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Cibertúlia

Dúvidas, inquietações, provocações, amores, afectos e risos.

Abril 26, 2012

Um filme para discutir como aqui se chegou

Miguel Marujo

Documentário.

É um filme militante, não o esconde, que desvela factos históricos que podem ajudar a perceber o que o país andou para aqui chegar. Os Donos de Portugal é um documentário de Jorge Costa, que se [estreou] no dia 25 de abril, numa maratona de filmes deste género na RTP2. O filme [que pode ser visto na íntegra em baixo], que nasceu do livro homónimo (co-escrito por cinco dirigentes do Bloco de Esquerda, Jorge Costa, Luís Fazenda, Cecília Honório, Francisco Louçã e Fernando Rosas), retrata "Cem anos de poder económico". "Quisemos tornar acessíveis factos históricos, que são matéria útil de como aqui chegámos", explica Jorge Costa ao DN, que já viu o filme.

"Desde que o livro saiu, o país mudou muito, desde há um ano e meio", com a intervenção externa e a crise económica, diz o autor. Por isso, o filme pretende questionar – com esses factos – "se vivemos e quem viveu acima das suas possibilidades". É um retrato de família, uma "grande família", aquele a que assistimos em 48 minutos. "Os mesmos donos daquelas grandes famílias que povoavam a Baixa" lisboeta no século XIX povoam as páginas da imprensa deste início de século XXI, ouve-se logo a abrir o documentário, na narração de Fernando Alves. "Será que ainda lá vão estar em 2050?" Mesmo que hoje se encontrem "novas famílias capitalistas", a tese do filme que era a do livro é a de que "a árvore genealógica da burguesia portuguesa mostra-nos afinal uma grande família que domina o centro económico".

A teia tece-se com os mesmos nomes desde há 100 anos: Salgados, Espírito Santo, Roquette, Lima Mayer, Champalimaud, Cupertino Miranda, Soares dos Santos. Num umbiguismo que se reproduz pelo casamento, ou de outro modo, no campo económico com a bênção política: "Os bancos privatizados são adquiridos por privados com dinheiro emprestado pelos próprios bancos", resume a dado momento no documentário o economista Eugénio Rosa, sobre as privatizações que floresceram nos anos do cavaquismo (1985-1995).

Mas a síntese perfeita é dada pelo atual presidente do omnipresente Banco Espírito Santo. "O BES é um banco de todos os regimes, de todos os géneros", diz Ricardo Salgado, como que confirmando involuntariamente a tese do livro-documentário. Na narrativa de Os Donos de Portugal surgem episódios e personagens, que à luz dos dias que se vivem, parecem um fado repetido. Ali se recorda a crise financeira de 1876 e o empréstimo inglês a Portugal. Ou, muito mais recente, o "escândalo" da venda do Totta & Açores aos espanhóis do Banesto, no consulado de Cavaco, onde há caras que também são familiares no caso BPN. A História não se repetirá, mas tem coincidências: são "as teias da política que organiza os grandes negócios", defende-se no documentário. "E sob o regime da dívida, a própria democracia política é ameaçada", conclui-se.

 

[texto escrito para o DN, que saiu numa versão muito curta na edição em papel do dia 25/4/2012]