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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Julho 23, 2009

O deputado

Miguel Marujo

foto: Armando França/AP

 

 

O rio transbordou e o poeta da terra não teve voz meiga. À janela da sua casa, numa das principais ruas de Águeda, as águas quase tocavam a varanda. Manuel Alegre apontou o dedo à obra mal feita que ajudava as cheias. Ficou famosa a foto: ele sobranceiro às águas, o olhar de que ninguém o cala.

Ninguém o calou, fosse a intervir na vida da sua pequena cidade fosse no PS de que é fundador, mas contra o qual correu nas últimas eleições presidenciais, em 2006. O PS apoiava o regresso de Mário Soares, Manuel Alegre chegou em segundo, atrás de Cavaco. O capital de 1.125.077 votos foi o abono para uma intervenção crítica no PS de Sócrates.

Três anos depois, a ruptura é com a política do actual líder socialista – não com o partido: “Vou tomar posição pelo PS, mantendo todas as divergências e apesar de todas as diferenças sou do PS e manterei a minha posição pelo PS”, disse, depois de anunciar que não seria candidato.

Se não o calam, talvez a sua voz esmoreça a partir de hoje: Manuel Alegre despede-se da Assembleia da República, ao fim de 34 anos. Deputado na Constituinte, Alegre foi eleito sucessivamente nas dez legislaturas. Nas últimas três foi vice-presidente do Parlamento.

Agora promete andar por aí, “mais solto”. “As batalhas que é preciso travar eu costumo travá-las. Na altura se verá”, afirmou há um par de meses, quando questionado sobre uma eventual candidatura às presidenciais de 2011.

Em “quase um auto-retrato” – que disponibiliza no seu site – este amante de caça e pesca, que gosta tanto dos “grandes espaços”, do deserto e do Atlântico à ria de Aveiro, diz: “Aos vinte e poucos anos escrevi ‘meu poema rimou com a minha vida’. Era ainda muito cedo, não sei sequer se é verdade, embora muitas coisas me tivessem já acontecido: amores, partidas, guerra, revoltas, ‘prisões baixas’. O que mais tarde me levaria a dizer: ‘biografia a mais’.” Alegre ainda não acabou de escrever a sua história.

 

[texto publicado no 24Horas, hoje; dedicado à minha madrinha]