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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Agosto 20, 2003

Da terra onde emana o leite e o mel (II)

Miguel Marujo

Agora não se diga mais entre nós «deixa-me»,

e nenhum dos nossos corações se afaste.

Eu irei para onde fores

e da tua morada faço também a minha.

Os teus irmãos e companheiros hoje recebo como meus,

o Deus da tua juventude, eu o amo profundamente.

E quando por fim a morte nos visite

quero morrer na terra em que morreres

e ser sepultada perto de ti.

O Senhor sabe: a vida me tratará com tristes rigores

se outra coisa que não a morte

esconda dos meus olhos a graça do teu rosto tão amado.




Livro de Rute (1, 16-17), na tradução de José Tolentino Mendonça (A Rosa do Mundo, Assírio e Alvim).

Agosto 20, 2003

Cristiano Ronaldo

Miguel Marujo

1. É a contratação da época! A grande novidade do defeso! Ana Sá Lopes juntou-se à Glória Fácil. Com Glória.

[Desculpem-me Diogo, Filipe, Nuno, Saraiva, Zé e todos os outros que já assinaram pela Cibertúlia. Mas fiquei com uma pontinha de inveja destes gloriosos confrades!]



2. Cheguei lá por ter cheirado obsessivamente uma flor (e os elogios multiplicaram-se): há umbigos hilariantes, imperdíveis. Tirem-lhe o cotão.

Agosto 20, 2003

Cinema paraíso

Miguel Marujo

Voltei ao São Jorge. Sem hipóteses de ver «O Verão de Victor Vargas» (está reduzido a duas sessões numa única sala lisboeta – já repararam: não são só os filmes que se repetem nas salas, são as horas uniformes que deixam pouca margem de escolha "fora de horas"), resolvi ver a velha sala do centro da cidade, recuperada com gosto, maltratada a gosto. Não sei se é de propósito, mas parece ser intenção do autarca de Lisboa deixar morrer este "canto" da capital (a notável Zero em Comportamento, com provas dadas, já se propôs, sem resposta, gerir as três salas).



Quase não há informação sobre os filmes em exibição (uma folha de aspecto carote limita-se a repetir o que os jornais nos dizem – realizadores, intérpretes, horas, géneros). O painel electrónico com os horários das sessões não funciona. Um aviso na bilheteira esclarece que «por motivos de avaria técnica» não há ar condicionado em nenhuma das salas (felizmente já lá vão os dias de canícula rigorosa). O bar é compostinho, mas mortiço. A programação é estranha (sobras das distribuidoras? já disse que a Zero em Comportamento quer "pegar" nisto?). A sala tem um travo a mofo de reposteiros e alcatifas pesadas. Valham-nos os três euros do bilhete às segundas e o terraço (será? tem vista para uma coisa sem graça chamada Tivoli Forum e para os carros da Avenida - e se, em vez do túnel, o fechamento dos bairros históricos se estendesse a este passeio público? A cidade respira ali, mas apetecia respirá-la de outro modo).

Antes das obras, um dos filmes em exibição era «Porcos e Diamantes». Agora está «Sonhos Desfeitos».



PS - Àparte cinéfilo: gostei de Rui Baptista, no Público de sexta-feira, a falar de «Casablanca» - e do Aveirense, uma vingança para todos os cronistas que falam de monumentais e impérios, como se o país inteiro os conhecessem.



[Este "post" foi escrito na noite de segunda-feira. Os acontecimentos precipitaram o atraso na sua publicação.]

Agosto 20, 2003

A morte? A vida

Miguel Marujo

É a reacção mais «surpreendente» dos blogues à morte de Vieira de Mello. Não que eu esteja de acordo, com muitas coisas que diz esta praia, mas pelas perplexidades que encerra. E porque fala sobretudo da morte - e de Deus, que bate sempre à porta de quem não crê - na hora da morte.

Lê-se ali: «Sou, convictamente, profundamente, cada vez mais, ateu. A ideia de Deus, da alma imortal e todas essas coisas parece-me absurdamente estúpida. Estúpida, é o que me parece - e não peço por isso desculpa a quem crê. Mas tenho nostalgia de Deus, quer dizer: sei que não existe mas tenho pena. O caso é que não me conformo com a morte.»

A almofada seria melhor se, qual «Truman Show», fosse mostrada a vida como ela pode ser: «Que realmente a vida existe para sempre, etc. - eu estaria disposto a aceitar. Seria espantoso e absurdo, mas a morte não o é menos.»

Não é da morte que ali se fala, então. É da vida.

Agosto 20, 2003

... da terra que emana o leite e o mel ...

Miguel Marujo

Em sociedades antigas carpiam-se os mortos.

É isso que me apetece fazer hoje.

Gritar bem alto que morreu um homem bom, razão de esperança, uma alma velha.

