Julho 31, 2003
Do choro
Miguel Marujo
Lembram-se da Tatiana? Volta de novo à Cibertúlia (com a transcrição - consentida - do seu artigo na Voz da Póvoa).
«Vi muitas lágrimas de alegria em Sevilha. Eram gordas e não queriam escorrer pela cara abaixo. Preferiam ficar à espera que um raio de sol as fizesse brilhar.
Hoje o arrumador que me ajudou a estacionar estava a chorar porque não aguentava as dores da ressaca de heroína.
Tenho uma tia que chora em quase todos os filmes e uma amiga que deixa os namorados desconcertados porque não há noite de paixão que não desate num pranto.
Mas o mais impressionante é a ausência das ditas: ver um filho não chorar por um pai que lhe era mais querido do que todos os que ficaram. Quando a emoção é tão forte que nem sequer consegue ganhar consistência. Quando a mente não assimila a tragédia.
Porque o choro é por natureza finalizador. Só se chora quando se entendeu.
Antes das glândulas lacrimais produzirem aquela secreção aquosa com cloreto de sódio, recebem uma ordem do cérebro. Se o superior hierárquico estiver em choque, a mensagem não chega a ser comunicada.
Desaprendemos a chorar. Aliás, começamos lindamente: somos especialistas à nascença. Qualquer desconforto, soamos o alarme. Desde a fralda mal posta à mama da mãe que sabe a creme hidratante.
Depois vamos perdendo a noção de oportunidade. É a única explicação para não chorarmos no trânsito. Nada é mais angustiante do que estar preso dentro dum automóvel com vontade e necessidade de estar noutro lugar. Quando sabemos que o patrão não vai aceitar a desculpa dos engarrafamentos. Quando temos a certeza que o nosso filho de 6 anos, que nunca vamos buscar à escola a horas, nos vai perguntar outra vez se é mesmo preciso ter 18 anos para se tirar a carta e se é mesmo proibido andar de triciclo na auto-estrada.
Nessas alturas fazemos cara séria e desatamos a desbobinar desculpas em vez de nos desfazermos em lágrimas.
Estas férias vou-me vingar de todos os momentos de contenção. Vou passar os dias a chorar.»
Ontem, a ver «Once and Again/Começar de novo» (RTP2, 23h) também me apeteceu vingar-me de todos os momentos de contenção. E voltar para o deserto.
«Vi muitas lágrimas de alegria em Sevilha. Eram gordas e não queriam escorrer pela cara abaixo. Preferiam ficar à espera que um raio de sol as fizesse brilhar.
Hoje o arrumador que me ajudou a estacionar estava a chorar porque não aguentava as dores da ressaca de heroína.
Tenho uma tia que chora em quase todos os filmes e uma amiga que deixa os namorados desconcertados porque não há noite de paixão que não desate num pranto.
Mas o mais impressionante é a ausência das ditas: ver um filho não chorar por um pai que lhe era mais querido do que todos os que ficaram. Quando a emoção é tão forte que nem sequer consegue ganhar consistência. Quando a mente não assimila a tragédia.
Porque o choro é por natureza finalizador. Só se chora quando se entendeu.
Antes das glândulas lacrimais produzirem aquela secreção aquosa com cloreto de sódio, recebem uma ordem do cérebro. Se o superior hierárquico estiver em choque, a mensagem não chega a ser comunicada.
Desaprendemos a chorar. Aliás, começamos lindamente: somos especialistas à nascença. Qualquer desconforto, soamos o alarme. Desde a fralda mal posta à mama da mãe que sabe a creme hidratante.
Depois vamos perdendo a noção de oportunidade. É a única explicação para não chorarmos no trânsito. Nada é mais angustiante do que estar preso dentro dum automóvel com vontade e necessidade de estar noutro lugar. Quando sabemos que o patrão não vai aceitar a desculpa dos engarrafamentos. Quando temos a certeza que o nosso filho de 6 anos, que nunca vamos buscar à escola a horas, nos vai perguntar outra vez se é mesmo preciso ter 18 anos para se tirar a carta e se é mesmo proibido andar de triciclo na auto-estrada.
Nessas alturas fazemos cara séria e desatamos a desbobinar desculpas em vez de nos desfazermos em lágrimas.
Estas férias vou-me vingar de todos os momentos de contenção. Vou passar os dias a chorar.»
Ontem, a ver «Once and Again/Começar de novo» (RTP2, 23h) também me apeteceu vingar-me de todos os momentos de contenção. E voltar para o deserto.