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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Agosto 16, 2005

Transporte (sem) Garantir Viagem

Miguel Marujo

Num país onde os debates começam sempre pelo telhado e nunca pelos alicerces, vale a pena olhar para aquilo que é o sector ferroviário para entender o possível futuro do TGV. Não sou especialista, mas algo me diz que o país se atrasou também com o desenvolvimento cavaquista das auto-estradas em detrimento da morte lenta da ferrovia. Outro pormenor, que não é menor, prende-se com o modelo bicéfalo de quem manda no sector: temos a Refer, que manda nas infra-estruturas e comanda e controla a circulação; a CP (e a Fertagus, no comboio da ponte, em Lisboa) garante(m) o transporte. É este modelo que é responsável por coisas bizarras como a que ontem se passou em Loulé: dezenas de pessoas perderam o comboio (da CP) porque este entrou numa linha (da Refer) diferente do anunciado. Explicação da CP: a culpa é da Refer, porque a CP pediu para ser alterada a linha de entrada do comboio e a Refer não o fez. Leram bem. A irresponsabilidade não tem limites. Ao pé disto, como querem que existam já estudos concretos para a viabilidade do TGV? Entraria na linha errada, certamente.

Agosto 15, 2005

A valsa das medalhas

Miguel Marujo

Há um certo país que rejubila com Manoel de Oliveira a ser condecorado em França ou Figo a ser escolhido como o melhor jogador do mundo. Que se envaidece com o êxito dos Madredeus ou sorri com actores portugueses elogiados nas novelas da Globo. Que nunca leu Saramago e gosta de falar mal dele mas que diz que um Nobel é um Nobel. Que aplaude a conquista do Brasil por João Pereira Coutinho e a ida de Durão para Bruxelas. Esse certo país detesta Jorge Sampaio e não percebe que as medalhas ontem entregues aos U2 são um símbolo de alguém que luta contra a pobreza. Se calhar, percebe. Esse certo país no fundo não detesta Sampaio e as suas medalhinhas. Esse certo país odeia pretos e pobres. É racista, provinciano, mesquinho e pequenino.

[ADENDA: o texto de jmf, regressado - e bem -, é outro exemplo desta valsinha das medalhas]
«As férias exemplares. No país onde os juízes, professores e mais uns tantos têm meses de férias. No país onde cada feriado equivale, em média, a dois ou três dias de ausência do trabalho, entre pontes e outros expedientes. No país onde os servidores do Estado têm um vasto leque de cláusulas que legalizam a balda. No país que tudo faz para garantir as mais baixas taxas de produtividade do mundo civilizado e do outro mundo. Nesse país, clama-se que o primeiro-ministro não pode ir de férias. Porque o país «está a arder», como esteve em todos os verões da nossa memória. Porque, obviamente, o exemplo tem de vir de cima. E nós, sem exemplo, somos lá capazes de sobreviver.»

Agosto 13, 2005

contagem decrescente

Miguel Marujo

If you twist and turn away.
It you tear yourself in two again.
If I could, yes I would
If I could, I would let it go.
Surrender, dislocate.

If I could throw this lifeless life-line to the wind.
Leave this heart of clay, see you walk, walk away
Into the night, and through the rain
Into the half light and through the flame.

If I could, through myself, set your spirit free
I'd lead your heart away, see you break, break away
Into the light and to the day.

To let it go and so to find away.
To let it go and so find away.
I'm wide awake.
I'm wide awake, wide awake.
I'm not sleeping.

If you should ask, then maybe
They'd tell you what I would say
True colours fly in blue and black
Blue silken sky and burning flag.
Colours crash, collide in blood-shot eyes.

If I could, you know I would
If I could, I would let it go.

This desperation, dislocation
Separation, condemnation
Revelation, in temptation
Isolation, desolation
Let it go and so to find away
To let it go and so to find away
To let it go and so to find away

I'm wide awake, I'm wide awake, wide awake
I'm not sleeping
Oh no, no, no.

U2, Bad [The Unforgettable Fire, 1984]

Agosto 12, 2005

Obsceno

Miguel Marujo

A RTP está a transmitir um documentário da BBC sobre José Mourinho: «Mourinho, the special one». Imaginem que título lhe deu a estação pública de televisão? «José Mourinho: ganhe como eu», o nome da forte campanha publicitária do BPI com o mesmo Mourinho. Coincidência? Não. No mínimo: OBSCENO.

[actualizado às 21:50: termina o programa. Imaginem que anúncio passa imediatamente a seguir? Sim, bingo! «BPI. Ganhe como eu!»]

Agosto 11, 2005

Foi você que pediu um aeroporto?

Miguel Marujo

No esconde-esconde do ministro Mário Lino, não há ninguém que lhe explique que era melhor publicar agora todos os estudos sobre a Ota, em vez de esperar por Outubro, e anunciar que, nesse mês sim, apresentaria tim-por-tim o orçamento final da obra e a viabilidade em números da coisa? Depois, discutíamos em público (leia-se: jornais, rádios, têvês e blogues) as opções e então sim podia dizer-se ah! e tal! isto não é nada mal ou então precipitámo-nos e vamos rever as nossas prioridades de investimento sem que caiam os queixos no cimento... E voltávamos a ser um país normal.

