Junho 27, 2021
O trompete que foi tocar em surdina para o quarto mundo
Miguel Marujo
"Devo muito ao Jon. Na verdade, muita gente deve muito ao Jon. Ele semeou uma poderosa e fértil semente cujos frutos ainda hoje colhemos. Parece impossível que alguém tão essencial tenha passado ao lado de tanta gente. Mas a sua revolução foi sempre sem sangue, em surdina, abafada tal como o som do seu trompete mutante."
Roubei estas palavras a Brian Eno, que li num texto promocional do Teatro Maria Matos, em 2009, no qual tropecei à pesquisa de uma foto. Cá em casa, há um disco em nome próprio, que ficou demasiadas vezes abafado na prateleira, mas descubro-o ainda e ao seu trompete em Brilliant Trees, de David Sylvian, em The Passion, a notável banda sonora original que Peter Gabriel criou para A Última Tentação de Cristo, ou em The Million Dollar Hotel (mais uma essencial aventura musical de Wim Wenders), onde surge em nome próprio e na "banda do hotel". E talvez haja ali por mais algum trompete discreto, sem sangue e em surdina, a tecer sons que nos mergulham noutros mundos, ele que desvendou um "quarto mundo". Jon Hassell morreu este sábado, 26. Tinha 84 anos.
"As Jon is now free of a constricting body, he is liberated to be in his musical soul and will continue to play in the fourth world. We hope you find solace in his words and dreams for this earthly place he now leaves behind. We hold him, and you, in this loss and grief", escreveu-nos a família.