo, iníquo. Uma interpretação que terá de morar em Santa Comba Dão.

[reportagem originalmente publicada no Diário de Notícias de 31 de agosto de 2019, com fotos de Sara Matos/Global Imagens e ilustração de Vítor Higgs]

Outubro 15, 2021

O homem da fuga planeada em mortalhas

Miguel Marujo

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Preso em Caxias, António Tereso passou "para o outro lado", o que lhe valeu ser ostracizado pelos camaradas do PCP. Afinal preparava uma fuga. Há quase 60 anos, "no dia 4 de dezembro de 1961, pelas 9h35, sete reclusos que se encontravam no fosso interior do reduto norte do Forte de Caxias na hora do recreio, auxiliados por outro recluso da sala de trabalho do mesmo Forte (a sala dos rachados), levaram a cabo uma espectacular e audaciosa fuga". Recupero o texto do obituário de Tereso, para recordar esta história que, na América, já teria dado um filme, como me dizia Domingos Abrantes na altura da morte do seu camarada.

 

As mortalhas do tabaco foram a maneira encontrada por aqueles homens para discutirem e prepararem a sua fuga da prisão de Caxias, durante a ditadura do Estado Novo. Era a única comunicação com António Alexandre Tereso, o "rachado", nome dado no PCP aos que traíam camaradas. Durante 18, 19 meses foi "ostracizado pelos presos", quando afinal estava a encenar essa traição, para ganhar a confiança de guardas e da direção da prisão para observar possíveis hipóteses de fuga.

Este herói para os comunistas morreu aos 89 anos a 7 de janeiro [de 2017], no dia em que desapareceu Mário Soares, o que obliterou referências à morte do "fulano excecional, de dedicação e abnegação", como o classificou Domingos Abrantes, militante do PCP, seu companheiro na fuga.

Motorista da Carris, Tereso é o nome que se destaca na fuga dos oito detidos da prisão nos arredores de Lisboa, às 9.35 de 4 de dezembro de 1961. Militante do partido, tinha sido detido a 27 de fevereiro de 1959 pelo envolvimento na "grande luta" dos trabalhadores da Carris. José Magro, dirigente do PCP também preso em Caxias, "propôs esse rasgo de Tereso: passar para o outro lado", recordou Abrantes ao DN. "Passou a ser rachado", apesar da desconfiança de camaradas e carcereiros. "Não tinha o perfil de rachado, que é uma pessoa abatida e o Tereso tinha feito vasqueiro no julgamento."

Encenando uma discussão numa refeição na cadeia, o motorista bateu à porta, traindo os camaradas. "Ninguém lhe falava", só dois presos, José Magro e Afonso Gregório, sabiam. Todos "cortaram com ele". Os companheiros da Carris "deixaram de lhe pagar o salário", eles que se quotizavam para ajudar as famílias de camaradas presos. "Era um troféu de caça para a polícia ter um comunista que se tinha passado para o outro lado", explicou Domingos. "Nem a mulher dele sabia que era tudo encenação", disse.

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A sua função era ter a confiança dos carcereiros, com liberdade de movimentos. As hipóteses eram discutidas por mensagens escritas nas mortalhas do tabaco. "Ele tinha de esperar que todos adormecessem na sala dos rachados para escrever as mensagens. Toda a fuga foi discutida por mortalhas", contou Abrantes.

António Tereso descobriu um carro blindado, na chapa e no vidro, com pneus de câmara dupla. Havia dois automóveis: um Mercedes, cuja manutenção era feita por um pide que andava sempre com a chave, "e este Chrysler que tinha a chave na ignição". Foi uma ideia "de uma audácia tramada", exclamou Domingos. "Bater-lhe na cabeça que se podia fugir com o carro." Tereso precisou de "ganhar confiança para poder andar com o carro - convidou o diretor para uma volta, tornou-se normal circular de carro pela prisão", mas ali, ao recreio onde estavam os outros sete camaradas nunca tinha ido. "Éramos 11", recordou o também conselheiro de Estado, fugiram oito: "Foi feita uma avaliação dos quadros que mais interessavam ao partido." O carro não levava todos. "Aliás houve um erro que veio por bem", avaliou Domingos Abrantes. "Na nossa imaginação o carro tinha uma porta que não tinha. A distribuição dos lugares era em função de três bancos. Ainda bem que a gente se enganou. Com dois bancos se calhar não tínhamos ido tantos."

