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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Setembro 28, 2015

Cântico do amor

Miguel Marujo

1 Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos,
se não tiver amor, sou como um bronze que soa
ou um címbalo que retine.
2 Ainda que eu tenha o dom da profecia
e conheça todos os mistérios e toda a ciência,
ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas,
se não tiver amor, nada sou.
3 Ainda que eu distribua todos os meus bens
e entregue o meu corpo para ser queimado,
se não tiver amor, de nada me aproveita.
4 O amor é paciente,
o amor é prestável,
não é invejoso,
não é arrogante nem orgulhoso,
5 nada faz de inconveniente,
não procura o seu próprio interesse,
não se irrita nem guarda ressentimento.
6 Não se alegra com a injustiça,
mas rejubila com a verdade.
7 Tudo desculpa, tudo crê,
tudo espera, tudo suporta.
8 O amor jamais passará.
As profecias terão o seu fim,
o dom das línguas terminará
e a ciência vai ser inútil.
9 Pois o nosso conhecimento é imperfeito
e também imperfeita é a nossa profecia.
10 Mas, quando vier o que é perfeito,
o que é imperfeito desaparecerá.
11 Quando eu era criança,
falava como criança,
pensava como criança,
raciocinava como criança.
Mas, quando me tornei homem,
deixei o que era próprio de criança.
12 Agora, vemos como num espelho,
de maneira confusa;
depois, veremos face a face.
Agora, conheço de modo imperfeito;
depois, conhecerei como sou conhecido.
13 Agora permanecem estas três coisas:
a fé, a esperança e o amor;
mas a maior de todas é o amor.

- ao meu Pai, no terceiro ano de saudade.

 

Setembro 25, 2015

que se lixe

Miguel Marujo

“Só conseguiremos realmente atingir os nossos objetivos se não andarmos a dividir o país”. Passos Coelho, ontem, depois de quatro anos onde só fez por dividir o país.

Setembro 22, 2015

Patti (still) have the power

Miguel Marujo

Patti.JPG

 

Talvez tenha sido o concerto da campanha que anda pelo país. Patti Smith subiu ao palco do Coliseu dos Recreios, em Lisboa, puxou da folha de papel, cantou, declamou, gritou, reclamou um outro mundo.

People have the power, cantou ela, a pulmões plenos, de garganta enxuta, no hino quase final de um concerto de mais de uma hora e meia em que Patti revisitou na íntegra o seu primeiro álbum, Horses, ícone de uma década, a de 1970, que se tornou resistente ao tempo, sem rugas, o rock de sempre. E que muitos miúdos, apenas miúdos, tomaram como seu e acompanham agora, palavra a palavra. De braços no ar, corpos em uníssono que seguem os versos e os ritmos.

E a palavra foi tudo esta segunda-feira à noite numa Lisboa rendida logo desde os primeiros acordes de Gloria. "Jesus died for somebody"s sins but not mine" é senha e contra-senha para o Coliseu (imagem feita) vir abaixo. Talvez se perceba melhor assim: Patti Smith, a lenda viva, está ali, "feliz por regressar" a Lisboa, a cantar canções de uma vida.

A sequência é a do álbum, com Redondo Beach e (de folhas na mão para recitar e óculos que ajudam à leitura) Birdland. Foi assim que tudo começou, poetisa, jovem, a dizer poesia, enquanto Lenny Kaye - que continua a seu lado - compunha ritmos e sons para as palavras. E depois viria Horses, em 1975, que fecha o seu lado A com Free Money (mas antes Patti precisa de uma bebida, mas afinal, explica entre risos, é apenas "gengibre biológico, limão biológico e água portuguesa biológica").

É o tempo do vinil, e com gestos a performer, como se definiu ao DN, explica como se faz. "Agora viramos o disco para o lado B, metemos a agulha na espira e tocamos o lado B": Kimberly, e depois uma declaração mútua de amor entre Patti e a plateia; Break it Up - dedicada ao anjo Jim Morrison, esculpido no mármore - e logo a seguir Land, que volta a mexer com a mole humana que as luzes revelam compacta a dançar, "c'mon motherfuckers", invetiva Patti da boca do palco, juntando às palavras desta canção um hino de amor a Lisboa, a cidade cheia de energia, a cidade mágica, a cidade poética, a cidade das colinas, onde se pode subir ao topo para observar o mundo que tem de ser mudado.

Ao elogio, a elegia, a canção que se segue, com nova dedicatória, agora para Jimmi Hendrix. Elegie é uma canção que tem 40 anos, "muitos de vocês ainda não tinham nascido", o que a deixa "muito orgulhosa" por hoje estarem ali para a ouvirem, numa plateia onde também se replicam os cabelos grisalhos de Patti e Lenny. Elegie é uma canção dedicada a todos os amigos, familiares e animais que partiram. E o público acompanhará com aplausos a enumeração de alguns dos que já partiram. Hendrix, Morrison, mas também Janis Joplin, Joe Strummer, Amy Winehouse, Kurt Cobain, Fred "Sonic" Smith, Robert Mapplethorpe ou Lou Reed.

