Para vos provar que abortos há mesmo muitos, tomo a liberdade de citar aqui o Frederico Pombares. Este senhor, que eu não conheço, é um visionário. A 25 de Setembro, postava ele, no seu Blog de Notas, a seguinte pérola:
Novo referendo sobre o aborto.
Entretanto, ouve-se dizer que o país vai ser, de novo, referendado sobre o aborto. Ao que consegui apurar, a questão que será exposta aos cidadãos já está formulada e é aqui avançada em primeira mão. A saber:
Já que toda a gente resolveu começar a mandar bitaites, eu também não quero ficar calado!
Quando eu era pequenino (ou menos gordo), na escola primária, chamava-se "aborto" às miúdas feias, aquelas que ninguém queria. Depois, mais tarde, "aborto" passou a ter outro significado. Na catequese diziam que era um coisa má. Que as mulheres más faziam. Na catequese nunca ninguém me disse o que era uma violação. Só fiquei a saber ao certo o que era uma violação quando vi, à escondida dos meus pais, um vídeo de um filme com o Dustin Hoffman chamado "Straw Dogs". Fiquei a perceber, nessa altura, que uma violação também é uma coisa má. Mas não estabeleci nenhuma ligação ao tema do "aborto". Nem à catequese. Depois, fui crescendo (e ficando mais gordo). E fui sabendo e entendendo outras coisas. E fui fazendo ligações. Um dia, chamaram-me para me pronunciar em referendo sobre a despenalizãção/liberalização do "aborto" que, nessa altura, se chamava IVG. Muita gente tentou convencer-me que, sendo eu católico, teria que votar "não". A verdade é que também aqui não vislumbrei qualquer ligação. Além disso, ser católico não quer dizer que não se tenha uma cabeça cheia de células ditas cinzentas que nos permitem pensar e fazer as nossas opções. Votei "sim". Entretanto, outros (alguns, na verdade, eram os mesmos) tentaram convencer-me de duas coisas: em primeiro lugar, corolário lógico dos acontecimentos passados, que eu não era um bom católico; em segundo lugar, que como os poucos portugueses que tinham ido votar tinham votado maioritariamente "não", então o assunto estava arrumado.
O problema, meus amigos, é que o assunto não está arrumado. Mesmo que o número de votantes tivesse sido superior a 50% dos eleitores inscritos, nenhuma decisão tomada por referendo é imutável. Era o que faltava! Se os deputados são eleitos de quatro em quatro anos e o Presidente da República de cinco em cinco, porque raio é que o resultado de um referendo haveria de ser eternamente válido?!
Hoje passei muito tempo no trânsito de Lisboa e, por isso, pude seguir, através da TSF, o debate no Parlamento. O PSD bem pode tentar disfarçar como quiser e puder, mas a verdade é que já ninguém duvida que quem manda na coligação é mesmo o PP. O outro PP, o Pacheco Pereira, bem avisou. O topo de gama desta tentativa de disfarce do PSD chegou esta semana por via do Nobre Guedes e foi hoje repetido por Durão Barroso no Parlamento: no PSD ninguém parece estar de acordo com a criminalização do aborto, mas, seja como for, a lei não vai mudar, pelo menos durante esta legislatura. Há duas razões para que isto não aconteça: uma verdadeira e outra falsa. A verdadeira é que o PSD sabe que enquanto tiver o PP como parceiro de coligação governamental não vai poder fazer nada sem a sua autorização; a falsa é a que Durão Barroso hoje utilizou: existe um compromisso eleitoral que impede o PSD de mexer na lei...
Será que o Dr. Durão Barroso é mesmo tão estúpido como aparenta ser? Ou será que decidiu começar a cumprir as promessas eleitorais? A mim, dava-me jeito que fosse esta última, porque desde que decidi não fazer um aborto e aceitar o Francisco no meu colo quando os médicos o tiraram do ventre da Inês, tenho-me farto de gastar dinheiro em fraldas... Um choque fiscal vinha mesmo a calhar!
Significa apenas que enquanto esta questão não for convenientemente discutida pela sociedade portuguesa tenderá sempre a renascer das cinzas. Pergunta-se: Se no referendo sobre o assunto o "Não" ganhou porque é que se volta à questão? Pois precisamente porque os "Sim"'s não ficaram convencidos. Mas fiquem certos de uma coisa: se, em novo referendo, o "Sim" ganhar, o "Não" voltará periodicamente à carga até levar a sua avante... e assim sucessivamente.
Eu pessoalmente...
... sou, para já, contra a liberalização do aborto. Lá que "des-criminalizem" tudo bem. Mas "des-penalizar" é que não. Isto porque sou bastante céptico em relação às situações que foram propostas para se permitir legalmente o aborto. Acreditem que tenho um terror absoluto que o aborto se torne um método contraceptivo "à-posteriori", uma espécie de pilula do mês seguinte.