Na fuga de 5 segundos para entrar no carro, os homens foram às camadas, "como se fossem numa lata de sardinhas, seis no banco de trás e um à frente com o Tereso". O blindado que tinha sido de Salazar rebentou com o portão e protegeu-os dos disparos das espingardas dos guardas. Foram saindo dois a dois já em Lisboa e passaram à clandestinidade.

O motorista fugiu para a Checoslováquia e França, onde se fez torneiro mecânico. Regressou com o 25 de Abril. Domingos que só contactou com ele no dia da fuga, voltou a vê-lo apenas depois da revolução. E Tereso ensinou-o a conduzir. Reintegrado na Carris, depois reformado, Tereso ajudava sempre no partido. "Transportava camaradas, acabou por ser motorista aqui no partido. Ia a muitos sítios explicar a fuga, falava com jovens, era uma história atrativa. Agora, no fim, já estava muito debilitado. Não teve uma vida fácil."

 

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[Artigo originalmente publicado no DN de 22 de janeiro de 2017, com o título "António Tereso. Morreu o homem da fuga planeada em mortalhas". Foto do Chrysler Imperial, 1937 - que esteve ao serviço de Salazar - usado na fuga retirada do site do Museu do Aljube. Foto da ficha de preso encontrada na internet. Foto de António Tereso, com a imagem do carro atrás de si ©Global Imagens.]

Outubro 13, 2021

Paddy Moloney: "Music became everything."

Miguel Marujo

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Paddy Moloney, 1938-2021

"I grew up in a family of musicians in this little cottage that seemed like a palace at the time. We would sit around and tell stories and play music every night. Music became everything to me, even more important than eating."

 

(foto Gerry Mooney/Independent Ireland)

Outubro 09, 2021

Do empobrecimento e do silenciamento da múmia

Miguel Marujo

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Falemos de empobrecimento. Torna-se fastidioso apontar o dedo a um senhor que começou por dar cabo de todo o sistema ferroviário português e que privatizou a Rodoviária Nacional, sem cuidar de manter uma coesão territorial nacional, acelerando ainda mais todo o processo de desertificação e empobrecimento do interior do país, aumentando a macrocefalia do litoral do país. Um senhor que exulta no primeiro parágrafo do texto que hoje deu à estampa porque passou o último classificado de uma UE a 12, omitindo que a UE se faz hoje a 27 e não estamos em último. Um senhor que usa o rendimento per capita, para omitir o desastre que foi a aplicação de fundos sociais europeus (e que maná, senhores, ele desperdiçou, todos os dias), nos seus governos, destruindo o tecido produtivo na agricultura e nas pescas, para mais tarde o país ter de correr atrás do prejuízo. O senhor que mente (ao omitir) a enorme crise de 2008, sacudindo responsabilidades de um capitalismo selvagem e violento, como o que ele professou e professa no seu texto, e nada trouxe de bom a Portugal — como se lê na desenfreada defesa que faz da troika e do seu governo, omitindo que foi depois de 2015 que o emprego e o crescimento económico deram um salto.

Falemos de silenciamento. O senhor que fala da alegada pujança de países de Leste, omitindo indicadores tão ou mais importantes como o estado da democracia em muitos desses países (mil vezes pior que a nossa), como a Hungria ou a Polónia. O senhor que omite indicadores relevantes, como a taxa de mortalidade infantil ou os números historicamente baixos de abandono escolar, apesar da pandemia, e que pandemia!, e que só sublinha a cartilha neoliberal de PIBs, passa o artigo a atacar governos de "extrema-esquerda", como o do Syriza ou os governos socialistas de Portugal, para enaltecer cartilhas sócio-económicas de Órbans e afins.

Não, é fastidioso e dá voltas ao estômago ler todas as linhas de um texto de um senhor que acolitou o BPN, mas mal ganhava para as despesas. O texto hoje publicado no Expresso é um grande embuste de um ilusionista que nunca engoliu a geringonça, a quem teve de dar posse, e foi provavelmente quem pior fez à economia portuguesa nesta jovem democracia — e sim, ele causou empobrecimento e silenciamento. Pena que nunca tenha tido a dignidade de fazer uma leve autocrítica. Nisso está bem acompanhado de Sócrates. E havia muito mais a dizer.

 

[foto Griffith Institute]