Quase uma hora de Horses fica arrumada, mas já com a banda a fazer uma vénia Patti tem tempo para Pissing in a River, antes de Lou Reed subir de novo ao palco. O quarteto que acompanha a americana fica em palco para um medley surpreendente por três temas dos Velvet Underground: Rock and Roll, I'm Waiting For The Man e White Light White Heat. Patti regressará nos acordes finais desta para cantar Beneath the Southern Cross, dedicada à "vida", assim dito em português, ela que durante a tarde se tinha deslocado à Casa Fernando Pessoa, poeta de que gosta e que a surpreendeu pelos livros que tinha.

É a vida que comanda a celebração final em Because the Night, dedicada ao namorado de sempre, Fred "Sonic" Smith ("because the night belongs to lovers, because the night belongs to us", braços abertos, o público em uníssono, o sorriso na cara); em People Have the Power, e todas as palavras de ordem que ouvidas quase 40 anos depois permanecem atuais. "People have the power, vocês tem-no, usem-no", atira já no fim. E fecham-se as luzes, e Patti acena. O Coliseu resiste e o regresso ao palco acontece para um My Generation, dos The Who, cantado cheio de suor, raiva e nervos. "We the people", atira, punho cerrado. Patti tem 68 anos. Really? Patti still have the power.

 

publicado hoje no DN; foto de Orlando Almeida/Global Imagens
[Nota - O jogo de palavras no título do artigo com o título da canção é apenas isso. Bem sei que gramaticalmente não é correto.]

Setembro 20, 2015

Horses. 40 anos.

Miguel Marujo

Setembro 18, 2015

1934.

Miguel Marujo

 

Há 81 anos, o mundo era uma imensa incógnita, antes da pesada guerra que tudo destruiria. E Portugal já vivia outra noite, menos apocalíptica, mas também longamente destruidora. O miúdo que nasceu neste dia sonhava coisas simples: aquele cavalo branco da Feira de Março, mais tarde a liberdade, um mundo justo, uma política nobre. Foi assim até há três anos, quando neste dia já quase nada se celebrou. Hoje talvez desesperasse com o que se vê da Europa ou com a falta de memória destes anos. Hoje gostava eu de um abraço longo. Parabéns Pai, onde quer que veles por nós.

Setembro 15, 2015

A Europa refugiou-se na omissão

Miguel Marujo

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A foto desta segunda-feira escolhida pela Economist, no mesmo dia em que a extrema-direita que governa a Hungria impediu a Europa de um entendimento sobre a única opção possível no caso dos refugiados: acolher todos. Agora, a Europa adia qualquer decisão para 8 de outubro. A urgência desta Europa esgota-se em como esmifrar os gregos. 

"A Syrian refugee holding a baby in a life tube swims towards the shore after their dinghy deflated 100m away from the Greek island of Lesbos, September 13th 2015. According to the International Organisation for Migration over 400,000 refugees and migrants have made the journey across the Mediterranean to Europe so far this year." The Economist. Crédito: Reuters/Alkis Konstantinidis

Setembro 14, 2015

Os blocos à esquerda

Miguel Marujo

 

Se António Costa lhe telefonar na manhã de 5 de outubro a pedir para governar com ele, que resposta lhe dará?

Catarina Martins (BE): Não há cheques em branco. O que é preciso discutir é, no cenário da Assembleia da República que tivermos, quais são as ideias que têm força para fazer um governo e e como é que elas se podem articular para fazer um governo. O programa do PS é muito diferente do programa do BE e, como digo, nunca há cheques em branco e o BE não abdicará do que é o essencial do seu programa.

[...] O BE nunca faltará a um governo que tenha essas duas opções essenciais: travar a saída de riqueza do país e travar o empobrecimento do seu trabalho e equilibrar o jogo.

[no DN desta segunda-feira, entrevista de Miguel Marujo, fotografia/vídeo de Gerardo Santos]

Setembro 03, 2015

A onda de indignação

Miguel Marujo

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Durante anos, Timor-Leste era a luta de uns guerrilheiros nas montanhas, de timorenses no estrangeiro e de alguns movimentos e pessoas que, sobretudo em Portugal, mantinham acesa a chama pela autodeterminação e independência deste povo. Durante anos, tudo parecia falhar para mobilizar a opinião pública, até que a prova de mais um crime indonésio rompeu o isolamento internacional a que estava votado Timor-Leste e o massacre de Santa Cruz tornou-se a imagem que faltava para despertar consciências. Estes dois rapazes filmados por entre sons confusos de sirenes, gritos e tiros, ajudaram a que uma onda de indignação agitasse as sociedades civis e, finalmente, os governantes um pouco por todo o mundo que tinham como inevitável a ocupação indonésia começaram a questioná-la. A história é conhecida: em 1999, os timorenses foram por fim chamados a decidir do seu destino, votaram esmagadoramente pela independência.

Se tivéssemos desdenhado do poder destas imagens - porque só ao fim de 20 e poucos anos o mundo acordava para a causa timorense, com imagens que retratavam algo que se passava há anos e anos e que toda a gente parecia ter descoberto então - e não tivéssemos cavalgado essa onda de indignação, Timor-Leste talvez ainda fosse (como ainda é o Sara Ocidental) um território ocupado.