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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Junho 21, 2018

Chegar ao topo "é canja": Pet Shop Boys explicam como

Miguel Marujo

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A reedição do catálogo de álbuns de Neil Tennant e Chris Lowe chega agora aos seus três discos fundadores — Please, Actually e Introspective. Trata-se de pop desempoeirada, cheia de clássicos, para voltar a ouvir com prazer. E acompanhados de extras

Os rapazes que uma noite entraram num bar do Porto e se encantaram com uma canção de Zeca Afonso, ao ponto de tentarem se inspirar nela, desde o início que encolheram os ombros com o sucesso. No seu primeiro single, essa pequena pérola que é West End Girls, os Pet Shop Boys diziam que chegar a número 1 no top britânico "é canja".

Era o tempo do primeiro álbum, Please, apresentado ao mundo em 1986, onde Neil Tennant e Chris Lowe foram buscar dez canções já escritas mas que, no final, deram-se conta que o alinhamento contava uma história. "Eles fogem na primeira canção (Two divided by zero), eles chegam à cidade (West End Girls), eles querem fazer dinheiro (Opportunities), eles apaixonam-se (Love comes quickly), mudam-se para os subúrbios (Suburbia), saem à noite para dançar (Tonight is forever), há violência na cidade (Violence) e sexo casual (I want a lover), alguém tenta engatar um tipo (Later tonight). Acaba por funcionar de algum modo", descreveu Neil.

E funcionou mesmo. Please é o cartão de apresentação para os corpos se deixarem contaminar pela dança e surge de novo, 32 anos depois, nas lojas com a revisitação que o duo britânico está a promover de toda a sua obra.

O catálogo completo dos álbuns de estúdio de 1985 a 2012, editados pela Parlophone, para uma releitura que tem trazido muitos inéditos e remisturas. Já houve Nightlife (1999), Release(2002) e Fundamental (2006), que abriram este catálogo luxuoso, seguidos de Yes e Elysium, todos reeditados com o nome de "Catalogue: 1985-2012" e sempre acompanhados de material extra, reunido sob o nome comum de Further Listening.

Com Please chegam agora também Actually, de 1987, e Introspective, de 1988, o disco que melhor venderia, tal como Neil e Chris antecipavam no primeiro disco em Opportunities (Let's make lots of money), onde se ouve de entrada os versos "I've got the brains/ You've got the looks/ Let's make lots of money".

Neil e Chris foram recuperar canções que já tinham gravado e escrito uns tempos antes para o seu primeiro (grande) disco, mas deixaram outras de fora, que viriam a conhecer a luz do dia em Actually, como It's a sin, Rent ou One More Chance. Para outra canção que sairia no segundo álbum, What have I done to deserve this?, os Pet Shop Boys ainda tinham de convencer a sua cantora preferida, Dusty Springfield, a cantar em dueto com Neil. E percebe-se pelos títulos alinhados que estamos na presença de álbuns essenciais do cânone musical dos anos 1980.

Em Introspective, os dois acabaram por ensaiar um processo criativo distinto. Numa época em que os singles de três, quatro minutos eram estendidos em versões mais complexas, eventualmente às mãos de outros músicos e DJs, Neil e Chris tiveram uma abordagem distinta, propondo-se a compor canções com sete, oito minutos, editando depois versões curtas para lançar como singles. Já Always on my mind, que tinha sido um sucesso como single autónomo e ainda não tinha sido escolhido para nenhum dos álbuns, surge em Introspective com uma nova roupagem, como Always on my mind/in my house, e uma "secção", como lhe chama Neil, a apontar supostamente ao acid house que por esses dias aquecia as pistas de dança.

É verdade que aquilo que nos é dado a ouvir a mais nestes três álbuns, nos discos Further Listening, não tem o mesmo sabor de muitas das surpresas que pudemos escutar nas anteriores reedições deste Catalogue, ficando-se a maior parte das vezes por releituras das canções que são hoje clássicos da pop mais desempoeirada.

Outro detalhe notado pelos próprios boys é o grafismo de cada uma das capas. Please ousou deixar a capa toda em branco, com duas pequenas fotografias de Neil e Chris ao centro — uma desproporção que se acentua na capa do vinil. Em Actually, os dois estão de fato enquanto Neil boceja. Introspective é um conjunto de riscas de cores, a partir de um livro que explicava como se misturavam essas cores. "O nosso álbum que mais vendeu não tem uma fotografia de nós na capa. É interessante, não achas?", questionou-se Chris.

Trinta anos depois sabemos que estes três discos tiveram o looke brains necessários para os Pet Shop Boys vingarem para lá do circuito de clubs britânicos ou de San Francisco, onde as suas remisturas de 12 polegadas tiveram algum sucesso. Chegar a número 1 não era coisa que lhes mudasse as vidas — felizmente foi moldando as nossas.

[texto originalmente publicado no DN a 12 de maio de 2018]