Dezembro 22, 2019
Blasfemos, graças a deus
Miguel Marujo
Os Monty Python entraram algures nos ecrãs da RTP, talvez ainda a preto e branco - falha-se-me a memória e o Dr. Google não ajuda -, com aquele pé a esmagar um homem num genérico que antecipava já o humor desconcertante de travo surrealista e maluco, verdadeiramente louco, que ainda hoje nos faz rir a bandeiras despregadas. Monty Python's Flying Circus está cheio de episódios desses, como a Inquisição Espanhola, Spam ou as Avozinhas do Inferno, entre dezenas e centenas de outros, que ocupariam páginas e páginas.
Além da série, também tivemos os filmes, como A Vida de Brian, que blasfemava, segundo alguns crentes. A estes sobrava em fundamentalismo o que lhes faltava em humor, por não gostarem de ver esta história que se mete com Jesus e os cristãos. No entanto, este Brian desmascarava antes um seguidismo acrítico, uma fé sem vida, quando devia antes levar os cristãos a refletir sobre si próprios. Como na cena da crucificação em que Brian mimetiza Jesus e os ladrões lhe cantam Always Look on the Bright Side of Life.
Este episódio mostra-nos como as canções dos Monty Python são outra possível explicação para a universalidade do seu humor, que se mantém tão atual, como em Every Sperm Is Sacred, do filme O Sentido da Vida, ou Spam, de Flying Circus, que hoje é um termo banalizado no nosso quotidiano.
É este contexto que ajuda a explicar que o reencontro dos cinco Pythons vivos (Graham Chapman morreu de cancro em 1989), em dez espetáculos londrinos realizados em julho de 2014, tenha sido editado num álbum com quatro DVD intitulado One Down, Five to Go.
No funeral de Chapman, John Cleese, Terry Gilliam, Eric Idle, Terry Jones e Michael Palin não estiveram presentes, para permitir alguma privacidade à família e enviaram um cartão com o tal pé do genérico de Flying Circus, onde deixaram um post scriptum: "Pisa-nos se estivermos a ser demasiado idiotas." O pé nunca foi usado.
[texto originalmente publicado no DN/1864, em 8 de outubro de 2019]