Fevereiro 19, 2015
Um tango e uma novena
Miguel Marujo
Já não é novo constatar, uma e outra vez, como o Papa, este Papa Francisco, está a mudar as coisas na Igreja de Roma - e a partir daí para todas as outras igrejas locais. O Consistório deste fim de semana é mais uma dessas mudanças, visível na criação de cardeais em pontos do mundo que até aqui passavam ao lado da Santa Sé, como Cabo Verde, Tonga ou Myanmar (o nome atual da Birmânia). Ou outras mudanças mais imperceptíveis, como a de uma linguagem mais viva e dessacralizadora, que simplifica a mensagem cristã e abala a rigidez de uma Cúria Romana sempre formalista, quando pede aos novos cardeais que não se deixem turvar pelo poder, ou como escreveu Francisco o "espírito de mundanidade que embriaga mais do que a aguardente em jejum".
Francisco quer reformar a Igreja, já se sabe, simplificando estruturas, abrindo mais as portas a leigas e leigos, com os olhos postos no Sul, como o tango da sua Argentina natal, Vuelvo al Sur. Regressar ao Sul, olhar para as periferias, como fez há dias na visita inesperada a um bairro de lata de Roma, a sua diocese. A mesma periferia que a Igreja de Roma tantas vezes esquece, paredes meias com esta realidade, mas paredes dentro com vários escândalos.
Foi esta periferia que o vice-primeiro-ministro usou para tentar convencer o Papa a visitar Fátima em 2017, falando de uma aldeia perdida num Portugal atrasado no início do século XX e esquecendo o recato necessário de um governante de um país republicano e secular, ao falar de um "acontecimento" que é antes ordem da fé, como são as "aparições de Fátima". Porventura, seria mais acertado falar das periferias que se instalam na Europa, quando o défice é o novo altar da política. Mas aí talvez o discurso de Paulo Portas já não seria tão alinhado com o do Papa.
[publicado no DN de domingo passado, dia 15, com o título Vuelvo al Sur]