Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Fevereiro 28, 2010

Ao fundo

Miguel Marujo

Antes sorriam, acenavam, amontoavam-se atrás do homem ou da mulher ao centro. Agora, também podem sorrir, acenar e continuam a amontoar-se, mas invariavelmente estão ao telefone, a fazer de conta ou não, muito circunspectos. Nos directos das televisões, o país-nokia está sempre a dizer o óbvio: mãe, estou na TV.

Fevereiro 27, 2010

Ir à rua

Miguel Marujo

Vento moderado a forte (30 a 55 km/h) do quadrante sul, tornando-se gradualmente muito forte a excepcionalmente forte (60 a 80 km/h), com rajadas da ordem dos 130 km/h no litoral e nas terras altas. A partir do final da tarde, o vento diminuirá de intensidade rodando para oeste. Subida da temperatura máxima.

Fevereiro 26, 2010

Chuva-se

Miguel Marujo

Entra-se no autocarro 702, a Serafina no destino, sai-se antes, à Artilharia Um, para correr os últimos metros de guarda-chuva com o Corto Maltese recostado. A nossa aventura é ser salta-pocinhas nos passeios até que as Amoreiras nos abrigam - "Là où se trouvent plein de voleurs et des jolies femmes."

 

Fevereiro 26, 2010

Dias

Miguel Marujo

O homem distribui jornais, enquanto a mulher mendiga-se sem braço. Há o imigrante que sorri a sair do banco e os homens de fato e gravata que riem perante manchetes do quiosque ao lado. Em cinco metros de passeio, há um país que apenas parece ter uma coisa em comum: a chuva que fustiga os dias.

Fevereiro 25, 2010

O mundo nunca foi a preto e branco

Miguel Marujo

«[...] Se eu achar (e acho) que o Mário Crespo fez uma tristíssima figura na comissão de Ética, que o desonra a ele e ao jornalismo (eu estava lá e às tantas tive tanta vergonha que tive de sair), então sou pró-Sócrates; se eu achar (e acho, há muito tempo) que a Manuela Moura Guedes nunca fez jornalismo na vida, só política (e publicidade, uma vez), então ainda mais pró-Sócrates sou.

Mas se acrescentar que a ideia que tenho do Crespo e da MMG não legitimam nada dos que lhes aconteceu no JN ou no Jornal de Sexta, que é muitíssimo perigoso um primeiro-ministro que diz a um responsável de uma estação (Nuno Santos, da SIC) que um determinado jornalista (Crespo) e um comentador (Medina Carreira) são um "problema" que tem de ser "solucionado" - então aí já sou colocado no lado "justo" da guerra, dos que zelam 24 horas por dia pela liberdade de expressão. [...]»

 

João Pedro Henriques (no novíssimo e cheio de gajos bons e porreiros "A minha vida não é isto"), que podia servir para explicar as coisas a alguns comentadores desta casa.

Fevereiro 23, 2010

Às segundas

Miguel Marujo

Parece que meio País se entretém a ver Fátima Campos Ferreira num ringue em que nunca ninguém se entende. Nunca consigo ver. Prefiro Bones, em que se dissecam os ossos como deve ser.

Fevereiro 22, 2010

O mau exemplo da Igreja

Miguel Marujo

«O Grupo Renascença fez no início do ano um convite à rescisão aos seus colaboradores, apurou o M&P. [...] O grupo é detido a 60% pelo Patriarcado de Lisboa e a 40% pela Conferência Episcopal Portuguesa.»

 

A defesa da vida não se faz em todas as coisas, lá está.

Fevereiro 21, 2010

Há pelo menos 36 mortos (mas não vamos falar muito disso e escondê-los do mundo, ok?)

Miguel Marujo

"[...] o presidente do Governo regional da Madeira, Alberto João Jardim, agradeceu a solidariedade do primeiro ministro em relação à região autónoma, mas deixou um alerta para que todos se lembrem que a região «vive do exterior» e, por isso, é preciso «ter cuidado com as notícias» lançadas para o estrangeiro.