E estou triste desta desesperança.

Estou mais pobre estamos todos, até quem mandou executar o atentado.

Agosto 20, 2003

«Os maus vão ficar furiosos»

Miguel Marujo

Se não fosse trágico, esta notícia do Público era anedótica. O ataque à ONU não se explica por isto, mas pode também "explicar-se" por isto.


O exército americano parece evidenciar sinais de desespero na perseguição a Saddam Hussein. Fracassadas até agora as tentativas para o matar e capturar, apesar da oferta de uma recompensa de muitos milhões de dólares a quem fornecer informações sobre o seu paradeiro, a mais recente iniciativa é a divulgação de uma série de fotomontagens. O objectivo é irritar os apoiantes do ex-ditador iraquiano. Assim, cartazes com Saddam disfarçado como Veronica Lake [em baixo, à direita] ou Zsa Zsa Gabor, Elvis Presley ou Billy Idol [também em baixo, à esquerda] deveriam ter começado ontem a ser afixados em Tikrit, a terra-natal do deposto Presidente. "Muitos vão adorar e rir-se mas os maus vão ficar furiosos e isso permitirá que nós os identifiquemos", disse à Reuters o coronel Steve Russel, do 22º Regimento da 4ª Divisão de Infantaria dos EUA. Os seus planos poderão, contudo, sofrer um revés, observou o diário "The Guardian", de Londres. "Acho que as pessoas [de Tikrit] acharão [as fotos] ofensivas", disse uma porta-voz militar em Bagdad. "Vamos ter de contactar a 4ª Divisão para saber o que se passa."

Agosto 20, 2003

A estratégia do caos

Miguel Marujo

Olá Filipe! Sê benvindo a este espaço! Sei que ele vai ficar a ganhar com a tua chegada!



Ontem, porém, o Mundo ficou mais pobre. Perderam-se vidas inocentes em Baghdad e Jerusalem e, entre elas, a de, pelo menos, um homem bom. A morte de Sérgio Vieira de Mello não só deixa o Mundo mais pobre, como priva a ONU daquele que Ana Gomes considerava ser o seu "melhor funcionário". E deixa a utopia do respeito pelos direitos humanos, mais longínqua.



Não conhecia Sérgio Vieira de Mello a não ser da televisão. Vi-o, em meados de Abril, em plena conquista do Iraque, no HARDtalk, da BBC News. Entrevistado pelo durí­ssimo Tim Sebastian, Sérgio Vieira de Mello explicava aquele que poderia ser o papel da ONU no pós-guerra que estava a chegar. Calmo, ponderado, diplomata, lá foi dizendo que a manutenção da ordem e da segurança era responsabilidade dos EUA e dos seus aliados.



Sérgio Vieira de Mello morreu porque, quatro meses passados sobre o fim da guerra, os EUA são incapazes de manter a ordem pública no Iraque. Como, aliás, têm sido incapazes de manter a ordem pública no Afeganistão.



Que não fiquem dúvidas a ninguém: creio convictamente que o atentado de ontem foi uma acto cobarde e hediondo, injustificável a todos os tí­tulos. Os seus autores devem ser encontrados e entregues à justiça e devem pagar pelos seus actos. Não sinto a mí­nima simpatia pelo acto, nem pelos seus autores. Não festejei, antes chorei, as mortes de ontem.



Mas há que buscar mais fundo. Para que a verdade e a honestidade não pereçam também entre os escombros.



O atentado de ontem é uma prova evidente da nova estratégia das forças anti-Americanas: mostrar ao Mundo que os EUA são incapazes de assegurar a ordem pública e assustar e afugentar as agências humanitárias envolvidas na reconstrução do Iraque. Inscreve-se no padrão de recentes atentados contra condutas de petróleo e, mais recentemente, contra a Embaixada da Jordânia em Baghdad. No entanto, a existência deste padrão não é suficiente para garantir que os seus autores são os mesmos.



Temos assistido nas últimas semanas a ataques quase diários contra os militares americanos. Nós e os próprios americanos já nos costumávamos a habituar... nessa atitude terrí­vel que é a da vulgarização da morte. No entanto, o atentado de ontem veio mostrar que as forças que se opõem aos EUA no Iraque, sejam lá quais forem as suas origens e crenças, não querem apenas matar soldados americanos e seus aliados: querem espalhar o medo!



O Presidente Bush respondeu à moda do Texas, onde se encontrava de férias, a jogar uma partida de golf: «every sign of progress in Iraq adds to the desperation of the terrorists and the remnants of Saddam's brutal regime. The civilized world will not be intimidated, and these killers will not determine the future of Iraq». De acordo com aquilo que tem sido a sua estratégia, George Bush quis colocar-nos a todos como vítimas dos atentados, dizendo que os autores do atentado são inimigos de todas as nações que pretendem ajudar o povo iraquiano. De um certo modo, tem razão...



