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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Fevereiro 21, 2007

Humildades

Miguel Marujo

É revelador que, com o meu anúncio público de voto no Sim, se tenham multiplicado aqui nesta casa comentários de verdadeiros católicos a zurzirem uma inexplicável intolerância sobre essa minha posição - e a minha condição de crente. Houve um que, na cobardia do anonimato como sempre, me instou (tratando-me por tu, como se eu conhecesse gentalha assim): «aproveita a quarta-feira de cinzas e a quaresma para ganhar não "trento na língua", mas humildade no coração» [o comentário era um vómito pegado, apagou-se, e o anónimo desde que obrigo ao registo dos comentários desapareceu]. "Humildes" como estes conhecemo-los ao longe, mas infelizmente estes anónimos escudam-se na arrogância discursiva dos bispos portugueses. Estes "humildes" anónimos é que os acompanham na verdade revelada.

Fevereiro 20, 2007

Ainda o referendo

Miguel Marujo

Hoje, no Público, é dado à estampa este artigo de reflexão de António Marujo. Para ler para lá das verdades reveladas.

Alçapões da doutrina oficial católica na questão do aborto

A doutrina oficial católica e de alguns sectores da Igreja em matéria de aborto tem vários alçapões, antes de tocar o problema maior. Essa foi uma razão para a derrota do "não" no referendo.

1. A recusa da educação sexual nas escolas, com medo dos "valores" que se perdem, da "ameaça" à família, da "redução" à biologia. O resultado desta atitude é que nem (muit)as famílias estão preparadas para educar os filhos nesta matéria nem a escola faz o que poderia fazer. Certo: há também falta de maturidade em muitos professores, predomina em Portugal uma visão estatizante da educação e o sistema de ensino não pode fazer tudo. No seu quarto texto sobre o referendo, o cardeal-patriarca de Lisboa escreveu que a educação sexual "é bem-vinda e necessária". Mas essa não é a ideia de muitos responsáveis católicos. E melhor seria que, em vez da guerrilha, se instalasse um clima de colaboração entre o Ministério da Educação, as escolas, os pais, as comunidades religiosas...

2. A recusa da contracepção e do planeamento familiar. É conhecido que a encíclica que regula esta posição oficial da Igreja, a Humanae Vitae (1968), foi publicada pelo Papa Paulo VI sob forte pressão da Cúria Romana contra a opinião de outros sectores da católicos, incluindo casais. O resultado está à vista: a aceitação exclusiva dos métodos "naturais" de planeamento familiar e a recusa do preservativo ou da pílula são um dos motivos mais fortes para que muitos católicos se afastem da Igreja. Hoje, não faz sentido continuar a investir contra esses moinhos de vento, questão de pormenor no tema mais vasto e esse sim fundamental que é o modo de viver a relação com o outro, a sexualidade e a felicidade. O planeamento familiar não é um problema do método que se utiliza, mas uma questão de como se educa para a maternidade e a paternidade responsáveis. Na prática, aliás, sabe-se que muitos católicos não ligam ao que a doutrina diz nesta matéria e que muitos agentes da Igreja - padres, bispos, mesmo cardeais - não lhe dão em privado a importância que afirmam em público.

3. No aborto, há dramas sérios que as pessoas vivem, situações que só cada um, perante a sua consciência (perante Deus, para os crentes), pode avaliar. Em 1994, o Papa João Paulo II beatificou a italiana Gianna Beretta Molla que, em 1962, decidiu levar até ao fim uma gravidez de risco, sabendo que podia morrer e deixar viúvo o marido (que a apoiou) e órfãos os outros três filhos que já tinha. Uma decisão difícil e legítima. Uma mulher que decidisse abortar para não morrer e poder, assim, acompanhar marido e filhos, não deveria merecer o mesmo respeito da parte de quem anuncia, como se diz, o evangelho da misericórdia? (Para o padre João Seabra, como disse na RTP2, a questão mais importante é insistir no "pecado mortal". Ideias infelizes como esta é que continuam a afastar as pessoas do centro da mensagem cristã.)
Outros dramas sérios podem atravessar-se à consciência de cada mulher e de cada homem na questão do aborto. Mas enquanto não se entender que cada pessoa deve ter a consciência ("santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus", como diz o Concílio Vaticano II) no centro da decisão, a Igreja continuará a lutar sempre contra o mal menor, a reboque de leis e dos costumes.

