Novembro 28, 2014
Isto é só o começo
Miguel Marujo
«1. Sem o menor pudor, o primeiro-ministro explorou politicamente a seu favor a prisão de José Sócrates. Porque associou o seu caso a enriquecimento ilícito. Pode ter parecido elegante, mas foi muito pouco. À medida que as legislativas se forem aproximando, a elegância tenderá a perder-se. Só recuará se o “caso Sócrates” – ou outro qualquer – atingir o PSD.
2. O que irá acontecer a seguir é isto: o PSD tentará por todos os meios passar a mensagem de que votar no PS é votar em quem governa usando os estratagemas de que Sócrates é suspeito. Será muito difícil então António Costa manter-se “trancado” na posição que definiu (não falar do ex-primeiro-ministro e deixar a Justiça trabalhar sem a atacar). É isto que Passos Coelho quer: tirar Costa das cordas e forçá-lo a defender Sócrates – para depois dizer que vem aí mais do mesmo.
3. Passos Coelho voltou ontem a provar que desconhece a existência de uma lei chamada Constituição da República. A criação do crime de enriquecimento ilícito já foi tentada. E, depois de um pedido feito pelo Presidente da República, o Tribunal Constitucional chumbou a lei por unanimidade.
4. Unanimidade porquê? Porque nada há mais inconstitucional do que inverter o ónus da prova (obrigar os suspeitos a provarem que são inocentes em vez de ser a acusação a provar que são culpados). Atinge de frente um princípio basilar de um Estado de direito, o da presunção da inocência. E abre a porta para todos os tipos de arbitrariedades.
5. Passos desconhece ainda outra coisa: não há nada pior para o combate à corrupção do que a criminalização do enriquecimento ilícito. No dia em que for possível condenar um corrupto só porque ele não explica uma fortuna feita a aceitar luvas, deixará então de ser necessário procurar quem as pagou. A corrupção passiva (receber luvas) será punida; a ativa (pagar as luvas) deixa de o ser.» [João Pedro Henriques, hoje, no DN]