Agosto 10, 2005

a erradicação

Miguel Marujo

Foste violento, pá. Em férias... escrever sobre bombas e deuses e assim, não se faz, dizem-me, sobre o post anterior que aqui se replicou. Antes incendiar debates estéreis como as presidenciais ou martelar receitas velhas para as florestas. Pelo soundbyte, sai-se de megafone à rua. Mas, em casa, esquece-se o exemplo. O fogo que consome as árvores da política portuguesa devia fazer parar para pensar, mas não: põe-se ar, grave e sério, diz-se que não fazemos política com assuntos sérios e graves, mas atacamos como se nunca tivéssemos responsabilidades no desmazelo e na tragédia que se repete. Ano após ano (a Cibertúlia quando começou em 2003, começou com fogos a atear o debate, vão lá ao arquivo ver). Temos responsabilidades: nas florestas que os proprietários não limpam e depois culpam incendiários que existem na sua negligência, na água que continuamos a consumir a mais, no sequeiro que vamos fazendo deste país, de eucalipto e betão. O melhor mesmo é ir para a praia. Erradicar o pensamento. (Nós não vamos, continuamos a trabalhar. Mas o desejo é esse.)

Agosto 09, 2005

a erradicação de deus

Miguel Marujo

há um deus que assoma violento, implacável, irascível nas explosões de londres e de sharm-el-sheik. já tinha sido assim em nova iorque, depois em bali, madrid, jacarta, casablanca, mombaça, bagdad, num roteiro que parece marcar um novo mapa de terror sem olhar a rostos e credos, ideologias e cores. este deus não é um verdadeiro deus. arrepia, arrepia-se, arrepia-nos. este deus gritado por filhos menores não é misericordioso nem omnipotente. é obsceno, indigno.

o papa bento xvi veio depois pedir aos terroristas que "parassem, por Deus", numa formulação sábia. mas houve quem dissesse que não valia a pena – eles não o ouviriam porque o deus dos terroristas não aceita qualquer outro deus, sobretudo pela voz do representante de uma religião que é aquela que os terroristas também dizem combater ao falarem em cruzados, como se a idade das trevas fosse hoje. e é, argumentam iluminárias clarividentes, que nos dizem que "é a guerra, é a guerra e só assim podemos defender a nossa civilização". vã glória.

eu por mim também acho que deus não é para aqui chamado. em nenhum destes atentados está deus, um qualquer deus. nem Deus pode ser invocado por quem não entende qualquer linguagem de deus. desconhecer deus não é mau, o que é mau é refugiar-se num deus de morte, que não existe. o que existe é um ódio pretensamente "traduzido" para nos manter vigilantes e, pior, para nos meter medo. a esse ódio não se responde com mais ódio. também escusamos de dar a outra face, literalmente. podemos dá-la evangelicamente: construindo com o outro um outro mundo.

pragmáticos, muitos crentes e não crentes, crêem que sou lírico ou, como insultava um jornalista desta praça, um "falso pacifista que se quer render aos inimigos". nem uma coisa nem outra: apenas continuo a entender que o terror de dresden e hiroxima e londres (na segunda guerra) não deve ser repetido – aniquilar o já aniquilado, ou, no caso dos ataques actuais, cair numa espiral de violência que rapidamente nos levaria à orgia sanguinária daquela grande guerra.

erradicar deus, não é erradicar o divino – nem Deus, claro. é erradicar o discurso que insiste na justificação hedionda de um qualquer deus pequeno que torna menores todas aquelas vidas – de quem se alimenta e vive pelo terror.

este texto pode perder-se na espuma dos dias de férias ou na letra propositadamente pequena. não me importa, se a nossa atitude for outra, ao encontro do outro, para que nunca mais nenhum outro invoque o nome de deus em vão ou em socorro do horror. ámen: assim seja.

[originalmente publicado na Terra, que tem um best of imperdível, para estas férias.]

Agosto 09, 2005

Divórcio ao telefone

Miguel Marujo

[toque polifónico, autocarro pequeno]

«- Tenho pouca vontade de falar contigo...
- ...
- ... pelas mesmas razões do outro dia.»

[fim de chamada, autocarro em silêncio]

Agosto 09, 2005

Literatura de Verão

Miguel Marujo

[ou a fleuma britânica, parte II]

A Sky News é um bom canal de informação. O seu site é dinâmico qb. Mas as notícias de entretenimento têm uma qualquer obsessão. Depois de ontem darem conta do problema de Ewan McGregor em fixar-se nos olhos de Scarlett, hoje conta-nos mais uma história relevante sobre boobs - neste caso de Jessica Simpson. Caso para se dizer: a fleuma britânica pode traduzir-se por fixação em mamas. Um pouco como o nosso conhecido Avatares de um desejo. Coisas saudáveis, portanto.

Agosto 09, 2005

[mms]

Miguel Marujo


De uma amiga, por mms, do Porto Santo: «Só numa região como esta é que poderia haver um bar dedicado a ti». Ainda não me decidi se é um elogio...