Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Março 22, 2004

O fazedor de partilhas

Miguel Marujo

Foi há uns anos. Defronte da catedral de Barcelona parámos inebriados. Andávamos assim há horas, a passear pelo Bairro Gótico, entre ruelas e pessoas, e parámos. E, de novo, inebriados, fomos rondados por mulheres de gestos alegres e ciganos, que nos prometiam este mundo e o outro. E entre um cravo que nos vendiam e o sonho de Abril em Janeiro voaram cinco mil pesetas (sim, ainda não existiam uniões de facto entre moedas), enquanto na carteira jaziam quase inúteis duas notas de mil escudos. Abençoadas mãos, que seleccionaram o trigo do joio. O Edgar exultava por não ter sido ele o ludibriado - e falava de partilha dos bens. Ontem e hoje, lembrei-me da história, por alguém estar a exultar de alegria com o meu telemóvel que fotografava a Mariana e o Lucas e registava mais de 100 números de telefone...



Corri para a estante de onde retirei «El hacedor», Jorge Luis Borges na versão de bolso da Alianza Emecé. Lá dentro, no papel já amarelecido, o Edgar registou o dia do encantamento: «No teu aniversário em Barcelona quando te roubaram o dinheiro». Cru como a vida.

Março 22, 2004

Do fim-de-semana

Miguel Marujo

1. A melhor crítica de cinema que li nos tempos mais recentes não foi escrita por um crítico de cinema. Foi escrita por alguém que gosta de cinema.



2. «Al-Qaeda "fabricou" prestígio de Bush». Um dos textos mais inteligentes sobre a manipulação da verdade e as eleições de Espanha. Para Pacheco ignorar, claro.



3.«Há um ano começou a contagem»: 10.618. Números que incomodam um mundo que continua perigoso, mesmo depois do Iraque.



4. 200 mil pessoas passam fome, clamava ontem o Público. O trabalho é baseado em pessoas (sérias, competentes) que há anos lidam no terreno com esta realidade (e estes números). Mas Pacheco não gostou, claro. E duvida do trabalho dos jornalistas, claro. Porque os números (também aqui) incomodam.

Março 19, 2004

A paixão, de novo

Miguel Marujo

Em tempos, um crítico de cinema virou-se para um jornalista que o acompanhou a uma projecção de um filme que poderia causar alguma polémica, «O Padre», para rematar: «Mas isto não é cinema!». Antes, a conversa ia animada - sobre as questões que eram colocadas pelo filme... Homossexualidade, celibato, segredo de confissão: tudo ficou no caixote da sentença definitiva: «Não é cinema»!



Já fui ver «A Paixão de Cristo», de Mel Gibson. Antes tinha comentado aqui alguns aspectos do filme, como a «extrema violência». Aquele corpo dilacerado que nos entra pelos olhos, pelos ouvidos, pelo corpo todo - é uma manifestação quase obscena de sofrimento. Meço as palavras: ouve-se o sangue a jorrar, a carne a ser rasgada.



Sim, sei que a tortura infligida aos prisioneiros de Roma era aquela. Mas ficaria este Jesus mais diminuído se a sua tortura fosse menos "gráfica"? Não creio. Este repisar da violência incomoda - digo-o agora, sem ser na condicional. E não creio ser uma questão eventual lateral: Mel Gibson assumiu-o em muitas entrevistas e há quem não desgoste deste «comprazimento com o lado meramente dolorista do cristianismo». A mim desgosta-me que seja todo um programa esse sofrimento. Sem negar a violência daquela «paixão», prefiro sublinhar (já o tinha dito, reafirmo-o) o carácter mais distintivo da Ressurreição.



Nestes apontamentos sobre o filme cabem duas ou três notas sobre o trabalho especificamente "cinematográfico": gosto da fotografia, não gosto da música (era difícil fazer melhor, depois de «Passion», a única coisa boa de «A Última Tentação de Cristo»), gosto de Maria e do seu olhar, não gosto da representação de Satanás.



Num texto longo sobre o filme, o poeta Pedro Mexia fala da credibilidade que ganham aquelas personagens com os diálogos em aramaico e latim. E sentiu que as palavras dos Evangelhos assim ditas têm «mais força», e «isso não [lhe] foi indiferente». E remata: «Mas isso, repito, não é cinema», como dizia há uns anos aqueloutro crítico de cinema.



