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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Setembro 28, 2011

Dia da Assunção

Miguel Marujo

«Assunção (latim assumptio, -onis, recebimento)

s. f.

1. Acto de assumir.

2. Elevação (a dignidade).»

 

Tomemos apenas estas duas definições de um dicionário online, não entremos pelo campo das teologias, esse que nem sempre trata bem as mulheres.

O papel delas parece ter hoje outra exposição, mesmo que a troika engane: nome feminino para três homens – impera o fato e a gravata. E o nosso fado é a gravata: eles mandam, elas por vezes suspendem a sua condição feminina, por seis ou mais meses. Mas note-se que, apesar de um governo de poucas mulheres, pela primeira vez temos a segunda figura de Estado no feminino. Na hora de assumir, Assunção Esteves teve a nobreza que faltou a outros. Será coisa de somenos: a única mulher primeira-ministra foi-o em 1979. Pouco mudou aí.

Elevar a dignidade na coisa pública é tarefa que se nota nas coisas feitas no feminino. Não por capricho de definição do dicionário, apenas porque sensibilidade e bom senso não podem ficar assim arredados da res publica.

 

Voltemos às imagens: há outra reveladora. Ainda o FMI era só memória de jornais velhos de 1983 e já tremia o país em discussões sobre o Orçamento do Estado. A respeitabilidade vinha dos cabelos brancos de Eduardo Catroga e Teixeira dos Santos, longe dos “pentelhos” de um, dos pecs sucessivos do outro. Cada partido mandava para a arena homens, mais homens, o peso-pesado de fatos cinzentos e azuis a avançar nos corredores parlamentares. Passos perdidos de um país que caminhava para o resgate. Não admira, não admirava já então – imprimam-se as letras de blogue, escritas a 26 de Outubro de 2010: “Todos iguais, vestidos do mesmo modo, entram numa sala para discutir o Orçamento. Teme-se o pior, de um documento sem sensibilidade social: afinal, faltam mulheres na sua discussão.”

 

Fazem falta pois. Ao país, mas a decidirem. Elas, as mulheres, estão em maioria (quase) por todo o lado. Apesar das aldeias de irredutíveis feudos masculinos persistirem um pouco por toda a Lusitânia, sobretudo nas chefias. Outra Assunção, a Cristas, aligeirou o fardo deles, subtraindo a gravata. Não carrego no fardo delas. Se acredito nas mulheres, falta-me a crença necessária num país em que se contam os exemplos pelos dedos das mãos e mesmo que algumas carreguem no nome o acto de assumir. Termino o texto, para entrega a 15 de Agosto, dito da Assunção no calendário, feito feriado de praia estendida. O país de férias nada lhe liga. Talvez as mulheres o devam entender melhor. Ao feriado e ao país. Assumindo mais.

 

[texto publicado no número 2 da The Printed Blog]

 

[todos iguais, vestidos do mesmo modo]

Setembro 28, 2011

O metro faz mal à circulação

Miguel Marujo

O metropolitano de Lisboa diz que faz bem à circulação da cidade. Sei bem que sim, mas (mais ainda quando os preços são aumentados brutalmente) a exigência do serviço é próxima de zero.

Um exemplo recolhido numa manhã, a de ontem, em diferentes estações, para um pai que transporta a filha num carrinho:

- o único elevador de superfície da estação do metro do Rato estava avariado, o que é recorrente (para além das estações de metro que nem elevador têm!);

- na estação do Marquês de Pombal, o carregamento do bilhete dá erro e a solução é ir ao posto de atendimento (apenas dois abertos) que têm filas gigantes e demoradas;

- assistido por um funcionário, "é necessário" ir à outra bilheteira porque a máquina é do outro átrio (estamos na mesma estação!);

- finalmente com o bilhete na mão, é impossível entrar com o carrinho de bebé no "canal especial", devidamente assinalado, porque é preciso chamar um funcionário para abrir o mesmo, situação que é comum em todas as estações! (interpelado sobre isto, responde que para sair não é necessário, para entrar sim...).