«Quero agradecer publicamente a solidariedade do sr. primeiro ministro em relação a esta calamidade. Mas deixem-me passar o termo ("calamidade") para dentro de casa», sugeriu.

«Cuidado com as dramatizações, não se pode esquecer que a nossa economia depende muito do exterior, vamos resolver os problemas internamente, não dramatizar muito lá para fora e deixar as instituições funcionar e fazer esquecer nos mercados externos os problemas que houve aqui», acrescentou Alberto João Jardim.

O presidente do Governo Regional disse ainda que «não houve nenhuma incidência grave relacionada com o turismo», por isso, «não vale a pena estar a dramatizar a situação lá para fora»." (in TSF, sublinhados nossos)

 

Claro que sim: a esta hora, a BBC, a Sky News e a CNN internacional têm em manchete nas suas edições online este "problema interno".

Fevereiro 20, 2010

Desfile

Miguel Marujo

Os meninos e meninas que durante meses nos disseram que a crise é que era importante estão hoje a desfilar aqui na Avenida da Liberdade contra o desemprego no País. Ah!, esperem, não: é contra o casamento gay. Mas ninguém lhes disse que eles não são obrigados a casar com pessoas do mesmo sexo?! Ou a crise já passou?!

 

 

(e no fim da manif: um cartaz do PNR "pela família", que será só branca, claro  - e fascistas skinheads a desfilarem de bandeiras negras... é só gente de bem.)

Fevereiro 20, 2010

O paraíso tem fendas

Miguel Marujo

Lê-se na Lusa, sobre a "chuva intensa [que] provoca o caos em vários pontos da ilha da Madeira": "O autarca referiu que a circulação na zona oeste da cidade, onde existe a maior concentração de hotéis, também está complicada, visto que um dos ribeiros da zona do Amparo, nas novas avenidas daquela localidade, foi mal direcionado, transbordou e arrastou pedras até à estrada Monumental." (o sublinhado é nosso)

Esta frase explica como o desmando urbanístico da Madeira, promovido com os milhões em dívida de Jardim, não acautelou o óbvio - a natureza mal direccionada transborda e traz o caos.

Fevereiro 20, 2010

Sou importante (só por osmose)

Miguel Marujo

«Sinto-me fascinado por pertencer à mais poderosa Imprensa do mundo. Nas televisões e jornais portugueses pode faltar tudo, reportagens, bom gosto, palavras coerentes, compaixão, ironia, tudo, até gente, mas não falta quem valha milhões. E não falo de patrões de Imprensa, falo de jornalistas. Desses, que em todo o mundo se compram com salários medianos, por cá têm legitimamente (ou, ouvindo-os, assim parece) o rei na barriga. Então não é que temos uma pivot televisiva por causa da qual um governo empurrou a PT para comprar a TVI por 150 milhões de euros?! 150 milhões parece-vos muito? Amigos, ainda estamos em peanuts, que é como a CNN diz amendoins quando fala da compra da Saab. O Toyota dos jornalistas portugueses acaba de dizer numa comissão parlamentar que o seu patrão perdeu um negócio de 10,7 mil milhões por causa dele. A última vez que uma administração me chamou à pedra por dinheiro tinha eu bebido Coca-Colas a mais do bar do quarto de hotel. Calculo o pó que Belmiro deve ter ao meu camarada José Manuel Fernandes. Mas o interessante é que a mais poderosa Imprensa do mundo quando vai ao Parlamento diz: "Eu sofri pressões e isso é normal" ou "eu sofri pressões e isso não é normal"... Achismos como os do reformado apanhado pelo microfone de um repórter de rua.» (Ferreira Fernandes, Diário de Notícias)

Fevereiro 19, 2010

Os cristãos novos

Miguel Marujo

O Sapo pôs o post anterior em destaque. Agradeço, de facto. Mas logo aqui chegam pessoas que pedem o regresso de Salazar, porque nunca experimentaram uma cela de Caxias, e não conhecendo a casa e o seu autor, ou não sabendo ler, partem logo para o insulto e a insinuação torpe. Triste país, este: a literacia nunca foi o seu forte. Este país cansa - descobrimos que os políticos estão bem para estes comentadeiros.

