Agosto 04, 2014
até para a semana: as minhas escolhas desta semana
Miguel Marujo
[publicadas no Qi - Quociente de Inteligência, suplemento aos sábados do DN, a 2/8/2014]
“Estão ambos convencidos de que uma súbita paixão os uniu. É bela essa certeza mas a incerteza é ainda mais bela.” É a partir desta epígrafe de Wislawa Szymborska que Jimmy Lao constrói, com um traço belíssimo e a dose certa de poesia, a história dela e dele, que vivem paredes-meias sem saberem e sem nunca se cruzarem. Um dia encontram-se e vivem um amor intenso à primeira vista, mas voltam a desencontrar-se. Ela e ele vão continuar à procura de um e do outro e no final, apesar do título do livro, ficamos sem saber se de facto o desencontro marcou esta história contada ao ritmo das estações do ano. No final, a primavera nasce por entre as paredes...
Jimmy Lao, ‘Desencontros’
Livro, Kalandraka, 16 euros.
Já tivemos Os Donos de Portugal, um livro e documentário sobre cem anos de poder económico dos mesmos de sempre. E Jogos de Poder, de Paulo Pena, sobre “os bancos portugueses e a forma como criaram a dívida que todos temos de pagar” – estávamos em abril e nessas contas “só” entravam o BPN e a austeridade. Agora temos Ricardo Salgado e uma teia de gente que se achava dona disto tudo, atropelando a democracia a seu favor. Dizem-nos que a fatura não será nossa. Mas poucos acreditam. Esta obra mostra o percurso de Salgado e do banco que esteve “mais próximo do poder político – e o que mais benefícios colheu da máquina do Estado”. “Todos os governantes serviram o líder do clã Espírito Santo ou foram por ele servidos.” Talvez por isso o título deste livro devesse ser O Último Inimputável.
Maria João Babo e Maria João Gago, ‘O Último Banqueiro’
Livro, Lua de Papel, 15 euros
Morrissey regressou aos discos, cinco anos depois, para baralhar e dar de novo, com a inteligência de escrita de sempre e surpresas nos arranjos e na composição. Os que acham que os Smiths já não passam por aqui, podem redimir-se agora.
Morrissey, ‘World Peace Is None of Your Business’
CD, Capitol 15,99 euros
Ultraviolence não tem a frescura da estreia que foi Born To Die, mas Lana del Rey continua a saber envolver-nos num universo que cativa. Seja por narrativas que parecem saídas de filmes de David Lynch (e os telediscos dela ajudam à imagem) como por histórias que carregam dramatismo e sensualidade na sua voz.
Lana del Rey, ‘Ultraviolence’
CD, Interscope/Universal 15,99 euros
Para os mais distraídos, é um dos acontecimentos editoriais do ano. Os Rádio Macau, de Xana e Flak, estão de regresso com um disco de inéditos, raridades e um tema ao vivo – dez canções perdidas, gravadas nos anos 1980 ou regravadas agora em 2014. Flak explicou que quis manter o som vintage das canções, mas este álbum não é de forma alguma datado.
Rádio Macau, ‘Space Monster’
CD, Rádio Macau/Blitz 3,90 euros (dist. revista Blitz)
É o registo na íntegra da despedida dos LCD Soundsystem, de James Murphy, no mítico palco de Madison Square Garden. Disponível para download ou numa edição luxuosa de vinil, é possível ouvir registos dos três álbuns de originais, os Arcade Fire em palco e o pano da História a fechar-se para esta banda.
LCD Soundsystem, ‘The Long Goodbye: Live at Madison Square Garden’
MP3 (vinil 5LP), Parlophone, 13,40 euros (ou 79,9 euros), na amazon.com
Desde há anos que a TV americana vem sendo campo para algumas das experiências mais interessantes em termos narrativos – falamos de séries e filmes, que mostram uma capacidade de incomodar e ousar que parece mais afastada dos estúdios de Hollywood. É Kevin Spacey – ele que dá corpo à personagem principal, um congressista democrata – que diz que “os argumentos mais interessantes e as personagens mais interessantes estão na televisão”. House of Cards percorre os corredores americanos da política e do jornalismo e é um retrato cru sobre poder, ética e relações humanas, magnificamente interpretado.
Beau Willimon e David Fincher, ‘House of Cards – 1ª temporada’
DVD, Sony Pictures, 19,99 euros
Silva disse ao DN que “Lisboa só fez bem” a este disco. E nós agradecemos esta vista para o mar: sonoridades que bebem na melhor tradição da pop, com cheiro a Brasil e sabor a verão, mas sem estar amarrado aos eternos clichés da MPB e do samba.
Silva, ‘Vista Pro Mar’
CD, Sony Music, 13,90 euros
B Fachada experimentou neste último ano um tempo sabático, sem lançar um disco que fosse (O fim é de dezembro de 2012), ele que até aí nos tinha habituado a dose duplas anuais. Regressou aos concertos em maio, apenas como Fachada, e fechou julho com seis temas novos para escuta ou download na plataforma Bandcamp – e recuperando o ‘B’ no seu nome. O humor das letras, os arranjos populares de Um Fandango Ensaiadinho ou Pifarinho, a leitura de Já o tempo se habitua de Zeca Afonso transportam-nos para um universo familiar, mas em que se sente que o músico não desiste de renovar uma linguagem sua e já incontornável na música portuguesa.
B Fachada, ‘B Fachada’
MP3, Bandcamp, 7 euros