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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Agosto 05, 2015

Atualizar: nove anos

Miguel Marujo

Oito anos - por Miguel Marujo, em 05.08.14

Ontem, dia 4, passaram [9] anos desde que fui despedido sem justa causa (mas causa "ganha" em tribunal, três anos e meio depois) de um jornal, pelo maior fdp com quem trabalhei na vida, daqueles que fazemos por nunca mais tropeçar na vida. E o que a vida nos ensina não é que o desemprego é uma oportunidade (é um desenrascanço, porque nos lixa a vida toda), mas sim que voltamos a tropeçar em gajos quase-assim. E que todos os dias nos apregoam virtudes alheias, os mesmos que atiraram o mundo ao charco em 2008, mas que continuam a querer convencer-nos que a receita certa é a deles. Eles não ganharão, mesmo que demore outros "três anos e meio".

 

[este texto, como se vê, tem um ano; escrito há um ano, atualizei apenas a passagem do tempo; porque o tempo permanece igual; sobre estes tempos, e como iguais estão, republica-se, sobretudo agora que o tempo de desemprego é arma de arremesso político.]

Agosto 02, 2015

[babadíssimoooooooooooo]

Miguel Marujo

Caetano.JPG

Este domingo, Caetano Veloso postou um elogio público ao meu texto no DN online, na sua página do facebook. Pronto. Vou ali dançar ao som da lua.

[E reproduzo o texto revisto e aumentado, publicado hoje na edição em papel do DN...]

 

A noite em que Caetano e Gil
dançaram com a lua azul

Concerto. Eles vieram da Bahia e por uma noite voltaram lá, para cantar como poucos o jeito que a Bahia tem. Canções de vozes cheias

 

Vamos ao meio do caminho para apontar a história toda: já ia o concerto na sua hora, quando Gilberto Gil fez do violão percussão e a voz foi o instrumento que soou mais alto. “Não tenho medo da morte mas sim medo de morrer.” E de um público fácil de convencer, que reagia quase instintivamente ao repertório, finalmente veio o arrebatamento. Aplausos de pé, e mais soltos ficaram Caetano Veloso e Gilberto Gil em palco, no Parque dos Poetas, em Oeiras.

Um e outro ouviram-se, respiraram as palavras e os acordes de cada um, numa cumplicidade de vozes e gestos. Dois amigos que não ficam pela metade. São duas vozes e dois violões, muitas vezes só um violão e uma voz só, que encheram na noite de sexta-feira um estádio, em Oeiras, onde Caetano e Gilberto se celebraram em Dois Amigos, Um Século de Música, a digressão que festeja 50 anos de carreira de cada um deles.

Num concerto em que o vento passou pelas trovas de um e outro, Caetano e Gil seguiram imperturbáveis, completando as sílabas, acrescentando a expiração, soletrando o gesto, atentos ao que o outro dizia e fazia. E indiferentes ao vento e ao murmúrio constante de um público que, por vezes, parecia mais preocupado em contar as férias ou as fotos do Facebook. Eles, Gil e Caetano, um de 73 anos, o outro quase a fazê-los, vieram da Bahia e por uma noite voltaram lá, para cantarem como poucos o jeito que a Bahia tem.

Com o recolhimento que pedia a canção Não Tenho Medo da Morte, a tal do meio do caminho, Gilberto espantou uma plateia que, por fim, se concentrou na música. E que viria a dançar e a acompanhar o alinhamento que se seguiu até ao final, mesmo nas canções menos óbvias. Logo depois Gilberto pediu “canta Lisboa” em Se Eu Quiser Falar com Deus, e Lisboa cantou, enquanto em palco um e outro pegavam nas músicas de um e outro (ou de outros) e faziam-nas suas, como É Luxo Só, de Gil, mas também em De Manhã, de Veloso e de Maria Bethânia.

O alinhamento arrancou com os anunciados Back in Bahia e Coração Vagabundo - como Gil tinha antecipado na sua conta no Spotify - e prosseguiu com Tropicália e Marginália II. Em noite de lua cheia azul, Terra parecia falar dessa lua: “Porém lá não estavas nua/E sim coberta de nuvens...” Nada que esmorecesse o público (aquele que, pelo menos, não se distraía durante todas as canções), que começava a trautear os versos dos errantes navegantes sentados com os seus violões, ou os passos de Caetano, que se levantou da cadeira em Andar com Fé e foi à boca do palco dançar. E alguma plateia sentada também pulou das cadeiras.

Foi esse público que ouviu de seguida Nine out of Ten, Tonada de Luna Llena e Tres Palabras, variações noutras línguas que não se limitam a responder a uma plateia europeia (por onde anda esta digressão), mas explicam o percurso destes dois baianos universais. Os exílios em Londres, o reconhecimento internacional, mas mais ainda a experimentação sonora a que nunca fugiram estes dois amigos em 50 anos de carreira.

À vez, a quatro mãos, em Oeiras, foi essa a celebração. Se a fé não costuma falhar, como diz a palavra da canção, a dança, essa, foi certeira: o palco despojado, Caetano e Gil, um de preto, o outro de branco, ocupam os tempos com os corpos em movimento.

Já se disse: foi Caetano, o gaiato, quem começou por se levantar a puxar passos de um jeito seu, foi Gilberto quem deixou, já no tema final do encore, A Luz de Tieta, o palco a dançar. A Bahia tem um jeito, ouviu-se em Terra. Estas duas metades de música, abraçadas no final sem qualquer artifício que não o da amizade, têm jeito - e fizeram a lua azul dançar.