Mas a verdade é que a situação americana é complexa: se os iraquianos tiverem medo e se sentirem inseguros, não vendo a sua situação melhorar, a sua hostilidade em relação aos americanos pode aumentar.



De facto, estes ataques parecem dirigir-se sobretudo a impedir a melhoria da qualidade de vida dos iraquianos. Ao negarem a capacidade das forças de ocupação para pacificar o Iraque, estes ataques impedem os americanos de conquistarem os corações e a confiança dos iraquianos. Se o caos se mantiver, a reconstrução do Iraque não pode avançar.



A autoria do atentado ainda não foi reivindicada e, por isso, não é ainda claro se os seus autores são os resistentes do antigo regime ou se, pelo contrário, se tratam de fervorosos muçulmanos vindos de outros paí­ses para matar americanos. Os atentados com carros e camiões armadilhados têm a sua origem algures entre os movimentos religiosos terroristas do Médio Oriente, tais como o Hezbollah. Mas nos últimos anos esta táctica tem-se alargado e foi já utilizada nos ataques contra as embaixadas americanas no Quénia e na Tanzânia, em 1998, que todos atribuem à Al Qaeda.



Não se deve afastar totalmente a possibilidade do atentado ter sido perpretado por elementos ligados ao regime de Saddam Hussein, mas a verdade é que vários oficiais americanos já admitiram que vários elementos do Ansar al-Islam se terão refugiado no Irão durante a guerra e estarão agora a regressar.



O Ansar al-Islam é um pequeno grupo fundamentalista acusado de ter ligações à Al Qaeda. Actua na clandestinidade e é integrado por iraquianos insatisfeitos (já desde o regime anterior) e muitos estrangeiros que querem integrar a "guerra santa" contra os militares americanos e os seus interesses no Iraque.



Será que a invasão e ocupação do Iraque, para além da violência gratuita (que terá provocado muitas mortes sob os escombros), da ilegalidade à luz do direito internacional, da justificação forjada e do não aparecimento das invocadas armas de destruição massiva, ainda irá criar um terreno propí­cio ao fundamentalismo islâmico e ao terrorismo da Al Qaeda?



Deus nos livre, senhor Bush!

Agosto 20, 2003

Equilíbrios

Miguel Marujo

Os pontos avançados pelo Filipe [ver os posts anteriores] mantêm a sua pertinência. Depois dos «avizos» aqui deixados, retomo - e equilibro - o debate. Para ouvirmos outras vozes. Para ouvirmos as nossas vozes.



Peço licença a João Pedro Henriques, do Glória Fácil, e reproduzo na íntegra as suas perplexidades.



O óbvio revelado em toda a sua brutalidade: a coligação EUA/Reino Unido soube preparar e concretizar a invasão do Iraque mas não soube nem preparar nem concretizar o pós-guerra (aliás, duvido que se possa falar em "pós-guerra", os factos recentes provam que se continua em guerra).



Disto isto, nem era preciso apostar que esta constatação seria interpretada pelos defensores da invasão como uma manifestação de alegria pelo horror que os atentados provocaram. Para esses, pessoas como eu estão neste preciso momento, secretamente, a celebrar em várias casas do país, num estado de felicidade suprema - mas silenciosa, para os vizinhos não acharem suspeito - as mortes de Bagdad e Israel. Porque somos da esquerda pindérica, só bebemos SuperBock e Raposeira. Alimentamo-nos de "pistachios" importados do Irão. Whisky é proibído. Só do irlandês, por respeito ao IRA.



E agora pergunto eu: não será possível falar sobre o que se passou ontem – e sobre as suas razões – com uma pontinha de sensatez? Será possível, pergunto eu, fazer, sem ser acusado de terrorista, um raciocínio suficientemente dinâmico que admita os três seguintes pensamentos, a saber:



1º – A culpa absoluta dos atentados de ontem é dos terroristas que os perpretaram;



2º – A coligação soube fazer a guerra mas não está a conseguir a paz.



3º - Estava na cara que isto iria acontecer, pela pressa imensa que os EUA mostraram nos preparativos da guerra.



Ou seja: o que é que eu preciso de dizer e fazer para, ao fazer estas constatações, não ser acusado de terrorista ou idiota útil ou cobarde ou tudo-ao-mesmo-tempo? Será possível ser um moderado? Porque é que as pessoas que mais audivelmente defendem, em Portugal, as posições de Israel e dos EUA, só o fazem por adesão cega à extrema-direita dos respectivos regimes políticos? Enfim: porque não se dão ao trabalho de ser algo mais do que luso-papagaios dos actuais governos de Telavive e Washington?