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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Setembro 30, 2004

Os 28 anos mais bonitos

Miguel Marujo

Aconteceu quando a gente não esperava

Aconteceu sem um sino pra tocar

Aconteceu diferente das histórias

Que os romances e a memória

Têm costume de contar

Aconteceu sem que o chão tivesse estrelas

Aconteceu sem um raio de luar

O nosso amor foi chegando de mansinho

Se espalhou devagarinho

Foi ficando até ficar

Aconteceu sem que o mundo agradecesse

Sem que rosas florescessem

Sem um canto de louvor

Aconteceu sem que houvesse nenhum drama

Só o tempo fez a cama

Como em todo grande amor



[«Aconteceu» (Péricles Cavalcanti)]



Para M., pelos dias todos.

Setembro 29, 2004

Pimenta na língua

Miguel Marujo

O senhor Mira Amaral vai ganhar uma obscenidade por uma reforma. E veio dizer-se vítima ao recusar um lugar na administração da EDP. A reforma não é o «estatuto de um ex-trabalhador, beneficiário do sistema de segurança social da Caixa de Previdência, que recebe uma pensão vitalícia por ter sido dado como incapaz para o serviço, ao atingir o limite de idade ou devido a invalidez» (in Dicionário de Língua Portuguesa on-line)?

O senhor Bagão Félix que nos informou ser «quase obscena» a reforma prometida ao senhor Mira Amaral foi impedido de ir prestar esclarecimentos ao Parlamento sobre este assunto. Que diacho!, para que serve a Assembleia da República, se este Governo já emana a sua legitimidade daquela câmara, como nos recordou o ex-Presidente da República, Jorge Sampaio?! Não vale a pena: ele explica-se à Judite de Sousa ou aos microfones espetados à saída de um debate sobre a retoma e já está.

As obscenidades tratam-se no recato do lar, pois claro.

Setembro 29, 2004

O jornalismo preguiçoso

Miguel Marujo

Quando um jornalista ouve uma «fonte vaticana em Fátima» [sic], não cuida de ouvir a outra parte, embrulha tudo na defesa de um nacionalismo bacoco e de uma ganância oculta de Roma e faz parangonas disso, e é seguido depois por todos os órgãos de comunicação social durante uma manhã inteira, só ajuda à desconfiança com que depois alguma Igreja olha para o jornalismo. Eu, por mim, que acho que a Igreja tem também culpa no modo como a Igreja vai sendo notícia, apenas consigo ver este caso como o de preguicite aguda.

Setembro 26, 2004

Publicidade estática

Miguel Marujo

Nos aeroportos de Lisboa e Porto, à chegada, o «Euro 2004» ainda nos dá as boas-vindas.



Nos comboios da linha de Sintra anuncia-se a melhor maneira de chegar aos estádios de futebol «durante o Euro».



Por toda a cidade de Lisboa, as placas indicam que muitos caminhos vão dar à «Expo 98».

Setembro 24, 2004

Os abutres

Miguel Marujo

Centenas de populares aguardam à porta do tribunal de Portimão pela carrinha-celular que transportará os suspeitos pelo assassínio de uma miúda de oito anos. A SIC-Notícias mantém um directo de longos minutos com o relato minucioso das movimentações («continua a correria») da populaça e da polícia. Que faz toda aquela gente, que enquanto se exalta olha sorridente para a câmara? Não trabalham? Não estudam? Ah, doce tentação por um segundo de glória logo à noite no telejornal. "Olha, eu ali" - e, no ecrã, o abutre levanta voo.

Setembro 24, 2004

Servido de bandeja

Miguel Marujo


size=-2>Caravaggio

«Era-me útil citar Santo Agostinho. E adicionar um episódio quotidiano para reforçar a ideia de que a luta entre o espírito e a carne é dura mas necessária.» Em forma: a ler, todos os textos, sem deixar passar um parágrafo que seja do maior pregador que vem do deserto, desde João Baptista.

Setembro 24, 2004

Amigos que não se esquecem

Miguel Marujo

Eu sei, já lá vai. E na blogosfera alguém sentenciou que 24 horas depois já é «arquivo morto». Mas, estive de férias, o ritmo aqui é outro, interessam-me as antiguidades e (mais importante para o final da história) eles são amigos, de boa cepa! Os Barnabés que têm tanto de diferente dos outros e o José que nos guia por tantas perplexidades fizeram um ano de escrita. A tempo, ficam os parabéns fora de tempo.