Já repararam como há tão poucos carrinhos de bebé no metro de Lisboa, por comparação com qualquer outra cidade europeia?! Se a alergia escusada dos portugueses aos transportes públicos explica muita coisa (ajudada por uma política catastratófica deste governo com o aumento dos transportes), o mau serviço prestado pelo metro sublinha ainda mais como é difícil circular nele.

Setembro 27, 2011

E a bateria da máquina fotográfica que se foi

Miguel Marujo

Ontem, o dia deitava-se ao mar para lá da Boca do Inferno e rumámos à noite em direcção a Lisboa. Na Parede, na praia, encostámos o carro e a miúda jantou ali mesmo com um quadro de mar e um céu que misturava azuis nocturnos e laranjas ao lusco-fusco. Uma Marginal assim lembra-nos que este país não morre asfixiado em défices ou troikas.

Setembro 26, 2011

Narrativa ensaiada

Miguel Marujo

A notícia é clara: «Miguel Relvas não deixou neste domingo qualquer garantia de que o plano de reestruturação da Madeira seja apresentado antes das eleições regionais de 9 de Outubro», apesar de Passos Coelho ter prometido no Parlamento que o faria até ao fim do mês. A rematar a conversa, o ministro foi ainda mais assertivo: «Questionado sobre as expectativas tem para as eleições regionais da Madeira, o ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, afirmou esperar que a campanha “decorra com a normalidade que o país já se habituou”, que “seja esclarecedora” e desejou que “PSD ganhe as eleições”.»

 

É isto: o Governo tudo fará para que os crimes da Madeira (é disso que se trata) não sejam conhecidos até às eleições de Outubro e deseja a vitória de quem os cometeu. Nada mau, retirar assim o tapete (como todos nos insistem em fazer crer).

Setembro 25, 2011

O César é para aqui chamado, sim

Miguel Marujo

D. José Policarpo afirma ainda que a Igreja não deve praticar política directa, porque "ninguém sai de lá com as mãos limpas".

 

Não, para mim, como católico o exercício da política é condição obrigatória de se ser crente, porque dizer que se devem separar as coisas ("A César o que é de César...") não significa esquecermos a doutrina social da Igreja que bebe no anúncio de Jesus Cristo contra as injustiças deste mundo. A frase de Policarpo é infeliz por generalizar o que não deve ser generalizado, e por ser dita curiosamente apenas agora, três meses depois de um tempo em que ele próprio não se coibiu de fazer política.

Setembro 24, 2011

E depois do adeus

Miguel Marujo

... a Resende, as folhas de Outono começaram a cair: Aristides Pereira, José Niza. As palavras do pintor acabaram por ficar aqui como marcas de um tempo que não passa.

Setembro 03, 2011

Agarrem os gajos

Miguel Marujo

"Ao contrário do que prometeu, o Governo só tem aumentado a receita, retomando a habitual trajectória de "perseguição fiscal". Mas, de cada vez que isto é dito, lá aparece alguma voz autorizada do Governo a acenar com cortes históricos já a seguir. Agora foi o primeiro-ministro, devolvido das férias que não ia fazer, a declarar que para o ano vêm "cortes históricos" ou, na nova fórmula, "os maiores de que há memória". Talvez não seja má ideia ter memória e recordar que o que nos foi dito é que os cortes seriam indolores, não implicariam mais sacrifícios, pois seriam nas gorduras do Estado. Face ao que temos de fazer, era evidente que se tratava de uma mentira descarada. Enquanto não chega o pedido de desculpas, são esses os cortes que continuo a aguardar." Pedro Adão e Silva, in Léxico Familiar - http://lexico-familiar.blogspot.com/2011/09/agarrem-me-se-nao-eu-corto.html