Dizem-me:
"Uma mulher não aborta assim tão levianamente. Abortar é um trauma demasiado grande para isso.". Não sei se será assim. Já vi muitas entrevistas em telejornais a mulheres que abortaram porque "já tinham x filhos, o marido abandonou-me, e eu não tinha condições para ter outro.". Ora parece-me que nestas condições é que não. Se não tem condições entrega para adopção. Se o sistema de adopções em Portugal é incompetente, injusto, moroso então vamos todos lutar por um sistema melhor. Não optemos pela solução mais simples.
Parece-me que muitas das situações que levam ao aborto têm origem na má Segurança Social que temos, no deficiente acompanhamento a jovens mães, a mulheres violadas, a mulheres toxicodependentes. Acuso também as mentalidades retrógadas da nossa sociedade que ainda hojem condenam mães solteiras. Acuso a mentalidade dos que fazem juizos de felicidade, à priori, baseados na perfeição do filho por nascer. Acuso a sociedade por apoiar tão pouco os deficientes, discriminá-los mesmo, que leva muitos pais a pensarem que o filho nunca terá hipoteses de "ser alguém".
Reli o que escrevi e se calhar não era bem isto que queria dizer, ou poderia ter dito por outras palavras, ou se calhar estou a ser injusto. Provavelmente o que estou a precisar é de uma discussão séria sobre o assunto, sem lirismos, nem radicalismos. Talvez ficasse mais convencido...
Deixo aqui também a última frase do João:
"Não deixa de ser irónico, que este tema apareça por altura do Natal."
Pois precisamente quando se celebra o um nascimento...
Nota:
Sobre "des-criminalizar" ou "des-penalizar" não me puxa muito para a discussão. Eu não acho que a mulher que aborta é criminosa. Acho que quando alguém aborta a sociedade falhou por não dar alternativas. Dar a opção de aborto a alguém parece-me muito menos solidário.
Tenho que sair(!!!!!)...
... para ir buscar a minha filha, a inês, à creche e não tenho tempo para rever melhor o texto de algumas ideias... portantos vai mesmo assim. Se calhar não devia Postar um assunto tão melindroso... olha, azar. O que vale é que pela net ninguém me bate. E sempre posso voltar ao tema mais tarde... ou não.
2. desde o dia em que o Ministro da Cultura foi ao "Prós e Contras" da RTP e... gaguejou... que fiquei em estado considerado grave de descrença e perplexidade. Tirem-me deste país! Fiquei sem capacidade de escrever... desculpas pedidas à Cibertúlia!
Desde o tempo em que a Zita Seabra era deputada de esquerda (aos anos a que isto foi) que esta discussão surge. A do aborto. É um tema recorrente, e muitas vezes mal tratado. Eu sou claramente pelo direito de opção (dos pais), e gostava que não ficassem dúvidas sobre isso. O papel que sistematicamente a igreja recusa ter neste debate, é assustador.
Estamos perante um dos "muros da razão", das verdades absolutas, dos sem alma ! Não são uns melhores nem piores que os outros, são só cobardes se não tiverem a frontalidade de debater o tema, de aceitar o outro (lembram-se?).
Não deixa de ser irónico, que este tema apareça por altura do Natal.
Como as ideias pré-concebidas desajudam a ler as coisas deste mundo, há um blogue (recente) muito interessante e que começo a descobrir. Tem muito para ler e... aprender. Vale a pena passar por esta rua da Judiaria.
O problema não é Chirac ou Schroeder. O problema é a Europa. Paulo Teixeira Pinto, ideólogo do cavaquismo (em todo o seu esplendor de verdadeira salganhada ideológica: nacionalista, monárquico e "laranja"), escreve sobre a Constituição Europeia e Saddam: «A única pena que ensombrou a magnífica novidade do desaparecimento da Constituição Europeia foi, curiosamente, outra boa notícia, ou seja, a tal detenção do histórico aliado do Presidente daquela Nação que nos séculos XVIII e XIX proclamava ao mundo o iluminismo ao mesmo tempo que invadia e saqueava outros Estados, entre os quais Portugal» [sublinhado nosso].
Veja-se a História reescrita em todo o seu esplendor: Saddam «histórico aliado» da França - e não dos EUA, que o alimentaram durante anos e anos. E o iluminismo reduzido a um movimento expansionista na Europa. Que dizer então do "novo iluminismo bushiano", que proclama ao mundo os direitos humanos e todos os dias os atropela em Guantanamo e nos seus corredores da morte?
Mas há sapos curiosos que o discurso nacionalista tem de engolir: para atacar Chirac, elogia-se Castela (peço desculpa: Espanha). O caminho para estas e outras redentoras ideias é aqui...
