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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Novembro 29, 2016

Música de encantar serpentes

Miguel Marujo

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Este é um dos meus discos de eleição da música portuguesa. Não é fácil, nem simples entrar nesta Plux Quba — Música para 70 Serpentes, de Nuno Canavarro, obra minimal e abstrata de 1988 (reeditada em CD pela editora de Jim O'Rourke em 1998). É o próprio texto deste "vídeo" que antecipa a dificuldade de entrar nos três primeiros temas e aconselha a passar para os 4'22. Talvez seja preferível, e no fim retomar de novo o fio à meada, incorporando os sons aparentemente desordenados em que, de quando em vez, se ouvem vozes de crianças (Bruma, no seu minuto e pouco, e a Untitled, que se lhe segue, são notáveis) ou uma reverberação masculina que nos remete para uma viagem sonora de sonhos. É isso: este álbum, a que volto tantas vezes, talvez seja uma banda sonora de sonhos.

 

 

Novembro 23, 2016

Ain't no cure for love

Miguel Marujo

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Uma longa noite de memórias boas com os Cure

Há coisas que não se explicam ou são indizíveis: amores de verão, danças adolescentes ou canções que trauteamos pela vida fora. E há coisas que não se explicam, apenas se cantam e dançam, como esta terça-feira à noite em que os Cure nos apresentaram o nosso álbum de memórias, das coisas que não conseguimos explicar.

Foi uma noite assim. Os Cure abriram a porta a uma multidão de amigos, mostrando-lhes velhos álbuns de fotografias, demorando-se em episódios que muitos já não se lembram, mas cujas histórias se ouvem com regalo na voz de Robert Smith. Pelo meio outras canções eram cantadas por todos, mas seria já na hora final de concerto que a festa se faria num coro de coreografias espontâneas, de braços no ar e telemóveis a filmar.

Sem álbum novo desde 2008, sem êxitos reconhecidos desde os anos 1990, a banda britânica de Robert Smith levou ao Meo Arena, em Lisboa, um longo desfile de canções em que tocaram, nas quase três horas de concerto, grande parte da sua discografia, com direito a um tema inédito, Step Into the Light, que, desde maio, tem sido tocado nesta digressão.

Com 40 anos de história a ser celebrada, a banda tocou canções de 13 dos seus álbuns. A primeira metade do concerto de 16 canções (que abriu com Open e fechou com End, ambas do álbum Wish, de 1992) deixou de fora muitos dos êxitos que os Cure colecionaram nos anos 1980 e 90, guardando-se para os três encores quase tantas outras canções, numa sucessão de 15 temas que fizeram a delícia dos corpos e da memória.

Logo com o segundo tema, All I Want, da obra prima que é Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me (1987), percebeu-se que o grupo trazia uma barragem sonora em que as guitarras tiravam o pó aos trejeitos mais pop de temas como Hot Hot Hot!!! ou The Caterpillar. Não facilitando na escolha dos temas, In Between Days e Pictures of You seriam exceções nessa primeira metade do concerto. E foi já a fechar o primeiro encore, com A Forest, opus maior de Seventeen Seconds (1980), num longo diálogo de guitarra, baixo, bateria e palmas que a festa se soltaria definitivamente no Meo Arena.

Veio então mais um "obrigado" de Robert Smith e Fascination Street, dessa pérola pop que é Disintegration (1989), para o vocalista da voz que se mantém impecável, de cabelo sempre despenteado e lábios muito pintados dar um ar da teatralidade que se lhe conhecia dos palcos e dos telediscos (era assim que se dizia no tempo destas memórias).

Freakshow antecedeu a imensa festa de Friday, I'm In Love, para uma festança sem parar: Just Like Heaven, Boys Don't Cry e (no último encore) Lullaby, Hot Hot Hot!!!, Close to me e Why Can't I Be You? a fechar, batia a meia-noite.

Ain't no cure for love, não há cura para este amor, como cantava Cohen. Por isso, o melhor é continuar a abrir álbuns, com memórias destas, sem ter pressa, sem estar sempre à espera de ouvir uma novidade. Quem precisa de novidades quando as recordações são tão boas?

[crónica publicada no DN online, fotos de Alexandre Antunes/Everything is New]

Novembro 10, 2016

Um americano em Lisboa

Miguel Marujo

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Sozinho em palco, com um violino que soava a ukelélé ou cavaquinho e guitarra elétrica (e outras vezes era só violino), com uma guitarra elétrica que ia afinando entre acordes, uma voz irrepreensível e um assobio feito instrumento sem falhas, as luzes a sublinharem o equilíbrio de uns pés que regiam uma orquestra, somando camadas às camadas dos sons, e as mãos que resgatavam das cordas uma paleta de tons.

Andrew Bird disse da sua vergonha na manhã de Lisboa perante as notícias que lhe chegaram dos seus Estados Unidos e que caminhou para a raiva de quem descobre que hoje, no estrangeiro, são cantores e músicos de rock que representam a dignidade de uma nação. E atualizou uma canção que escreveu na reeleição de George Bush, agora que Trump ganhou o que parecia impensável, Sic of Elephants. E arrepiou quando nos deu Estranha Forma de Vida, o fado imortalizado por Amália que entre o violino-que-também-parecia-guitarra-portuguesa e o seu belo assobio ganhou outro corpo.

Não espanta o aplauso, não admira como Andrew gosta de Portugal — e como até seria uma boa opção para viver nestes tempos. "Mas devemos ficar e resistir." Como a magia que se soltou em palco no CCB.

 

 [foto Rui Pinheiro/TSF]

ARQUIVO de outros textos (no DN) de concertos:
Rodrigo Leão & Scott Matthew | Lloyd Cole | Caetano Veloso e Teresa Cristina