A tentação é grande - vir à net e não blogar... Não resisti, homem de pouca fé que sou, e vi-me a espreitar os «clássicos». E aí percebi que a Flor de Obsessão vai acabar. O blogue de Pedro Lomba, com quem tantas vezes aqui andámos às turras (sozinhos que, ele a nós, não nos ligou nenhuma), vai acabar - e de vez. Lomba diz que apagará os registos da blogosfera. Sem deixar rasto do que escreveu. Nós lamentamos - o fim, o fim do arquivo, tudo. Deixamos de ter alguma da direita interessante (que há, que há), que (ainda) anda por aqui. Mas, na despedida, Lomba escreve algo que mais do que português fala muito também da direita (peço desculpa, por polemizar na hora da despedida).
«Nós somos os únicos habitantes deste mundo que deixamos as coisas a meio, que não terminamos nada, que saímos quando ninguém espera. Adiar, interromper, parar, são verbos muito portugueses. Eu sei disso. Eu tenho todos os defeitos dos meus compatriotas.» De repente, só me lembrei de Santana Lopes...
Freitas do Amaral deixou ontem escapar na SIC Notícias que a direita portuguesa está a ser pouco inteligente em relação à sua pessoa. E explicou: ele é de direita, recolhe simpatias ao centro e à esquerda, tem tido posições moderadas e de consenso. Perante isto, esperava Freitas, a direita portuguesa deveria olhar para ele e dizer: «Epá (a direita não diz epá, mas desta vez passa), o gajo até, se calar, consegue ganhar esta gaita das presidenciais, arruma-se ai o Santana e o Cavaco, que voltou ao tabu, que se lixe».
Esta é a ideia de Freitas. Uma ideia de quem evoluiu demais para a direita que existe hoje em Portugal. Dois exemplos para esta frase: quem despenalizou o aborto em França foi a direita, quem ainda ontem à noite falava que os esquerditas tinham dado cabo da economia a 11 de Março de '75 foi Paulo Portas, o jovem.
Freitas está assim condenado ao limbo. Ele lá tinha razão no nome do partido, Centro Democrático Social. Ele até defendia a ideia de Deus e da democracia cristã, adepto do Vaticano Segundo, da Rerum Novarum.
Mas estes senhores que pegaram agora na «direita» portuguesa estão ali porque a geração de Freitas fugiu a sete pés. E a geração de Freitas à esquerda ainda mexe.
O que o ex-candidato presidencial não percebe é porque não pode agora o CDS/PP tomar um Ulcermin, uns sais de fruto, como o PCP tomou, e engolir um candidato consensual. Freitas não é um pacóvio, é um consensualista, até pode ter participado no arrepio do «integralismo lusitano». Mas os seus escritos e a sua participação pública não chocam os mais atentos. Não se enreda. Evoluiu. Fez o que queria: Prá frente Freitas, já que Portugal não o quis em 1986.
Será que Santana ou Cavaco são melhores Presidentes que Freitas?
E, ao cingirmo-nos a esta questão, a resposta parece dramática. Não que Cavaco fosse um péssimo presidente. Mas falta-lhe um lado magnânime, um lado de charme político, uma certa credibilidade internacional e, julgo, uma inversão do radicalismo com que deixou a vida política - se bem se lembram a comer bolo-rei de boca aberta.
Mas a direita não vai sequer avaliar a hipótese do «Judas» do Amaral. A direita, uma vez conservadora, outra vez liberal, tornou-se hoje, um pouco por todo o lado, um nicho onde neo-liberalistas, neo-capitalistas e neo-empresários que vêem na liberalização dos despedimentos a saida para a crise se sentaram com o poder.
A democracia-cristã só enche a boca aos que, no poder, tentam a todo o custo safar-se dos rótulos impropéricos que o centro e o centro-esquerda lhes tenta colar. Quase que apetece dizer que, 30 anos depois, enquanto a nossa esquerda acaba a adolescência, do outro lado começa o «complexo de direita».
Freitas não se encaixa em lado nenhum. À esquerda, BE e PCP não o podem apoiar (antes o Boaventura Sousa Santos ou mesmo a Lurdes Pintasilgo). Mas pode existir um pauzinho na engrenagem: Mário Soares.
Será que o «bochechas», vendo o drama Guterres-Constâncio, não irá obrigar o seu PS a tomar sais de fruto e apoiar Freitas? Será que a ironia final da vida de Soares e do PS de Soares vai ser derrotar a direita com a bomba atómica direitista de 1986?
Não tenho lido blogues, quase nem espreitei os jornais, não vejo noticiários. Tudo isto há mais de 24 horas. Lá para baixo falamos do Mediterrâneo e do World Press Photo. E temos o melhor êxito musical dos 30 anos do 25 de Abril em linha.