Uma pequena pausa na leitura dos dias e dos trabalhos, para actualizarmos a lista de outras leituras. Temos novos "links" na coluna de blogues de visita essencial: «A bordo», «Midrash», «O Céu ou Las Vegas» e «Timshel».
O Diogo já disse (quase) tudo sobre o essencial nas eleições de Espanha. Eu, por mim, peço desculpa por voltar a "ele": Pacheco Pereira. Começou por escrever no seu Abrupto que, «em democracia, o povo é quem mais ordena. É tão simples como isto e, antes de ficar complicado, deve continuar assim simples.» Eram 8h48 de hoje. Duas horas e pouco depois (às 11h15), desenvolve a sua ideia de «democracia simples»: «[Os olhos da Al-Qaeda] Vêem a bomba ter resultados que lhes convém, vêem o terror a dar resultados políticos. Eles não vão fazer a distinção entre as culpas do PP e os méritos da bomba. Eles são gente mais pragmática do que parece, ponderam as vantagens e inconvenientes de repetir a bomba, onde e como.»
Ainda não percebeu Pacheco que «(...) os povos estão fartos de guerras, do terrorismo, da escalada de violência e que desejam profundamente a paz, a tolerância e a compreensão», como sublinhou o Diogo. Mais: Pacheco Pereira ainda não percebeu que as pessoas se fartaram da mentira.
O impacto do terror dos atentados do 11 de Março, nos quais morreram 200 pessoas, deu lugar a protestos para exigir ao Governo clareza na investigação policial e criticar directamente o PP. A sombra da Al Qaeda e, sobretudo, a participação espanhola na guerra no Iraque, serviram de pano de fundo.
Catalunha e a crise de Carod-Rovira
A convulsão política provocada pela reunião do líder da ERC, Jospe Lluís Carod-Rovira, com a ETA e pelo posterior anúncio de tréguas, ameaçou a estabilidade da coligação tripartida que governa a Catalunha e atingiu Zapatero num dos seus pontos mais fracos: a sua real influência sobre o PSC. No entanto, o PSOE consegue uma subida importante na Catalunha (mais 430 mil votos e mais 4 deputados) e, pela sua parte, Carod-Rovira não só salva a sua carreira política, mas também sai ganhador da sua aposta: sobe de um para oito deputados. A CiU é directamente prejudicada por esta subida republicana.
O Senado nas mãos do PP
Apesar de no Senado também se produzir uma reviravolta significativa, o PP continua a ser o partido mais votado, pelo que os socialistas terão de negociar na câmara alta para conseguir a aprovação das suas leis.
ZP e a mudança tranquila
Rodríguez Zapatero chegou sem alarido ao PSOE, quase por acaso. Foi acusado de "brando" dentro do seu próprio partido, até há poucos dias. A aposta do líder socialista, que teve inúmeros revezes, foi o pacto e o diálogo contra a "luta" política. E a mudança tranquila tornou-se realidade.
O adeus de Aznar e o seu sucessor
Aznar cumpriu a sua promessa de governar apenas durante duas legislaturas e deixou como legado o reconhecimento económico e uma sociedade dividida. Designou Mariano Rajoy para que continuasse a sua obra, preterindo Rodrigo Rato. Rajoy apresentou-se como o continuismo do PP e assumiu o balanço do governo de Aznar, o que, no fim de contas, se virou contra ele.
Bom para a esquerda, mau para a IU
Ainda que Gaspar Llamazares tenha dito que "o povo derrotou a direita autoritária e mentirosa", estas palavras não ocultam um dado catastrófico para a coligação comunista: uma redução de mandatos e uma descida abaixo dos 5% de votos, o que a impedirá de formar um grupo parlamentar próprio.
Uma participação avassaladora
Sem atingir um record histórico, a participação foi uma das chaves da vitória do PSOE: 8.5 pontos percentuais acima da registada em 2000. A base do PP é muito firme, já que apenas perde 700.000 votos. A derrota dá-se pelo aumento da votação socialista: três milhões de votos mais do que há quatro anos.