«Para vos dizer que os v/ textos são límpidos e corajosos. Ajudam-me a suportar a hipocrisia das pessoas, das instituições, dos centros de Poder. É bom ler a v/ afirmação: "Nós tb somos Igreja".
Deixemos o musgo crescer nas paredes húmidas e espreitemos o sol. Continuem, não desistam.
[Maria]
(59 anos-na idade da desilusão)</i>»
Muito obrigado.
Como não sabemos se a leitora desejava ser "publicada" optámos por a identificar apenas pelo primeiro nome.
Os bispos falaram em «a Igreja». A Agência Ecclesia faz-se eco de opiniões de uma parte da Igreja (eventuais médicos e enfermeiros católicos). E já está. Este é o pensamento da Igreja portuguesa. Não é. Há outros, muitos outros. Alguns desses dizem o óbvio, que os bispos parecem esquecer: «Nós (também) somos Igreja», os (muitos) rostos anónimos que passam por esta comunidade.
... pela oportunidade perdida de os senhores bispos iniciarem um debate sério e sereno sobre o aborto. Como fez, apesar de tudo, o bispo do Porto. E sem preconceitos "pró-vida". Todos somos pela vida.
A Agência Lusa parece ter uns critérios estranhos na gestão das fotografias disponibilizadas (serviço reservado a assinantes).
Pesquisam-se imagens do julgamento em Aveiro de 17 pessoas por alegada prática de aborto e não aparecem quaisquer imagens. Entre as actividades registadas por fotógrafos da casa há muito futebol, claro. Esse notável acontecimento que foi, ontem, a «festa de Natal do FC Porto» tem direito a vários "bonecos".
Faz-se nova tentativa: escreve-se «Aborto» e surgem várias imagens de atentados anti-americanos no Iraque. Sem que a legenda das fotos em causa registe a palavra «aborto». Ideologia encapotada?
O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, reiterou segunda-feira a oposição da Grã-Bretanha à pena de morte, mas afirmou que caberá «ao povo e ao governo iraquianos decidir» a pena a infligir ao ex-Presidente iraquiano Saddam Hussein. Já Washington não objectará a que o tribunal que os iraquianos estabelecerem para julgar Saddam Hussein possa aplicar a pena de morte, se for após um julgamento justo, declarou segunda-feira um alto funcionário do Departamento de Estado americano.
«Acabei de viver, no Iraque, dias de extraordinária intensidade, em comunhão com aquele que me enviou, o Papa João Paulo II. Raramente tive uma sensação tão forte, de que eu não era apenas o portador da sua mensagem de paz, mas que ele mesmo estava presente. Não fiz senão segui-lo pelo meio das comunidades cristãs, de todo o povo iraquiano, junto do Presidente Saddam Hussein, que manifestou uma intensa e profunda escuta da palavra viva que vem de Deus e que todos os crentes, descendentes de Abraão, recebem como o fermento mais seguro da paz.
Ao deixar esta terra, injustamente separada das outras, gostaria de ser mais do que o simples eco, o amplificador da aspiração de um País que tem urgente necessidade de paz.
Entre as grandes nuvens que se adensaram nos últimos tempos, abriu-se um pequeno clarão. Contudo, ninguém pode desanimar! A nova e breve trégua que se impôs deve ser utilizada por todos, integralmente e num espírito de confiança recíproca, para corresponder às exigências da comunidade internacional. O menor dos passos dos próximos dias tem o valor de um grande salto rumo à paz.
Sim, a paz ainda é possível no Iraque e para o Iraque. Volto para Roma, clamando-o mais vigorosamente do que nunca!»
Pedro Lomba é incensado à direita e (mesmo) à esquerda. Parece que é bom nalgumas coisas que faz. Parece que sim. Mas quando fala de política - e quando cheira obsessivamente a flor da guerra - dá-lhe para o disparate. Puro e duro. Como aquele que escreve hoje no seu blogue:
«AFEGANISTÃO: Leio no Público de hoje que o Afeganistão vai começar a discutir a sua futura constituição. O Afeganistão é certamente um mundo de problemas. Mas o Afeganistão nunca teria chegado até aqui se não tivesse sido feita uma guerra. Um simples facto como este destrói por completa a consistência do pacifismo como ideologia política. Não me agrada dizer isto, mas quem andou nas ruas a gritar que todas as guerras são estúpidas devia, num momento como este, tapar a cara.»
Sim, Pedro, todas as guerras são estúpidas. E nunca taparei a cara, enquanto gritar que todas as guerras são estúpidas.
PS - Já se sabia: a boa notícia da prisão de Saddam é manipulada para nos atirar à cara a má notícia da guerra e da mentira que foi a guerra.
O "nosso" companheiro secreto Tolentino faz hoje anos. Queria celebrá-lo aqui, mas um dos seus companheiros fê-lo com cumplicidade - e malícia. Deliciosa malícia. Parabéns, Tolentino!