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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Setembro 09, 2003

Às portas da fé...

Miguel Marujo

O Miguel disse que queria falar sobre a fé do Portas e eu vou fazer-lhe a vontade.

Mas aviso já que também vou falar de pornografia!



É evidente que o Paulo Portas tem o direito à sua fé e à prática dos rituais que lhe estão associados.

É evidente também que o Paulo Portas não deixa de ser Ministro quando realiza actos associados à sua fé.

É natural que haja quem o fotografe nesses momentos, o que, por causa das limitações técnicas da fotografia, pode resultar polémico.

É natural que Paulo Portas ache que não deve esconder a sua fé dos fotógrafos. Da mesma forma que é natural que haja quem se indigne pela mediatização da sua fé.



Deixemo-nos de tretas!

A probabilidade de Paulo Portas ter uma fé inabalável é directamente proporcional à probabilidade de o Carvalhas ganhar alguma coisa com o ataque que lhe fez no encerramento da Festa do Avante!



É evidente que, tratando-se de um país tão católico (pelo menos no discurso!) como é Portugal e tratando-se do lí­der de um Partido que se diz popular, Paulo Portas não vai deixar nunca de aproveitar as vantagens eleitorais e populistas que lhe possa trazer a manifestação pública da sua fé.

Mas também devia ser evidente para os seus adversários polí­ticos, tratando-se do mesmo Portugal e, para mais, tratando-se do lí­der de um Partido que sempre se disse anti-clerical e mesmo anti-religioso, que esta matéria da laicidade é demasiado intelectual para poder ser transformada em vitória polí­tica.



Não digo isto para que não se discuta o tema. Digo-o, pura e simplesmente, para que centremos o debate no seu verdadeiro âmago: para além da economia, dos incêndios e do euro 2004, o que é que este Governo está a fazer ao paí­s?



O problema da direita e da esquerda, mostra-nos este Governo, não tem assim tanto que ver com as opções económicas, com os programas sociais ou com as políticas de educação e/ou urbanismo. Nesses campos, a diferença é pequena (o que não quer dizer que não exista!). As grandes diferenças são ao ní­vel cultural.



E digo cultural no sentido mais lato possível, o que inclui, evidentemente, a prática polí­tica e a manifestação pública da fé.



Já quase toda a gente disse (menos o Vasco Graça Moura) que este Governo não tem uma verdadeira polí­tica cultural. Eu acho que nao têm razão estes críticos. Talvez seja verdade que o Ministro da Cultura não tenha uma política clara... mas há no Governo quem tenha uma ideia muito clara de política cultural e que, no meu entender, até tem já o seu programa em marcha.



Então todas as alterações a que temos assistido na RTP não correspondem a uma opção cultural? O fim do "Acontece", por exemplo, não resulta de uma opção política clara? As propostas de alteração na grelha de programação (e no espí­rito) da TSF não correspondem ao exercício de uma opção clara? A proibição de acesso à emissão dos filmes pornográficos no canal 18 da TV Cabo não é uma acção reflectida e uma decisão ponderada?



Só não detecta um programa cultural claro e estruturado na acção do Governo, quem não quer. Podemos não estar de acordo com esse programa, mas que ele existe, lá isso existe!



A aparição pública de Paulo Portas em pose de genuflexão e circunspecção religiosas, arrisco a aposta, faz parte do mesmo programa de poí­tica cultural. O Governo julga-se no direito (ou até na obrigação) de nos dizer o que é bom e o que é mau; o que é aceitável e o que é inaceitável; o que está certo e o que está errado. E a religião dá uma ajuda na legitimação deste seu papel.



O "Acontece", está bom de ver, era mau. Tal como a pornografia no Canal 18.

Ajoelhar e rezar, parece-me evidente, por muito que o Carvalhas se esforce, está condenado a figurar do outro lado da barricada: é bom e recomenda-se.



O programa está bem pensado e vai dando frutos. Os passos são pequenos, mas seguros. E seguem-se uns aos outros.

Um dia destes, quando já só pudermos ver na televisão e ouvir na rádio aquilo que o Governo considera ser bom, aceitável e correcto, pode ser que tentem explicar-nos, por A+B, que os que não são cristãos são maus, que os que não gostam de teatro de revista são incultos, que os que gostam de pornografia são depravados, que os meninos nas escolas deviam ser separados por género, que os homossexuais são doentes, que os comunistas deviam ser todos presos e que os pretos deviam ir todos para a sua terra.



Qualquer dia... ainda vamos ter de ouvir uma governante dizer que o catolicismo é a religião oficial de Portugal...