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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Janeiro 12, 2018

Do pequeno restaurante com alpendre para o mundo

Miguel Marujo

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A pequena casa verde na E Broad Street, logo depois da esquina com a Wilkerson Street e imediatamente antes da ponte sobre o rio Oconee, na cidade de Athens, no estado americano da Georgia, tem um pequeno alpendre com duas mesas e bancos corridos de madeira. O letreiro de fundo branco anuncia nas suas letras pretas Weaver D’s Delicious Fine Foods - e por baixo o slogan da casa de restauração pronta a comer: "Automatic for the people", mote para um serviço "pronto, rápido e eficiente para as pessoas".

Foi ao lema do restaurante de Mr. Weaver que Michael Stipe e os seus companheiros foram buscar o nome para o oitavo álbum de estúdio dos R.E.M., lançado a 5 de outubro de 1992, agora celebrado com uma edição especial do 25.º aniversário. Automatic for the People foi o difícil sucessor de Out of Time (1991), que atirou o grupo de Athens para o palco do mundo — e basta nomear Losing My Religion, que todos trauteámos, para nos lembrarmos porquê.

"Verdadeiramente nada mudou", recorda agora o guitarrista Peter Buck, depois de vendidos dez milhões de cópias "ou assim". "Nenhum de nós comprou mansões ou grandes carros ou alguma coisa. Juntámo-nos de novo apenas para ensaiar e gravar."

Do Weaver D’s Delicious Fine Foods para o mundo, a banda repetiu a receita do sucesso com um álbum que o jornalista e crítico Tom Doyle apresenta como o "mais misterioso" de todos dos R.E.M., no libreto que acompanha agora a reedição aniversariante — há ainda uma edição luxuosa, com 3 CD e Blu-ray, com inéditos, incluindo Photograph, tema inédito com essa outra voz essencial da América que é Natalie Merchant. Talvez seja misterioso de facto: a morte percorre as 12 canções do álbum, numa época em que o advento da sida nos anos 80 ainda se fazia sentir no dia-a-dia.

"Out of Time pode ter-nos libertado um pouco para abandonarmos o nosso formato tradicional de guitarra, baixo e bateria", explica o baterista Bill Berry. "Éramos livres de seguir a direção que queríamos." E seguiram: Bill, Peter e o baixista Mike Mills juntaram-se em Athens e ensaiaram primeiro sozinhos. Na sala de ensaios da banda em Clayton Street e no estúdio do amigo de longa data e engenheiro de som, John Keane, a uns quantos quarteirões das suas casas, ainda no outono de 1991, foram gravadas as primeiras demos, sem o vocalista Michael Stipe. "O Peter estava cansado de tocar guitarra e andava a tocar diferentes instrumentos", nota Stipe. "Na verdade, o meu trabalho foi simplesmente tentar construir a partir da base musical que eles me deram. A génese desta grande mudança para algo menos rock realmente começou com estes tipos", conta o vocalista.

Havia uma certa brincadeira que marcou estes primeiros dias de experimentação musical, como recuperou Doyle nas histórias que acompanham a boxset destes 25 anos, mas o álbum é "mórbido", como o classifica Mills, mesmo ouvindo a leveza de The Sidewinder Sleeps Tonite ou o fulgor de Man on the Moon, sobre o humorista Andy Kaufman (uma letra que nasceu no último dia de gravações do álbum, como lembra a Rolling Stone).

É em Nova Orleães, já na primavera de 1992, que prossegue a gravação do álbum. "Sabíamos que este era um disco mais mórbido e vibrante, por isso que melhor local para o gravar que Nova Orleães? É uma cidade muito confortável com a morte", sublinha Mike Mills. É Tom Doyle quem defende que Automatic for the People também nos anima o espírito, como a personagem central de Try Not to Breathe, que se dirige ela própria para a sepultura mas diz ter vivido uma vida cheia e quer que os seus mais próximos e queridos a recordem com amor.

Afaste-se a morbidez, recupere-se a magia e poesia: 25 anos depois sobra o génio de Stipe e companheiros. O sucessor de Out of Time é, depois de todos estes anos, uma obra obrigatória — aliás, qualquer álbum em que se ouça Everybody Hurts é obrigatório.

Automatic for the People é também um disco marcado por baladas como Drive ou Nightswimming; são os arranjos de cordas pelo antigo baixista dos Led Zeppelin, John Paul Jones, em quatro canções; e é também pop de primeira água. Mas os R.E.M. não esquecem o rock em que se formaram desde Murmur (1983). Basta ouvir o concerto ao vivo, que acompanha esta edição de luxo. Radio Free Europe, que abria Murmur, fecha este concerto gravado no 40 Watt Club em novembro de 1992. E é rock de primeira água.

[publicado originalmente no DN de 1 de janeiro de 2018]