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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Dezembro 09, 2020

Another flower: Harold Budd (1936–2020)

Miguel Marujo

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Ainda hoje ouvi o novíssimo álbum de Robin Guthrie com Harold Budd, Another Flower, editado no dia 4. E esta noite a notícia: Budd morreu aos 84 anos (1936–2020).

Ele há coisas. 

 

"Harold Budd, minimalist and avant-garde musician who helped pioneer the genre of ambient music, has died. He was 84. Budd's solo compositions and collaborations with Brian Eno, Daniel Lanois, and the Cocteau Twins inspired a generation of electronic and experimental musicians.
E atualize-se, com esta viagem do Nuno Galopim pela obra de Harold Budd, no Gira-Discos (é seguir o link).

Dezembro 06, 2020

A música não se quer apressada. Mas eles teimam em acelerar o ano

Miguel Marujo

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Estamos ainda no início de dezembro, mas as revistas britânicas especializadas de música já nos foram dando a conhecer os melhores de… 2020. É um clássico que nem a pandemia refreou. O Spotify seguiu o mesmo caminho: no início de dezembro mostrou como tinha sido o nosso ano de 2020. De 6 a 31 de dezembro, ainda há quase quatro semanas inteirinhas nas quais poderemos ouvir muito mais música e baralhar um pouco as contas. Eles não querem saber. 

As revistas já têm os melhores do ano, o Spotify já nos deu o wrap de 2020. Manda a prudência que não seja assim. É como nos acontecimentos do ano. Lembram-se do tsunami de 2004? Aconteceu a 26 de dezembro, já todos os jornais tinham escolhido os seus eventos… desatualizados.

O meu ano musical no Spotify (ainda houve muito mais vinis e discos compactos que fizeram os sons dos dias) reflete trabalho: a morte de Ennio Morricone, em 6 de julho, que depois contei em texto para o 7Margens, levou-me a ouvir à saciedade muitas das suas bandas sonoras. Mas há uma que recorrentemente me acompanha, a do filme The Mission, e não é de agora — já noutros anos o Spotify notou essa particular obsessão. Aliás, como sintetiza muito bem o wrap que me foi preparado, one song helped you get through it all: On Earth As It Is In Heaven. É isto mesmo: esta canção ajuda-me muito a ir vivendo isto tudo. (Curiosamente, a primeira vez que o streaming me deu a ouvi-la, este ano, foi a 17 de janeiro, o dia do meu aniversário.)

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Agora, a morte do compositor italiano apenas tornou mais omnipresente as músicas do filme de Roland Joffé: os cinco temas mais ouvidos são mesmo deste disco. E ao sexto tema, descubro outra banda sonora original: Frozen II, na versão portuguesa com Há coisas que não mudam, fruto da audição insistente da pequenita cá de casa. Ele há coisas que não mudam. 

Também não espanta muito: as bandas sonoras sempre foram uma presença significativa na música que ouço. Nos 19222 minutos (mais de 320 horas) que estive no Spotify em 2020, há lugares para muitas outras e, dos cinco músicos mais ouvidos, também lá está Ryuichi Sakamoto — que tem algumas das bandas sonoras que mais me acompanham há muito, como Merry Christmas Mr. Lawrence, The Last Emperor ou The Sheltering Sky, muitas delas reunidas no álbum Music for Film. E também lá estão os Radiohead (omnipresentes e omniscientes, ámen) que nos deram o melhor cartão de despedida em Romeo+Juliet de Baz Luhrmann com Exit music (for a film). Fitas minhas: o cinema pode ser uma excelente porta de entrada na música.

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Uma surpresa neste meu top 5 de audições (e logo em 2º!) é a presença dos americanos His Name Is Alive, nome do catálogo da 4AD, que estrearam a década de 1990 nesta editora fundamental e me cativaram então com os seus dois primeiros objetos musicais não identificados (numa multidão de influências, criando atmosferas algures entre o shoegaze, a eletrónica, e pitadas de metal). O Spotify traz-nos esta possibilidade de retomarmos algures o caminho perdido de quem deixámos de seguir o rasto há muito — por vezes, percebemos que não perdemos nada, noutros regressamos com gosto a uma discografia que mereceria outra atenção, como descobri (e percebi) com estes His Name Is Alive.

Por fim, John Cale, nome maior dos Velvet Underground, que se cruzaria por exemplo com Brian Eno e tantas vezes é apontado como uma influência de músicos da cena indie. A sua discografia é uma banda sonora muito constante da minha vida. Na sua carreira a solo poucos saberão apontar-lhe grandes êxitos ou sucessos orelhudos, mas é um porto seguro em cada trabalho que apresenta, como foi a revisitação e atualização em 2016 dessa obra prima que é Music For a New Society em M:FANS, uma leitura de roupagens eletrónicas que não envergonha o original de 1982.

Este streaming não é só para velhos, fiquem já a saber. Segundo as contas do Spotify, em 2020 ouvi 409 novos artistas, alguns certamente no modo toca-e-foge-cruz-credo, e cruzei-me com 423 géneros, 224 deles novos. Não estava ciente de tantos géneros musicais desde o tempo do jornal Blitz, nos anos 80, mas não é de nos admirarmos muito, a avaliar pela classificação que encontro no meu top 5. Os géneros que mais ouvi nestes 11 meses do ano da pandemia foram “art pop”, “rock”, “soundtrack”, “melancholia” e “compositional ambient”. Isso, melancolia... 

Também fui um “pioneiro” (“you're a pioneer”): ouvi Vinte Vinte (Branko, Ana Moura e Conan Osíris) antes de atingir os 50 mil streams. Pioneer, not an influencer. Outros dados deste wrap spotifyano são mais óbvios, dado o contexto dos discos mais escutados. A década mais ouvida foi a de 1980 (que é a de The Mission) e Ennio Morricone foi “quem mais esteve a meu lado”, de um total de 1247 artistas ouvidos. É: valha-nos a música. Eles aceleram o ano, mas a música não se quer apressada.

 

[E podem espreitar as 100 mais ouvidas em 11 meses de 2020]

Imagem: Jeremy Irons em A Missão, de Roland Joffé.