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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Março 16, 2015

Sim, stôra, foi mesmo isto que aconteceu!

Miguel Marujo

NãoFizOsTrabalhos.jpg

 


Toca o despertador, talvez chova, fará frio, quase de certeza. Mesmo que não faça, mesmo que estejamos em pleno verão, a desculpa será outra, o calor, a preguiça, o diabo a quatro. Talvez seja isto mesmo: um diabo à solta, chifrudo, de tridente na mão, que no momento certo cuspiu fogo e queimou a mochila onde estava guardado o caderno com os trabalhos de casa. É do diabo, isto, não queremos ir à escola. Talvez o melhor seja contar esta história à professora, stôra, foi tal e qual assim. Ou nem tanto, se virmos o que escreveu a imaginação de Davide Cali, o autor de Não Fiz os Trabalhos de Casa Porque..., ilustrada por Benjamin Chaud.

O livro tem a chancela da Orfeu Negro, na sua coleção Mini, para miúdos, mas talvez os graúdos acabem por tropeçar numa página familiar, daquela vez em que se ensaiou a desculpa mais estapafúrdia do mundo, se tudo o mais falhasse. Começava-se por evitar responder à pergunta de quem tinha feito os trabalhos de casa, colocava-se o corpo no enfiamento do colega gordo e alto à nossa frente ou escorregava-se discreta e silenciosamente pela cadeira, à espera que a voz escolhesse o João ou o Nuno, nunca o Miguel. Mas, naquele dia, só naquele dia em que um avião de macacos tinha aterrado à nossa porta, aí sim, éramos chamados – e obrigados a relatar como, à falta de bananas, os macaquinhos brincaram com o caderno escolar. E as folhas do sacrossanto trabalho de casa voaram e rasgaram-se. Também houve a invasão de lagartos gigantes lá no bairro ou um sério problema com plantas carnívoras, razão tinha a avó, que aquelas plantas eram do diabo.

Já se percebeu: Não Fiz os Trabalhos de Casa Porque… (que a Orfeu Negro coloca agora nas estantes das livrarias) é um divertimento de imaginação e criatividade, a que Chaud empresta o seu traço desproporcionado e delicioso na minúcia e no detalhe, como já tínhamos visto em A Cantiga do Urso e As Férias do Pequeno Urso (também com a chancela da Orfeu). Os miúdos têm aqui um manual de instruções que pode ser muito útil, usado com contenção. E os graúdos podem recordar-se do que diziam quando se esqueciam de fazer os trabalhos de casa.

O seu autor, Davide Cali, que admitiu – em entrevista ao site Deus Me Livro – nunca ter necessitado de arranjar tamanhas desculpas, participa esta segunda e terça-feiras na Fundação Calouste Gulbenkian, num colóquio sobre “Criações para a infância e a juventude”, com o tema “É então isto para crianças?”. O seu livro não engana: ótimo para miúdos, que delicia graúdos.

[originalmente publicado em Máquina de Escrever]