Fevereiro 18, 2010

Este texto longo é dos dias de hoje. Tenso

Miguel Marujo

[Chinatown, San Francisco, EUA - por MM, 2005]

 

 

Os dias estão estranhos. Temos uma crise anunciada e proclamada há meses, talvez mais de um ano, mas nenhuma cabeça douta que a toma hoje como inevitável a soube antecipar a sério, mais ainda, nenhuma mente iluminada soube apresentar soluções sérias, sem serem as inevitáveis mezinhas do "despeça-se-que-há-gente-a-mais", eles que nunca souberam o que é viver com salários mínimos ou suportar um despedimento que fosse.

 

Neste entretanto, o PS foi reeleito, para horror dessa gente que duvida sempre da democracia quando esta não lhes dá o resultado desejado (apesar de durante anos nos terem consumido com esse argumento sobre Bush, apesar de eleito sem a maioria dos votos). Neste entretanto, um primeiro-ministro deslumbrado com o poder não soube cuidar do novo poder sem maioria e entreteve-se, vezes demais, a ser provedor dos leitores e espectadores de jornais e televisões, sem se lembrar que não era preciso falar em nome de quem sabe (ou acaba por saber) distinguir o trigo do joio.

 

O primeiro-ministro também se deixou enredar (ou mergulhou) num mau thriller político com personagens de opereta, sem currículo nem classe. Com Sócrates atascado nesta lama, provocada ou intencional, a oposição resolveu assobiar para o lado, porque não quer ir a votos agora, apenas por razões tácticas, e vai brincando com o nosso dinheiro aprovando mais despesismo para a Madeira superendividada, sem que se perceba como querem o Bloco de Esquerda ou o PCP justificarem tais desmandos no futuro.

 

De um jorro, estas palavras saem-me descrente da novidade na coisa pública. Há poucos homens em que vale a pena apostar, mesmo apanhados na lide partidária dos dias, como José Manuel Pureza, Edgar Silva, Manuel Alegre e, agora, Fernando Nobre (sim, porque não?). Sou daqueles que crê nos homens e nas mulheres e detesta o maniqueísmo dos argumentos que divide quem está contra ou a favor, sem mais.

 

Sempre baralhei quem me descobre católico e de esquerda, socialista e defensor da laicidade, como agora - votante de Sócrates em dois actos eleitorais - me assumo crítico o suficiente para exigir que se esclareça tudo. Não porque uns quantos jornalistas acham que podem fazer tudo, em defesa da sua liberdade de dizer, não de uma qualquer ameaça à liberdade de expressão que existe (sim) na precariedade de jornalistas e na concentração de grupos económicos. Sim, é a economia, estúpido. É esta que manda em tudo e que estilhaça à superfície com a política quando se sente ameaçada. É contra senhores como os quatro cavaleiros da SEDES que hoje vomitaram de novo as suas soluções liberais de sempre, sem atender às pessoas, que se deve lutar. Mas com argumentos e prática políticos, não com argumentário gasto e reactivo, à escuta ou à varada.

Fevereiro 17, 2010

Sete dias... sem rezar*

Miguel Marujo

 

5.ª

Meu Deus! O desafio que me fazem é o de não rezar durante sete dias. Não sou dos que andam sempre com o credo na boca, mas a incredulidade instala-se à volta: "Mas tu rezas?" - e logo imagino a pergunta a esconder ideias feitas de alguém que bate com a mão no peito ou despeja a ladainha a horas certas. Não é facilitismo dizer que não há burocracia no que entendo por oração: importa pouco a prece interesseira, nem o irresponsável que se encomenda à espera que tudo se resolva por artes mágicas ou pela mão de Deus, que até Maradona convoca para um golo trapaceiro.