Andaluzia
Manuel Chaves fez coincidir as eleições autonómicas andaluzas (que o PSOE venceu com maioria absoluta) com as gerais com uma intenção evidente: arrastar com o seu poder eleitoral o voto socialista para Zapatero. E conseguiu-o. Nem mais nem menos do que oito deputados mais.
A matemática pós-eleitoral
O PSOE fica a 12 lugares da maioria absoluta (176). CiU, ERC, PNV e IU perfilam-se como candidatos para alcançar pactos de governo ou acordos pontuais que garantam a governabilidade, sem descartar outros grupos mais ou menos afins, como os nacionalistas galegos (BNG) e aragoneses (CHA). Mas há um dado a reter: a trindade que governa a Catalunha (PSOE, ERC e IU) tem peso suficiente para governar Espanha.
O PSE
No panorama político do País Basco, o equilíbrio entre nacionalistas e constitucionalistas mantém-se. Mas os socialistas (PSE) substituem o PP na posição de fiel da balança, com o Plano Ibarretxe no horizonte.
O PSOE conseguiu uma vitória contudente, inesperada e marcada pelos atentados do 11 de Março. José Luis Rodríguez Zapatero conseguiu dar a volta às sondagens e obteve quase 11 milhões de votos, que valeram ao PSOE 164 deputados. O PP, por sua vez, perdeu mais de 30 lugares, deixando Rajoy com um péssimo resultado (148 deputados).
Os efeitos dos atentados da passada quinta-feira (e, sobretudo, da forma como o governo do PP os geriu) parecem ter sido decisivos na viragem eleitoral. A oposição à guerra no Iraque e os pedidos de explicação sobre a autoria dos atentados terroristas foram sinais que o PP não entendeu e que podem muito bem ter estado na origem da sua derrota eleitoral.
Mas, para além dos dois partidos mais votados e que decidem entre si as vitórias eleitorais, há outros sinais que importa reter. Os partidos nacionalistas bascos e catalães convertem-se em forças pequenas mas com muito peso no Parlamento, indispensáveis para formar governo: a CiU perde apoio, mas confirma-se como terceira força (10 deputados); o PNV mantém os seus 7 deputados; a ERC, por fim, é o outro grande vencedor e passa de 1 para 8 deputados, apesar do escândalo Carod-Rovira e da trégua da ETA na Catalunha. A Izquierda Unida, por outro lado, é o outro grande derrotado: vítima do voto útil a favor dos socialistas, cai de 8 para 5 deputados e fica abaixo dos 5% dos votos.
Mas o dado mais relevante das eleições de ontem é o aumento da participação, 8.5% superior à que se tinha registado nas eleições de 2000. Relevante porque explica a vitória socialista (mais 3 milhões de votos do que em 2000, apesar de o PP apenas ter perdido 700 mil votos), mas, sobretudo, pelo que significa de manifestação cívica de resposta ao terrorismo e à arrogância e abuso de autoridade que o governo do PP tinha mostrado nas últimas 48 horas.
Tal como eu tinha desejado ontem, os eleitores espanhóis castigaram o PP e deram o poder ao PSOE. Para mim, é um sinal de esperança. Não só pelo que significa a substituição de um governo de direita por um governo de esquerda, mas sobretudo porque na primeira ocasião em que os eleitores foram chamados a referendar um governo que apoiou a guerra no Iraque, mostraram o seu descontentamento e acabaram por lhe retirar o poder. Para mim, este é um sinal importante de esperança: os cidadãos estão atentos e sabem escolher a paz. Se a tendência se mantiver, no próximo mês de Novembro John Kerry destronará George W. Bush. Pode ser que nessa altura os governantes se convençam de que os povos estão fartos de guerras, do terrorismo, da escalada de violência e que desejam profundamente a paz, a tolerância e a compreensão. Pode ser que nessa altura os Pachecos Pereiras e Josés Manuéis Fernandes deste mundo tenham de engolir as suas palavras, se forem suficientemente dignos para o fazerem.