Setembro 23, 2004

A bola genuína

Miguel Marujo

Quando era miúdo, ir à bola significava subir a aldeia até aos pinhais e assistir aos jogos do Valonguense, no pelado Campo António Pereira Vidal, da Arrancada do Vouga, que não era mais do que uma bancada de madeira e chapa, óptima para celebrar golos, e uma grade à volta do campo com duas casinhotas a fazerem as vezes de balneário. Em dias de festa, rumava-se ao "velhinho" Mário Duarte, em Aveiro, para ver os jogos do Beira-Mar, em épocas de sobe e desce constante. A primeira vez que vi o Benfica, em 1982 (porque o Veloso se tinha tranferido de Aveiro para a Luz), o "Beira-Beira" encaixou 8-2 com uma equipa de reservas das "águias".


No Valonguense, a história e os intervenientes eram outros. Equipas de bigodes e quase-barrigudos, que eram operários durante o dia e jogadores à noite e domingos à tarde, quando havia jogatanas. Os derbis locais eram coisa séria e cada apito do árbitro um caso de vida ou morte. "Gatuno" devia ser a palavra mais meiga que o senhor de negro, ainda mais cheiinho na cintura, ouvia...


Lembrei-me disto tudo, ontem à noite, a ver um programa - involuntariamente divertido - na RTPN: a «Liga dos Últimos», sobre as equipas que se arrastam pelos pelados/sintéticos dos campeonatos deste país, com febras e coiratos e minis a acompanhar jogadas de fraco rigor táctico que fariam engasgar Gabriel Alves.


Assistir refastelado no sofá ao Pampilhosa-Mirandense, genuíno e ingénuo, dentro e fora do campo, foi quase um acto de reconciliação com o futebol.

Setembro 22, 2004

Um dia com muitos carros

Miguel Marujo

N. apanhou esta manhã o táxi. Por causa do Dia Europeu sem Carros, pergunta-lhe o atento taxista. Não, tinha sido apenas uma arreliadora avaria do seu automóvel, justifica-se. Não é por menor convicção ambiental, conheço-o. Mas, que diacho!, por que tem ele de se esforçar se nem o Governo dá o exemplo?

Vejamos: para a direita no poder, o «folclore» desta iniciativa não merece grande empenho. Já percebemos: prefere-se o folclore em alto mar, a brincar aos navios de guerra. E vemos todos os dias: o trânsito mais caótico, o benefício do transporte privado, em detrimento dos transportes públicos (os passes vão aumentar), medidas avulsas que ajudam mais ainda ao caos da circulação (o Túnel do Marquês, em Lisboa, por exemplo).

Os pequenos exemplos ajudam a perceber: a Via Rápida da Liberdade, também conhecida por Avenida da Liberdade, em Lisboa, tem uns semáforos que permanecem sete segundos no sinal verde para os peões atravessarem cinco faixas de rodagem! Mesmo um qualquer Pepe Rápido teria de atravessar a avenida em passo acelerado.

Ou os grandes exemplos: o Governo não faz nada para dinamizar o transporte ferroviário (veja-se o caso recente da Linha da Póvoa, modernizada para o metropolitano, com ronceiras composições a fazerem uma hora e vinte minutos entre a Póvoa do Varzim e o Porto, com o voto favorável de Rui Rio). O prolongamento do eixo Norte-Sul (o comboio da Ponte 25 de Abril) a Setúbal, programado para o Euro foi adiado até ver. Nada de especial. Os governos PSD que polvilharam o país de auto-estradas e IPs foram os responsáveis pela destruição da rede ferroviária nacional.

Ouvir falar António Mexia dos transportes e do princípio do utilizador-pagador é de rir: ele que nunca tremeu no banco de um autocarro ou na cadeira do comboio... Ele que até queria um carro novo porque o seu ministeriável está velho de dois anos.

Por fim, uma "guerra" particular: fosse a classe jornalística menos automobilizada e mais utilizadora de transportes públicos e teríamos artigos inflamados semana sim, semana não, como temos quando a gasolina aumenta, o buraco naquela rua alarga ou as obras se arrastam no IC-qualquer coisa.

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