É cinema. Se o cinema não nos interpela, não nos provoca, não nos diverte, não nos faz chorar ou rir, para que é que nos interessa o cinema? Seria uma «paixão» com pouco sentido. Como a de Mel Gibson.

Março 18, 2004

A ETA é terrorista! A Al-Qaeda é terrorista!

Miguel Marujo

Mas as mentiras das democracias não servem! Não podem servir! Outro mundo, sem guerra, é possível!



O post indigno de Pacheco Pereira (link ao lado):

«20:25 (JPP)

BASTA YA

Gente que não é capaz de dizer a simples frase "a ETA é terrorista", usa de forma indigna o nome de "Basta Ya", a organização mártir da luta contra a ETA, para convocar uma manifestação em Lisboa.»

Março 18, 2004

Entre as paixões e os temores, parto à descoberta

Miguel Marujo

Voz amiga apontou-me um afunilamento de temas - entre o 11-M e a Paixão de Mel Gibson, com pequenos apontamentos bloguísticos. Reconheço: mas também assim (me) descubro coisas novas, reconheço portos de abrigo e mestres de palavras. Já perceberam - devo continuar neste registo... Que venham de lá outros confrades com outros sobressaltos. [Até nas caixas de comentários, para visitantes ocasionais ou amigos de sempre.]

Março 18, 2004

Despedida (longa) de solteiros

Miguel Marujo

Confesso: nas últimas semanas já não acompanhava aqueles «classificados» com a mesma alegria. Mas as saudades dos Açores, os roteiros de viagens, ou a resignação de ser benfiquista faziam-me regressar lá. Descubro agora (pelo sempre atento mestre de Aviz), que os rapazes já não desejam casar. Também não procuram amantes, nem divórcios. Nem sequer quiseram «dar um tempo» à relação que ali crescia todos os dias. Apenas anunciam o «fim». E, por agora, estão em despedida... Vão lá! Há despedidas de solteiros que valem bem a pena.

Março 17, 2004

Golpes

Miguel Marujo

Houve quem se apressasse a matar a blogosfera portuguesa. Demasiado cedo, como provam blogues novos e os debates que por aí andam. E há golpes de vista que nos provam o contrário! E se a Ana o recomenda como recomenda...

Março 17, 2004

Ortegi no poder

Miguel Marujo

À direita, em Espanha e Portugal, grita-se que as bombas ganharam em Madrid. Pergunto: se o atentado fosse da ETA e Rajoy e o seu PP tivessem ganho, seria legítimo Zapatero dizer: «A ETA ganhou em Madrid»? Não, não seria. Está visto: a democracia digere-se com facilidade, se for a direita a ganhar. Se for a esquerda, os bombistas é que ganham...

Março 16, 2004

Sobressaltos

Miguel Marujo

Ontem e hoje, à volta da mesa, encontros que perduram nos dias. E na memória. Para fazer da memória projecto, para fazer da figueira fruto. Ontem à noite, entre os dois encontros, um corpo dilacerado que entrou pelos olhos, pelos ouvidos, pelo corpo todo, em «Paixão de Cristo». Haverá possibilidade de encontro, aqui?

Março 16, 2004

Sobressalto católico

Miguel Marujo

Em demanda googlística, à procura de uma imagem ou uma página que ajudasse a ilustrar aos nossos leitores quem é o Seabra da questão, encontrei uma pérola do economista católico de serviço: João César das Neves fala-nos de «um padre». Faltou-lhe a coragem suficiente para titular o texto como «O padre».



Afinal, escreve o escriba-economista-catequista, «com a sua "desfaçatez na Fé" só sei de outro [padre], um polaco chamado Karol Wojtyla». Assim, tal e qual. E anda a comunicação social distraída a pensar em José Policarpo como próximo bispo de Roma. Esqueçam: está aqui!



César das Neves ilumina a nossa vida sobre a vida e obra de Seabra: «O livro [deste padre] é, pois, uma notável mistura de catecismo, geopolítica, moral prática e história. Na clareza da argumentação, na contundência das comparações, sente-se o que tanto foi repetido nos milénios da Igreja: "Vieram para discutir, mas era--lhes impossível resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava" (Act 6, 9-10).»



