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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Outubro 21, 2004

Viagens cinematográficas

Miguel Marujo

Há quem goste de voar e quem prefira ter os pés bem assentes na terra.

Apesar de esta revelação poder surpreender alguns dos meus melhores amigos, eu pertenço ao segundo grupo. Se pudesse, trocaria todas as viagens que faço de avião por umas boas estuchas de carro, de preferência sendo eu a conduzir.

Mas, quando tem de ser, lá vou até ao aeroporto, faço o check-in e tomo o meu lugar no avião.

Foi o que aconteceu na viagem para Tóquio: teve de ser.



Ora como não há nada de muito interessante para fazer a bordo de um avião, ocupei uma parte importante das mais de duas dezenas de horas de viagem a ver filmes. E vi vários!

Vi, por exemplo, o «Spider-Man 2». E vi também «The Day After Tomorrow». E até vi «Mean Girls». Mas, confesso, o que me deu mais gozo foi ver aqueles que ainda não chegaram a Portugal: «Laws of Attraction», «The Manchurian Candidate» e, sobretudo, «Code 46».



«Laws of Attraction» é uma comédia romântica à inglesa, realizada por Peter Howitt (responsável, entre outros, por «Sliding Doors» e «Johnny English»). Vive, sobretudo, das presenças de Pierce Brosnan e de Julianne Moore, que interpretam os papéis de dois advogados especialistas em divórcios que acabam por se casar e apaixonar (sim, por esta ordem). O costume...



«The Manchurian Candidate» é um remake do filme de 1962, desta vez realizado por Jonathan Demme. Conta com interpretações fantásticas de Denzel Washington e Meryl Streep e a presença certinha de Liev Schreiber. É a história de um grupo de soldados norte-americanos que, em plena Guerra do Golfo, são raptados e vítimas de uma lavagem cerebral com fins sinistros. Mas é também a história da promiscuidade entre os interesses económicos privados e os detentores de cargos públicos. E, desse ponto de vista, faz lembrar a realidade...



Por fim, «Code 46». É difícil catalogar este filme... Romance? Drama? Ficção Científica? Talvez um pouco de cada... Realizado pelo inglês Michael Winterbottom («24 Hour Party People») e contando com as presenças fortes de Tim Robbins e Samantha Morton («Minority Report»), «Code 46» é uma curta história de amor num ambiente futurista, no qual o romance entre os dois protagonistas é impossibilitado por uma incompatibilidade genética decretada por um governo global e totalitário. A história tem um pouco do determinismo genético de «Gattaca», das limpezas de memória de «Men in Black», do controlo social manipulador de «Minority Report», da descoberta cosmopolita de «Lost in Translation» e da violência futurista de «Clockwork Orange». E tem, além de tudo, um cameo de Mick Jones (The Clash) a interpretar uma versão de «Should I Stay or Should I Go?» num bar de karaoke... Lindo!



Outubro 21, 2004

Tóquio, vista da Baixa

Miguel Marujo

O prometido é devido!

Lamento não ter podido dar notícias mais cedo, mas é incrível a quantidade de trabalho que se acumula na nossa secretária quando estamos 17 dias fora... Impressionante!

Assim, depois de ter passado os últimos três dias a tentar descobrir o tampo da mesa sob os papéis, reservei estes dez minutos para transmitir algumas breves impressões sobre Tóquio. Mais tarde, com mais tempo e com mais calma, farei uma análise mais profunda sobre a minha experiência em terras nipónicas.

Para já, queria dizer que gostei. Muito!

Tóquio é uma cidade enorme e altamente populosa, disputando com Xangai o título de cidade mais populosa do mundo. Devem ser aí uns 20 milhões de almas (e corpos) ou qualquer coisa do género (mais milhão, menos milhão, ninguém nota), mas a verdade é que, apesar do completo caos urbanístico, Tóquio é uma cidade acolhedora!

Não é algo que se note logo à chegada, até porque os factos de (quase) ninguém falar inglês, de os transportes públicos serem extremamente caros e de os tufões trazerem consigo chuva e vento em quantidades extraordinárias, não ajuda nada a ter uma boa impressão da cidade.

Mas, à medida que vamos calcorreando as pequenas ruas e as enormes avenidas, que nos vamos deliciando com a arquitectura arrojada e os parques magníficos, que vamos começando a conseguir estabelecer alguma comunicação com os nativos, que as montras das lojas começam a fazer sentido e a revelar algumas bagatelas, que o sol rompe o manto de nuvens e derrama sobre a cidade a sua luz e que as caras das pessoas começam a parecer-nos familiares e, até, bonitas, Tóquio revela o seu charme e conquista-nos.

Se alguma coisa se pode dizer sobre Tóquio, que faça sentido em poucas palavras e seja simultaneamente verdadeiro e justo, é que Tóquio é uma cidade de contrastes. Contrastes que são visíveis na convivência entre o funcionário de fato armani e a senhora de quimono na mesma carruagem do combóio; na proximidade da agitação radical do bairro da Harajuku e da calma divina do santuário Meiji; na diferença de alturas dos arranha-céus de Shinjuku e das casas unifamiliares do bairro Yanaka; na familiaridade da arrojada Tokyo Tower com o bairrista Parque Shiba; e em milhões de outras coisas.

Mas não basta dizer de Tóquio que é uma cidade de contrastes; é preciso também dizer que é uma cidade de tolerância activa. Uma cidade em que as diferenças são reconhecidas, levadas aos extremos e, ainda assim, respeitadas e valorizadas. Uma cidade em que o civismo, no seu sentido mais bonito (aquele que remete para a noção de cidadania) se impõe da forma mais natural possível e em que as pessoas parecem perceber, porque chegam a exalar, a máxima de que a sua liberdade só começa verdadeiramente quando a liberdade dos outros se encontra igualmente garantida.

Por isso, a circulação em Tóquio não é caótica; por isso, Tóquio é uma cidade segura; por isso, Tóquio é uma cidade capaz de acolher 20 milhões de corpos que não se esmagam, não se empurram e não se atropelam; por isso, Tóquio é uma cidade em que toda a gente sorri e se saúda respeitosamente; por isso, Tóquio é uma cidade que concilia trabalho árduo e diversão louca; por isso, Tóquio é uma cidade que nos fica no coração, que deixa saudades e que nos obriga a querer voltar.

Tóquio é muito diferente de Lisboa e eu sei que não percebi nada de nada e sei que não posso falar de Tóquio como se fosse um profundo conhecedor da cidade. Sei que não posso e, por isso, não o faço. Sei que tudo o que digo sobre Tóquio não passa de um conjunto de impressões soltas, provavelmente muito afastadas da realidade. Sei que é muito fácil gostar de uma cidade na qual se está apenas de férias e que essa experiência é muito diferente das daqueles que lá vivem e trabalham todos os dias.

Mas, quem dá o que tem, a mais não é obrigado. E este conjunto de impressões é tudo o que eu tenho para partilhar. Podem não ser exactas, mas são sinceras.