4. O discurso católico poderia ter sido o da compreensão perante o drama do aborto (por exemplo, para com os casos previstos na lei em vigor desde 1984). Poderia, mesmo, ter sido o de exigir que a lei fosse cumprida de forma a evitar o recurso ao aborto clandestino - esse, um mal maior. Mas ele foi sempre o de se opor ao que viria a seguir. Por tudo isto, o discurso oficial católico perdeu - o oficial, porque na acção prática as coisas são (felizmente) diferentes em muitos casos.

5. A mesma preocupação com o início da vida deveria existir para a vida em processo. É que ela só é digna com possibilidade de cada um se poder realizar, com comida, casa e trabalho acessíveis a todos. É bom ver a Associação dos Empresários Católicos pronunciar-se "a favor da vida", como o fez no fim da campanha. Seria bom ver alguns dos nomes dessa associação recordarem-se desse compromisso na hora de fazer pressões para que as mulheres não engravidem, de decidir ordenados ou despedimentos.

Num âmbito diferente, dois aspectos merecem reflexão: a) outra razão que ajudou ao insucesso do "não" foi o silêncio mediático sobre o trabalho feito pelas associações criadas depois do referendo de 1998 e que têm uma acção meritória de apoio a grávidas, a mães adolescentes e a crianças. Muitos católicos estão empenhados nessas associações, várias delas nascidas à sombra de instituições da Igreja, mas isso é pouco divulgado e conhecido; b) Em 1984, quando a primeira lei sobre o aborto foi aprovada no Parlamento, o objectivo era o de acabar com o aborto clandestino. Oxalá que o país seja capaz, agora, de resolver o problema. Para que, daqui a mais 10 anos, não se esteja a votar num novo referendo.


P.S. - Será lamentável se o PS não legislar para haver uma consulta de aconselhamento e apoio às grávidas; não foi isso que destacados membros do partido andaram a prometer e o próprio primeiro-ministro garantiu na noite de domingo?

Fevereiro 20, 2007

Paisagens destes dias

Miguel Marujo

O Tua lá em baixo, violento, carregado com o luto. E o Douro, ali a cruzar-se, sempre sobranceiro. E o homem que insiste descer e subir aquelas encostas impossíveis.

Fevereiro 18, 2007

Carta aberta a uns senhores que não me querem ouvir - os bispos de Portugal

Miguel Marujo

Retirado da mundaneidade, e numa breve pausa, longe de muita coisa, só agora vejo o texto dos bispos portugueses sobre o referendo. É impressão minha ou os bispos convidam-me a sair da Igreja, se não reflectir para o lado deles - o da "verdade revelada e da doutrina da Igreja"? Não, não saio. Apetece-me andar por aqui a meter um pauzinho na engrenagem. Nestas coisas, senhores bispos, que não são de verdade revelada, nem de doutrina, julgo ser importante discutir - o que os senhores não fazem! - os fundamentos cristãos de quem viu no Sim a resposta mais adequada.

E sinceramente, gostava que esta verdade revelada fosse também examinada por cada um de vós. Em tempos, o (ainda) bispo do Funchal disse-me (numa reunião com dirigentes do MCE) que "isso dos pobres é lá em África". Quando lhe apontei para Câmara de Lobos, D. Teodoro (que sempre pactuou com o Governo Jardim) fez de conta que isso não eram coisas para estudantes discutirem. Pois é, a verdade revelada dos senhores bispos escolhe muito bem os campos que gosta de lutar! Ámen.

Fevereiro 15, 2007

Edelweiss

Miguel Marujo

Cavaco Silva foi eleito por 50,54 por cento de votos nas eleições presidenciais (2.773.431 votantes). Também acho que não se deve "rejeitar a possibilidade de estabelecer consensos alargados" numa matéria que "pode ter causado rupturas na sociedade portuguesa", pelo que sugiro ao senhor presidente que mostre bom senso em afirmações sobre o modo como os portugueses votam. No fim, todos podemos cantar Edelweiss.