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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Março 27, 2012

Fraca memória

Miguel Marujo

“Lamento profundamente que dois fotojornalistas cidadãos tenham sido atingidos durante os distúrbios a que as forças de segurança tiveram que fazer face”. [Cavaco Silva, 26/3/2012, a vermelho expressão ficcionada]

 

“Penso que é importante que todos saibamos, que o povo português saiba bem tudo aquilo que aconteceu nos distúrbios que ocorreram no Chiado na ponte”. [Cavaco Silva, 26/3/2012, a vermelho expressão ficcionada]

 

Em 1994, um movimento de cidadãos, alegadamente formado de forma espontânea, juntou-se na Ponte 25 de Abril, num "buzinão" de bloqueio, que acabou por ficar marcado como uma onda de protesto contra o Governo de Cavaco Silva, por uma carga policial contra os manifestantes e um tiro disparado (alegadamente pelas forças policiais, que nunca foram investigadas) contra um jovem, que acabou tetraplégico.

Março 26, 2012

Bas-fond

Miguel Marujo

«Ainda não é certo que lugar na história terá Teixeira dos Santos. Se será o ministro que se dobrou ao inflexível Sócrates, ou se será o ministro que dobrou o inflexível Sócrates; se o ministro que caucionou as loucuras finais do seu Governo, como as estradas vazias que vão custar décadas ou um TGV assinado na véspera (!) de um "rating" lixo; ou se o ministro que geria por dentro a fuga para a frente do primeiro-ministro e, no final, até o obrigou a pedir apoio externo. Mas para que a história seja gentil para com ele, é preciso tempo fora dos holofotes. Já basta a chafurdice que aí vem com a comissão de inquérito ao BPN. Esta nomeação para a PT iria rebentar com Teixeira dos Santos. Seria sempre visto como o contra-Catroga na EDP, uma politização ao contrário. A própria notícia da sua nomeação abriu buracos na Caixa e levantou o PP e meio PSD, propósito aliás indisfarçável da fuga de informação: um tiro de "sniper". Teixeira dos Santos merece julgamento justo, não estas vilezas.» [Pedro Santos Guerreiro]

Março 25, 2012

Bastão é falta de educação (relato)

Miguel Marujo

foto José Sena Goulão, no blogue dele

«(...) Quando me virei para trás tirei esta última [foto] que aqui está e vi que estavam a começar a avançar e que iriam varrer tudo o que estava à frente. Por mais absurdo que possa ser o comunicado da PSP que refere que nós jornalistas devemos estar atrás da linha policial (provavelmente para apanhar a cara de quem leva e não a de quem bate, como diz o Francisco Paraíso hoje no CM), foi exactamente isso que eu tentei fazer porque me vi numa situação em que iria ser apanhado no meio da confusão sem sítio para escapar. Andei na direcção deles a dizer que era jornalista em voz alta e fiz sinal para que me deixassem passar para trás da linha que estavam a fazer e foi aí que me bateram pela primeira vez na cabeça e caí ao chão. O resto as imagens mostram como foi, sendo o resultado dois cortes na cabeça, 6 pontos, ombro, costas e joelhos amassados mas acima de tudo uma sensação de medo e impotência perante tudo o que estava a acontecer. A cara do polícia que me bateu era de raiva, até a língua estava a morder. Repeti não sei quantas vezes que era jornalista em pânico e nem assim ele parou, ainda deu com mais força. Nunca pensei que aquilo pudesse acontecer cá. 

Ainda mais revolta causa ver as imagens da Patrícia a ser agredida daquela maneira! Como é possível?! Desde quando uma mulher com uma câmara fotográfica é ameaça para alguém? Não sei se foi premeditado ou não, mas a falta de inteligência daqueles animais não alcança que para cada câmara que tentam que não fotografe ou filme a sua brutalidade há dezenas de outras a captar o que está acontecer. E o resultado está à vista. As imagens daquelas duas senhoras já mais velhas, uma a levar uma joelhada no peito e outra a ser atirada ao chão também não há palavras para descrever. Parabéns a quem captou tudo isto para que se possa ver e rever. A única coisa boa que se tira disto é exactamente a atenção que o assunto está a ter, para que não se repita.» (José Sena Goulão, repórter fotográfico da Lusa)

Março 22, 2012

Bastão é falta de educação

Miguel Marujo

 

1. Saí da Assembleia da República pelas 19h. Alguns manifestantes ainda por lá andavam, as televisões faziam diretos e reportagens, os polícias continuavam na escadaria. Como vinha do interior do edifício passei pelo passeio de cima, sem que fosse interpelado pelos polícias. No meio de agentes do corpo de intervenção, lá estavam os inevitáveis agentes à paisana, sem que se perceba porque insiste uma força policial de um país democrático colocar instigadores (não têm outro nome) no meio das manifs. A força da farda é sempre mais dissuasora, qualquer agente à paisana só lá está para provocar (desde as manifs das propinas que assim é, remember Cavaco-Dias Loureiro?!), como se viu em outubro e novembro, como se viu hoje.