Depois disto, falta-me a clareza da argumentação ou a contundência das comparações (exemplo: «A Europa é o nariz da Ásia. Se a Ásia se assoa, a Europa desaparece. (...) A Europa é o Cristianismo ou não é nada»). Frágil me confesso: as minhas certezas são as minhas dúvidas.

Março 16, 2004

Sobressalto cómico

Miguel Marujo

Em demanda blogosférica encontrei uma página que se apresenta singelamente por «João Seabra». Sobressaltado, a imaginar o padre trauliteiro de Santos-o-Velho a entrar no reino dos blogues, cliquei no endereço. Afinal, descobri que a comédia é outra: trata-se da página sobre «A vida de um Stand Up Comedian».

Março 16, 2004

Passou um ano

Miguel Marujo

Faz hoje precisamente um ano que Durão Barroso assumiu a responsabilidade de acolher, na Base das Lajes, aquela que ficou conhecida pela Cimeira da Guerra. Dos quatro protagonistas de há um ano, só já sobram três: Aznar e o seu PP foram castigados pelos espanhóis, entre outras coisas por causa da participação da Espanha na guerra contra o Iraque. O seu sucessor socialista, Zapatero, já anunciou que as tropas espanholas destacadas no Iraque vão regressar a casa. A "Velha Europa" rejubila; os aliados de Aznar mostram-se preocupados.



Entretanto, por cá, o mesmo Durão Barroso que trouxe todos os chefes guerreiros aos Açores, colocando Portugal na primeira linha da coligação que haveria de bombardear, invadir e ocupar o Iraque, levando-lhe o caos e a morte e a destruição; o mesmo Durão Barroso que diz ter visto provas que, hoje, todo o Mundo reconhece nunca terem existido; o mesmo Durão Barroso que se prestou a participar numa encenação ridícula que pretendia mostrar aos espanhóis que os governos europeus apoiavam Mariano Rajoy e o PP; o mesmo Durão Barroso que não resistiu a desfilar, ao lado de Aznar e de Berlusconi, numa manifestação que fazia parte da estratégia mentirosa e vergonhosa do governo espanhol para retirar dividendos eleitorais da morte de 201 seres humanos; esse mesmo Durão Barroso, primeiro-ministro de Portugal, veio hoje garantir que não há qualquer ameaça terrorista credível dirigida contra o nosso país.



Eu gostaria de acreditar, mas a verdade é que já há muito que as "garantias" do primeiro-ministro Durão Barroso deixaram, elas sim, de ser minimamente credíveis. Acaso terá o nosso primeiro visto provas da não existência de ameaças terroristas dirigidas contra Portugal? Ter-lhe-ão sido fornecidas essas provas pelo aliado e amigo George W. Bush? Serão os serviços de informações e segurança portugueses mais eficazes e mais competentes do que os seus colegas norte-americanos e/ou espanhóis?



Diz o primeiro-ministro que nenhum país no mundo pode estar absolutamente imune a atentados terroristas. É verdade. Ainda que também seja verdade que há uns menos imunes do que outros... Mas se isso é verdade, porque raio vem o primeiro-ministro dizer que não há ameaças terroristas contra Portugal e que, por isso, devem os portugueses estar tranquilos?!



Sejamos sérios e comecemos já por pôr de lado o nosso proverbial machismo: estamos todos preocupados. Alguns de nós, só estamos preocupados desde a semana passada; mas há outros que já estamos preocupados há muito tempo. Para este últimos, os atentados de Madrid vieram apenas reforçar a falta de tranquilidade.



O primeiro-ministro Durão Barroso bem pode tentar tranquilizar os portugueses. Eu, pela minha parte, não só ficava mais tranquilo mas também mais agradado, se o Governo português não esperasse que o drama acontecesse para, depois, tomar medidas. Preferia que retirássemos já as nossas tropas, que retirássemos já o nosso apoio à acção ilegal dos EUA e do RU e que engrossássemos, como país, as fileiras daqueles que ainda acreditam, como nos mostraram os nossos irmãos espanhóis, que o terrorismo deve (e só pode) ser combatido através da cidadania, da democracia, do diálogo e da tolerância activa.



Passou um ano. 366 dias. Muitas mortes. Demasiadas mortes.

Basta ya!