 

6.ª

Há coisas que, durante estes dias, procuro evitar, como por exemplo, ouvir "A Paixão segundo São Mateus", de Johann Sebastian Bach, ou qualquer um dos últimos álbuns de Johnny Cash - que podem ser experiências de oração. Não duvide o incauto leitor. Para um crente, a música, as letras e as artes podem ser manifestações de oração. Felizmente, para cumprir o desafio que me propuseram não visitarei esta semana a Capela Sistina ou a Basílica Inferior de São Francisco, em Assis. Apenas um sobressalto, que se repetirá ao longo da semana: acompanhar a graça de uma barriga que cresce lá em casa. E mordemos o lábio.

 

Sábado

Atrabalhar no fim-de-semana, acabo por ter a desculpa perfeita para evitar qualquer missa - seja vespertina, no sábado, ou no domingo. Não, não é pecado, não se preocupem com qualquer lugar cativo deste escriba. Mas nos dias que correm, é de facto complicado ter muitas vezes tempo para parar - e não é em capelas de centros comerciais que me sinto particularmente acolhido. Mas (descansem também os laicistas de serviço) não estendo qualquer tapete na redacção e viro-me para Jerusalém ou Roma. Também não podia: estaria a prevaricar e isso é coisa que não se pede a um crente, mesmo sem rezar.

 

Domingo

"Por amor de Deus" e outras interjeições do género não são modos de oração, são jeito de falar e muleta de linguagem, até para quem se benze perante a ideia de ser católico ou fiel de qualquer outra congregação. Um pouco como o "Jesus", que um qualquer actor repete a cada cinco minutos num filme de Hollywood, à mistura com outros impropérios, e que os tradutores insistem em pôr como "meu Deus" nas legendas de português. Eu, por mim, prefiro a castidade nas palavras e evitar estes dizeres. Mesmo que de oração não tenham nada...

 

2.ª

Quase todos os dias alguém se lembra do desafio. "Então, já rezaste?" - com sugestões de coisas a que me devo dedicar. É confundir a oração com a precezinha, com contabilidade de deve e haver. Mas, argumentam-me, há quem se encomende à senhora de Fátima, com resultados práticos evidentes: em tempos, tivemos um ministro da Defesa que a invocou na protecção da maré negra de um petroleiro na Galiza. Não consta que o mesmo ministro nos tenha explicado porque não nos safou ela de outras marés negras.

 

3.ª

Em dia de folga, dou folga a grandes reflexões sobre o desafio que vai chegando ao fim. Ocupo-me de afazeres domésticos, sem grandes preocupações.

 

4.ª

Um convite inesperado leva-me à catedral para ver Jesus e os seus apóstolos. Esta outra religião tem a sua liturgia muito própria, cânticos e orações de verdadeiros devotos. A vitória do Benfica (sim, é disto que falo, e perdoem-me os outros fiéis, mas quase se pode substituir o nome do clube, que a veneração será idêntica) por 3-0 não obrigou a muitas ladainhas, nem a grandes rezas. Cardozo, Saviola e Rúben Amorim trataram de distribuir a bênção dos golos pelos 33.179 espectadores. Mas, desenganem-se os leitores que me seguiram até aqui: estas orações, digamos assim, eram-me permitidas. Não era este o reino, o desafio que fiz. Sem heresias, regresso aos meus dias. Com mais ou menos orações. Ámen.

 

MORAL DA HISTÓRIA

Pode ser fácil nos tempos que correm esquecermo-nos ou deixarmos passar dias e dias sem rezar. Mas não é nenhuma heresia este desafio. O bom humor também é um antídoto para dias com menos graça.

 

 

 

* - este texto foi escrito para o 24horas, de 7 de Fevereiro de 2010, numa crónica em que um jornalista vive "sete dias" numa determinada situação.

 

Para estes dias da Quaresma, entremos no passo-a-rezar, uma proposta que o Zé Maria me fez chegar. Ouvi apenas a proposta para hoje, quarta-feira de Cinzas, e entre música e textos a experiência é muito interessante. Para ouvir no mp3 que levamos connosco.

 

(a imagem que acompanha este post é a porta de entrada para um site muito bem conseguido.)

Pág. 1/3