 

2. No Chiado, nova carga policial (como houve em outubro e novembro). Na enxurrada de bastonadas, dois fotojornalistas foram agredidos (na foto). José Sena Goulão identificou-se como jornalista da Lusa, mas continuou a ser agredido. Também Patrícia Moreira, da AFP, o foi. A PSP emitiu um comunicado vergonhoso, em que não pede desculpas por nada e imputa aos jornalistas a responsabilidade por não terem coletes refletores a dizerem "press". Percebe-se: os animais da PSP precisam de coletes para distinguir em quem batem à vontade ou em que não podem bater.

 

3. Na PSP, os senhores deviam ser treinados para se conterem e saberem lidar com multidões. Os desordeiros (e só estes) devem ser manietados e detidos, sem mais uso da força que a necessária de um agente fardado. Sair a correr a distribuir bastonadas em tudo o que mexe é próprio de bandos de miseráveis e fracos.

 

4. Como podem esperar os sindicatos das polícias simpatias pelas suas causas, se não assumirem um discurso de rutura com esta prática criminosa de agentes da PSP?

 

5. No plenário do Parlamento, ironia das ironias, o PSD levou o tema da segurança para a sua declaração política. O argumentário foi o de sempre, invocando um país que não é inseguro (não é, mas eles e o CDS faziam outro discurso) e do muito que tem sido feito. Esqueceu-se o senhor deputado de dizer o óbvio: que a criminalidade baixa, quando as esquadras sem tinteiros ou papel não aceitam queixas (como na esquadra da Rua de São Paulo, em Lisboa, durante semanas a fio, por exemplo); ou que crimes violentos que têm acontecido não merecem um esgar de dor de um Paulo Portas sarkozyano que rasgava as vestes a cada bomba de gasolina assaltada.

Março 18, 2012

Leitura para esta semana: o matemático ministro da Educação chumba a... matemática

Miguel Marujo

Nuno Crato é professor catedrático de Matemática e Estatística. É, também, desde junho passado, ministro da Educação e do Ensino Superior. Pasme-se pois:

 

"(...) As primeiras informações dadas por Nuno Crato à Assembleia da República, e repetidas acriticamente pela comunicação social, foram estas: "houve uma subida de custos muito grande". E precisou: a derrapagem de custo por escola intervencionada seria de 447%. (...)

Quando finalmente tivemos acesso ao relatório o desvio era, afinal, de 66% de investimento por escola (está, preto no branco, no relatório em causa) que, segundo a IGF, "foi essencialmente devido ao aumento de área de construção por escola". O investimento médio por aluno aumentou 9,4% e o investimento médio por m2 aumentou 3,1% em relação ao inicialmente previsto (...).

A derrapagem de custos das obras em relação ao valor contratado variou, nas escolas analisadas pela IGF, entre os 0,6% e os 6,7%. (...)

E vale a pena ler as 145 páginas deste documento (mas quem não queira pode ficar pelas conclusões), que não só está muito longe de ser demolidor, como até reserva à Parque Escolar mais elogios do que criticas, sobretudo em matéria de contenção de despesas. Eu, que não tenho a fé de muitos na seriedade intelectual de Nuno Crato, dei-me a esse trabalho. O desvio explica-se, antes de mais, com a alteração da escolaridade obrigatória, em 2009, que obrigou a um aumento da área média de construção por escola em 61%, já que a média de alunos previstos por escola passou de 800 para 1.230 alunos, um aumento de 52% em relação ao que se esperava em 2008. E esta é a principal razão apontada pelo relatório para o desvio financeiro a que se assistiu. (...)" [Daniel Oliveira, sublinhados no original]

Março 17, 2012

Hermenêutica

Miguel Marujo

Fazer a História recente, mesmo sob a forma de ensaio, tropeça muitas vezes num condicionalismo ideológico que não se compagina com a ditadura dos caracteres de um jornal. Pedro Lomba ensaiou-se no Público a debater o semipresidencialismo desta república - um pressuposto pertinente - para concluir por uma tese conformada: que o poder dos presidentes se define (restringe) ao regime das sondagens. Fraco consolo.

