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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Abril 30, 2019

Dois álbuns entre os melhores do ano-que-ainda-não-tinha-acabado

Miguel Marujo

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The Goon Sax e Spiritualized trouxeram-nos no tempo frio dois álbuns que acabaram por entrar nas listas dos melhores do ano. Percebe-se porquê. Basta ouvir.

 

Com o ano de 2018 a fechar somaram-se os balanços do ano, preencheram-se páginas de listas com os melhores do ano, uma tradição que os anglo-saxónicos levam tão a peito que no final de novembro já há resumos e sentenças. E é sempre uma boa oportunidade para redescobrir o que já tínhamos arrumado na prateleira da memória, recuperar algo que só ouvimos de fugida ou espantarmo-nos com alguma descoberta de fim de ano que, por vezes, arriscam entrar nos melhores do ano-que-ainda-não-acabou.

A tempo do Natal*, o que aqui se deixa é antes breves apontamentos sobre dois álbuns que fomos ouvindo nos últimos tempos, e que inevitavelmente surgem nas listas do ano de várias publicações da especialidade. Para podermos fazer a nossa, é melhor deixar acabar o ano.

 

The Goon Sax, We're Not Talking

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Setembro foi o mês de recomeços, em que se arrumaram os amores de verão, pegou-se na mochila e regressou-se à escola ou à universidade para embarcar em novas aventuras, agora mais frescas, em dias que vão ficando mais curtos.

Nesse mês de setembro, de Brisbane, na longínqua Austrália, chegaram as canções de dois rapazes e uma rapariga, James Harrison, Louis Forster e Riley Jones, que fizeram estes dias curtos voltar aos tempos adolescentes de quando se regressava às aulas.

Para nos alegrar basta ouvir, logo na abertura do novo e segundo álbum, We're Not Talking, a pop deliciosa de Make Time 4 Love: "I felt happy when you said you don't need me", cantam-nos eles na primeira linha sobre um manto de guitarras e percussões - e estamos conquistados.

E se o leitor fizer o favor de continuar, e for ouvindo Losing Myself, We Can't Win ou Til The End, ficará tão conquistado quanto nós, entranhando e estranhando tamanha familiaridade com alguma coisa que teremos ouvido algures lá atrás no tempo, noutros tempos adolescentes. Sim, o rapaz Forster é filho de Robert Forster, um dos fundadores dos Go-Betweens, sim, os mesmos de Streets of Your Town, que nos deram tantas alegrias pop. E quem sai aos seus...

 

Spiritualized, And Nothing Hurt

Também da fornada de setembro, o regresso dos Spiritualized surpreendeu pela capacidade de nos voltar a espantar e encantar com o novo And Nothing Hurt, seis anos depois de Sweet Heart, Sweet Light.

Talvez tenha ajudado o tom caseiro (ou íntimo) que Jason Pierce imprimiu ao trabalho de gravação, mesmo quando as canções se transformam em opulentas sinfonias. Sem dinheiro para grandes estúdios, o frontman britânico tocou tudo num computador e também as cordas foram sampladas.

É inevitável não alinharmos nos elogios que couberam a este And Nothing Hurt, onde Pierce prossegue o seu caminho a flutuar por sobre todas as coisas, com estas nove canções a pairarem num espaço de afetos e ternos, como em A Perfect Miracle e Damaged, ou quando parecemos voar numa chuva de asteróides em On the Sunshine.

Não admira pois que este oitavo álbum dos Spiritualized — que nos chega 21 anos depois desse clássico que é Ladies and Gentlemen We Are Floating In Space (e A Perfect Miracle estabelece uma ponte galática para a canção homónima desse álbum de 1997) — esteja agora incluído em algumas listas dos melhores do ano.

[* — texto originalmente publicado no DN de 15/12/2018]

Abril 14, 2019

A íntima partida

Miguel Marujo

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É o mais belo indicativo da rádio: aquela guitarra dedilhada, a flauta assobiada, um Mar d'Outubro que nos abre a porta para o programa de rádio que mais vezes terei ouvido, não sei bem desde quando, e que a internet resgatou ao silêncio que entretanto lhe tinham imposto. E estava de novo "no ar", na Radar. Francisco Amaral alimentou durante 35 anos a mais bela íntima fracção que nos trazia palavras e sons na justa medida dos desejos e dos sentidos.

Um dia, o facebook permitiu-me dizer-lhe o quanto gostava do programa, ser seu "amigo", segui-lo, receber de prenda vários ficheiros disponibilizados de emissões antigas. Na noite de ontem, no carro, ouvi a voz da Radar a anunciar as horas do programa, e pensei que gostava de voltar a ouvi-lo na rádio como antes fazia: deitado, às escuras e aquelas notas a invadirem o sonho. A morte de Francisco é prematura. Na emissão dos 35 anos do programa, ele disse-nos: "Só se possuem eternamente os amigos de quem nos separamos." Obrigado.