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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Abril 03, 2018

5+5 de 2017 para ouvir em 2018

Miguel Marujo

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Dos balanços do ano passado recuperamos alguns álbuns que valem a pena (re)descobrir neste novo ano. A música nunca tem prazo de validade, como provam estes dez exemplos: cinco de cá, cinco de lá

Os balanços do ano são também tempos de descoberta e de sintetizar o muito que ouvimos e o tanto que nos escapou. Ou só aquela preciosidade a que não prestámos a atenção devida no momento certo. De 2017, agora que 2018 assenta arraiais, vale a pena recuperar sons e palavras que fizeram alguma da melhor música do ano, de cá e de lá fora - e que ressoam no ar à espera de mais tempo para a escuta. Prova ainda de que a música nunca tem prazo de validade.

Ermo, Lo-Fi Moda

Num improvável regresso ao futuro, Fernando Pessoa deve ter escrevinhado, nos idos de 1929, "primeiro estranha-se, depois entranha-se", de auscultadores postos a ouvir Lo-Fi Moda, que se tornou um dos favoritos das listas de 2017 das publicações da especialidade. O terceiro registo desta dupla de Braga navega por entre sons eletrónicos que tanto parecem saídos de ataris e zx-spectrums como desconstroem barreiras físicas da pop, numa crítica assumida aos excessos do digital. Gravado numa residência artística no GNRation, em Braga, espaço orientado para a exploração nas artes digitais, António Costa e Bernardo Barbosa afirmam-se como incontornáveis com este Ermo.

Tomara, Favourite Ghost

Tomara é o nome improvável para o delicado projeto musical de Filipe C. Monteiro, produtor, que trabalhou para Rita Redshoes e Márcia, escritor de canções e realizador que se estreou em setembro passado com Favourite Ghost. Nos fantasmas convocados por entre guitarras, metais e cordas, ressoa a voz de Filipe, que é também acompanhada por Márcia em House. Os instrumentais que emergem, como The Road ou Land At The Bottom Of The Sea, inscrevem-se nessa linha lânguida e melancólica da que é uma bela primeira obra.

Luís Severo, Luís Severo

Se a palavra não tivesse sido gasta à exaustão e caído em desuso, Luís Severo seria um cantautor das gerações novas, a juntar-se a uma excelente galeria de rapaziada que faz das palavras em português um delicioso exercício de autorretrato, a cantar amores e malandragens, a cidade e os comboios, neste álbum homónimo de 2017. No final do ano, Severo ainda presenteou fãs e desconhecedores com um "disco ao vivo gravado em novembro, para sair no natal", Pianinho. Pianíssimo.

Grandfather's House, Diving

Os Grandfather's House apresentam no seu terceiro cartão de visita uma canção que conta com a voz rouca e declamada do mão morta Adolfo Luxúria Canibal - no longo e viciante Nah Nah Nah -, que contrabalança e introduz nos restantes temas da voz segura de Rita Sampaio (e nos embala ainda nos sintetizadores), as guitarras de Tiago Sampaio e a bateria de João Costeira. Diving nasceu também de uma residência artística no GNRation. É um mergulho que vale a pena.

Lula Pena, Archivo Pittoresco

O arquivo que Lula Pena nos trouxe em 2017 é de um magnetismo que se pode resumir a uma guitarra e uma voz que sussurra e arrebata a cada nota e a cada instante destas 13 canções. Há um sabor especial nas palavras desta lisboeta, nascida no ano da revolução e que se explora entre o português de cá e do Brasil ou o espanhol e o grego, salada atlântica e mediterrânica óbvia e própria de um cosmopolitismo feito de despojamento que nunca soa a soberba. Ao terceiro álbum desde 1998 (!), Lula traduz em Archivo Pittoresco uma das obras mais consistentes da música feita por cá.

Sílvia Pérez Cruz, Vestida de nit

É das vozes mais inquietantes e fascinantes da atualidade. Esta catalã que tem um pé em Portugal (vive cá uma das suas irmãs) acaba por refletir na sua obra a transversalidade de diferentes culturas e sonoridades reinventando-as como suas. Por isso, neste espantoso Vestida de nit não estranhamos ouvir no seu alinhamento Estranha forma de vida, imortalizado por Amália Rodrigues, Corrandes d"exili, de Lluis Llach, ou Hallelujah, de Leonard Cohen.

Susanne Sundfør, Music For People In Trouble

Depois do aclamado Ten Love Songs (2015), que sintetizava uma pop cinematográfica e baladas épicas, Susanne Sundfør regressou para nos apresentar um dos mais belos álbuns de 2017, pela primeira vez numa editora internacional. Despido de excessos, Music For People In Trouble é um disco que se centra na voz da norueguesa, num formato acústico que vai desconstruindo a sua linguagem pop com ambientes e sons que obrigam o ouvinte a prestar toda a atenção às finas camadas que se desenham e arrebatam num final glorioso, onde se ouve também com a voz de John Grant (em Mountaineers). Tão imprevisível como essencial.

Peter Perrett, How The West Was Won

Cheio de vida, como se apresentou este britânico de 65 anos, Peter Perrett surpreendeu em 2017 com um regresso em voz própria - depois de anos de silêncio do antigo líder dos The Only Ones, banda que pontuou de 1978 a 1980, e de outro grupo de um disco só, The One (com edição em 2006). Este How The West Was Won é um exercício sobre o amor, não recusando os espinhos, e fazendo dele uma celebração da história com a sua mulher há 48 anos. Sorte a nossa.

Rostam, Half-Light

Depois de deixar os Vampire Weekend, no início de 2016, para seguir uma carreira a solo, Rostam Batmanglij apresentou este Half-Light em 2017, que acaba por recuperar algumas composições anteriores do iraniano-americano, uma escrita há mais de 10 anos, outras publicadas originalmente em 2011. Também por isto o álbum soa estranhamente familiar, entre projetos antigos de Rostam e os Vampire Weekend, num registo que ilumina ao lusco-fusco.

Randy Newman, Dark Matter

Se for daqueles que presta atenção aos créditos dos filmes e está atento às noites dos óscares, o nome de Randy Newman é-lhe familiar: já foi nomeado por 20 vezes para a estatueta e venceu por duas vezes, com as canções originais de Toy Story 3 e Monstros e Companhia. Dark Matter é de outra cepa, apesar de Newman absorver as suas orquestrações da ficção de Hollywood: aos 73 anos, o compositor americano mostra-nos como continua atento ao mundo que o rodeia, com diálogos entre criacionistas e cientistas ou um olhar cáustico sobre Putin.

[artigo originalmente publicado no DN de 27 de janeiro de 2018]