 

Mas há outro aspeto que devo sublinhar. Pedro Lomba resume o mandato de Sampaio em 36 linhas de repetidos argumentários que a direita sempre gostou de colar ao homem que derrotou Cavaco e esquecendo o contexto (mais do que necessário) ao passar pelo fim do Governo de Santana/Portas. «O acto de dissolução, sem fundamento contra um governo que ele dizia "descredibilizado"» é uma frase que arruma uma memória histórica muito parcelar - e parcial. A descredibilização do Executivo de Santana/Portas não era dita por Sampaio, era vivida todos os dias pelos portugueses.

 

Há dias, em troca de comentários com o próprio Pedro no seu facebook (sobre o prefácio do comentador de Belém sobre Sócrates), caracterizei-lhe o governo desses meses de 2004-2005 como «um dos mais vergonhosos, caricatos e dementes governos de Portugal». Mantenho. Lomba não pensa assim, porque argumenta que Sampaio não o deixou ser governo: «Os escassos quatro meses também mostravam a arbitrariedade do mesmo Presidente que nem dava tempo para que um governo, sem legitimidade de título, adquirisse legitimidade de exercício.» Duas ideias: aquele governo, de facto, nunca deveria ter sido empossado - "sem legitimidade de título", reconhece Lomba -, mas teve o tempo suficiente para se perceber que o exercício seria cada vez mais ilegítimo, na sua penosidade e caricatura. Já todos se esqueceram que o episódio da dissolução transborda no copo de Belém com o ministro-amigo-braço-direito de Santana, Henrique Chaves, a bater com a porta acusando o primeiro-ministro de mentir?!

 

Há uma última conclusão no parágrafo de Sampaio, que é desonestidade intelectual. Resume Lomba: «Surtiu efeito [a dissolução]. Nas eleições seguintes Santana perdeu com clareza para Sócrates e tudo mudou.» Mais uma vez, a memória é tramada: da dissolução de Dezembro às eleições de Março, o próprio Santana conseguiu cavar ainda mais fundo o miserabilismo da sua governação, e nos cinco meses que foram de governação o desmando foi o tom na Educação, Saúde... ou mesmo em São Bento. O povo eleitor é que deu a derrota a quem nunca se credibilizou, o cidadão eleitor é que percebeu que Sampaio errou ao dar a posse a um governo ferido de legitimidade, como se provou na sua governação. O resto, caro Pedro, parece mais um ensaio ao sabor das sondagens de hoje.

 

 

[à margem]

Para memória futura: Santana Lopes anunciou-se hoje como putativo protocandidato a Belém. Que a memória não seja curta.

Março 13, 2012

Pela boca morre o pastel de nata

Miguel Marujo

«Eu e os meus secretários de Estado estamos a cumprir e não a anunciar. Esse tempo acabou há oito meses», afirmou Álvaro Santos Pereira, numa intervenção após o jantar [há uma semana]. «Eu e a minha equipa, como todo o Governo, sabemos o que queremos para Portugal, sem ceder a aproveitamentos políticos ou cortinas de fumo criados pela oposição», referiu o governante, acrescentando que esse ruído serve para apagar a memória do trabalho errado feito no passado. Santos Pereira assegurou ainda que o seu ministério também continuará «sem ceder a pressões de grupos de interesse e interesses instalados que apostam no ruído mediático para continuarem em setores protegidos».

Março 10, 2012

O défice que tem de ser assumido para ser resolvido

Miguel Marujo

«Cálculos do Dinheiro Vivo com base em dados do Eurostat e do Instituto Nacional de Estatística mostram que o número de trabalhadores pobres - pessoas que têm emprego mas que vivem com menos de 434 euros por mês - aumentou quase 12% entre 2009 e 2010. São mais 124 mil pessoas num universo que já vai em 1,2 milhões de trabalhadores. Não é difícil perceber o que acontecerá a estes números quando avaliarmos 2011 e 2012, anos em que o PIB vai recuar cumulativamente 5%. Além deste indicador dramático - a que se junta os 14,8% de taxa de desemprego - Portugal continua a ser um dos países mais desiguais do mundo desenvolvido. Os 20% mais ricos têm rendimentos seis vezes superiores aos dos 20% mais pobres. É o sexto resultado mais desigual entre os países da OCDE. Para dar corpo a estes números, basta recordar que, de acordo com os dados preliminares do Censos 2011, Portugal tem 6951 barracas, onde vivem 18 072 pessoas. Falar disto pode parecer demagógico - e muitas vezes o contexto é demagógico - mas não deixa de ser uma verdade importante: é outro tipo de défice que tem de ser assumido para ser resolvido.» (André Macedo, sublinhados nossos)

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